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Quinta-feira, 18 de abril de 2024

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​Leito de Procusto

Na posse de Ferra, Curvo cita assassino e torturador da mitologia grega para defender novo procurador

Foto: Rogério Florentino Pereira/ Olhar Direto

Na posse de Ferra, Curvo cita assassino e torturador da mitologia grega para defender novo procurador
O procurador Geral de Justiça de Mato Grosso, Mauro Curvo, lançou mão de uma analogia com a mitologia grega para ilustrar aquilo que classifica como vilipêndio da verdade, no episódio em que teve seu nome e da instituição Ministério Público envolvidos como supostos facilitadores para os suspeitos de participação no esquema de grampos ilegais em Mato Grosso que estariam tentando obstruir a Justiça e tirar o desembargador Orlando Perri do caso. O discurso foi justamente durante a posse como procurador de Justiça de Marcelo Ferra, apontado pelo coronel José Henrique Soares como possível parte do grupo que tentaria atrapalhar as investigações.

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Durante evento, realizado na manhã desta quinta-feira (5), na sede do Ministério Público, Curvo afirmou que tentam fazer o MP se intimidar e se acovardar, mas que essas palavras não fazem parte do vocabulário da instituição quando o assunto é a defesa da sociedade. O chefe do Ministério Público ainda classificou como “conversa de bêbado” a gravação em que Ferra é citado. Foi tenente coronel José Henrique Costa Soares que em uma reunião na casa do coronel Evandro Alexandre Ferraz Lesco gravou o ex-secretário afirmando que Ferra os ajudava.
 
Leito de Procusto
 
Curvo fez uma breve apresentação de Procusto, figura mitológica grega que oferecia abrigo para viajantes com o objetivo de lhes roubar. O personagem agia durante a noite. Além de subtrair os bens de suas vítimas, os deitava em seu leito, forjado a ferro, sob suas exatas medidas. Fosse o sequestrado maior que o molde, era amputado até que coubesse. Fosse menor, era esticado com instrumentos de tortura.
 
A alegoria é usada para ilustrar situações em que a realidade de um indivíduo é imposta a outro(s). Curvo a usou para dizer que a verdade sobre o caso da investigação sobre grampos está aprisionada no leito de Procusto e que para caber nele teve de ser mutilada. Os fatos, sustenta, revelam ser mentirosa a tese de que membros do Ministério Público fariam parte da organização criminosa que tenta obstruir a apuração sobre as interceptações clandestinas.  
 
“Semana passada, quer me parecer, em uma conversa de bêbados, onde quem ouvir a gravação pode constatar com muita facilidade, onde sobraram bebidas, maledicências e mentiras, mas para a qual a verdade não se fez presente porque estava aprisionada lá no leito de Procusto, o cidadão lá, que nós processamos, que nós pedimos a sua prisão, o cidadão, doutor Marcelo ferra, ele traz naquele contexto para onde a verdade não apareceu, ele traz para aquele contexto o nome de vossa excelência e o meu, como se fossemos apoiadores de uma organização criminosa que faz interceptações clandestinas”, reclamou Curvo, dirigindo a palavra diretamente para Ferra.

Neste ano, Mauro Curvo ofereceu denúncia contra Lesco, contra o coronel Zaqueu Barbosa (ex-comandante da Polícia Militar), Ronelson Barros (coronel e ex-adjunto da Casa Militar), coronel Januário Batista e o cabo Gerson Correa Junior. Todos se tornaram reús na ação penal sobre os grampos ilegais.
 
“Naquela conversa de bêbados, onde a verdade passou longe, o que fazem ali? Naquele contexto temos a verdade totalmente vilipendiada, porque é só observar os fatos, não precisa muita atenção, não precisa extrema capacidade, é só observar os fatos, ali o que ocorreu, deitaram no leito de Procusto a verdade, a vilipendiaram, porque os fatos – e estes são absolutamente verdadeiros, porque são fatos - são que quem ofereceu denúncia contra eles  fui eu, quem pediu a prisão deles fui eu, quem foi ao Tribunal de Justiça no Pleno e no final sustentou pelo recebimento da denúncia, foi vossa excelência [Marcelo Ferra], então, fica claro esses serem os motivos de sermos mencionados naquela situação”, concluiu.
 
Curvo ainda reclamou da proporção alcançada pelo depoimento que ligou membros do MP ao grupo suspeito de tentar obstruir a Justiça, reproduzido, na leitura dele, como se verdade fosse. “Alguns fizeram por simplesmente por desconhecimento dos fatos, outros com o indisfarçado propósito de tentar fazer com que o cidadão de bem desse estado venham a desacreditar no Ministério Público, missão quase impossível porque o Ministério Público tem trabalhos efetivos em favor e em defesa da sociedade”.
 
Entenda
 
O tenente coronel José Henrique Costa Soares contou à Polícia Civil que pelo menos um promotor faria parte do grupo de militares e civis que se empenham em obstruir as investigações sobre o esquema de grampos ilegais em Mato Grosso. Conforme ele, outro seria aliciado para auxiliar no contra-ataque a apuração do caso. O PM deu detalhes de um encontro na casa do coronel Evandro Alexandre Ferraz Lesco. Na ocasião, o coronel citou nominalmente o promotor Marcelo Ferra.

"Em seguida eu menciono: ainda bem que o Ministério Público está do nosso lado, seria difícil sem ele. E ele [Evandro Lesco] comenta que o doutor promotor Marcelo Ferra estava do nosso lado, estava participando, estava colaborando com o grupo", conta. 

A conversa foi gravada no celular do tenente coronel, que decidiu testemunhar à Justiça e foi ouvido entre os dias 18 e 22 de setembro pela delegada Ana Cristina Feldner e pelo delegado Flávio Stringuetta, a dupla está a frente da apuração. Segundo o testemunho do militar, o encontro foi agendado pela esposa de Lesco, Helen Christy Carvalho Dias Lesco. 

A testemunha explicou que Lesco teria dito durante a reunião que havia interesse em aliciar o promotor Roberto Aparecido Turin, atual presidente da Associação Mato-Grossense do Ministério Público (AMMP). O promotor é também o responsável por propor uma ação de improbidade administrativa contra o grupo criminoso. 

"Ele menciona o nome do também promotor Turin, fala que esse promotor está na ação de improbidade administrativa que eles temem enormemente. Ele não é do grupo, mas há a intenção de adotar procedimentos de aliciamento dele, para que o melhor resultado aconteça depois disso tudo", denuncia a testemunha. 

A maior parte da conversa entre Soares e o casal Lesco foi gravada pelo tenente coronel, que conseguia acionar o gravador do telefone todas as vezes em que se retirava para ir ao banheiro. Este trecho em questão também foi registrado por Soares e o arquivo entregue aos delegados. 

Grampolândia 

Graças às declarações prestadas por José Henrique Soares a Operação Esdras foi cumprida e mais dois secretários de Estado foram presos pelo polícia em setembro. Rogers Jarbas e Airton Siqueira, responsáveis pela pasta de Segurança Pública e Direitos Humanos foram presos na última quarta-feira (27). 

Os dois secretários juntaram-se ao ex-secretário Paulo Taques, primo de Pedro Taques, preso na mesma data. João Ricardo Soler e Michel Ferronato também foram detidos, os dois são sargento e major da Polícia Militar, respectivamente. Completa a lista Helen Christy Carvalho Dias Lesco, mulher de Evandro Lesco que foi preso nas primeiras fases das investigações, mas conseguiu habeas corpus logo em seguida. Lesco, no entanto, voltou à cadeia depois que a operação foi deflagrada. 

Contra todos eles pesa as acusações de obstrução das investigações. A Polícia Civil aponta que o grupo coagiu o tenente coronel José Henrique Soares a forjar provas contra o desembargador Orlando Perri para suspender o magistrado do processo. O grupo avaliava que sem Perri a chance de alcançar mais figuras do alto escalão do governo Taques diminuiria.  

Antes da acusação de obstrução, Lesco e o coronel Zaqueu Barbosa, entre outros integrantes da Polícia Militar, foram apontados como responsáveis por uma série de inclusão de números não investigados em escutas telefônicas deferidas pela Justiça. O caso, que ficou conhecido como grampolândia pantaneira, foi denunciado pelo promotor Mauro Zaque, quando este identificou toda uma estrutura de espionagem contra jornalistas, advogados e políticos opositores na sede da Polícia Militar. 
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