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VICENTE CAÑAS

Missionários comemoram 14 anos de prisão para assassino de jesuíta: 'inibirá novos casos em MT'

02 Dez 2017 - 16:34

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino/OlharDireto

Sobrinhos de Vicente Cañas e amigos.

Sobrinhos de Vicente Cañas e amigos.

Jesuítas e movimentos defensores dos índios de todo o Brasil comemoraram nesta quinta-feira (30) a sentença proferida em Cuiabá que condenou o delegado aposentado da Polícia Judiciária Civil Ronaldo Antônio Osmar pelo homicídio à emboscada do jesuíta espanhol Vicente Cañas Costa. O crime aconteceu em 06 de abril de 1987 e teve decisão somente agora, 30 anos depois. Ronaldo foi condenado a 14 anos e 03 meses de prisão.

Para o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a decisão “serve como uma luz” em um cenário de “crescimento exponencial das ameaças aos direitos e à vida de lideranças indígenas”.

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Ronaldo Antônio Osmar é o último sobrevivente de um grupo de 04 acusados na sentença de pronúncia, proferida em 2001 pelo magistrado Jefferson Schneider. O réu chegou a ser absolvido, por 06 votos a 01, em um contestado Júri promovido em 2006.

“Alegramos-nos muito, pois esta sentença assenta jurisprudência sobre toda a problemática da Amazônia e sobre todas as barbaridades que são feitas contra os povos indígenas”, comemorou o sobrinho de Vicente Cañas, José Angel Nunes Cañas, que veio da Espanha especialmente para acompanhar o Júri. “Nosso tio quis defender de coração [os indígenas], por isso se integrou em uma destas tribos, convertendo-se em um de seus membros, tornando-se da família. Sua morte foi causada por defender os direitos dos indígenas que há cinco, seis ou sete mil anos estão aqui e pela exploração das grandes indústrias. É uma grande satisfação esse passo adiante [sentença], pois já não é só ele, antes dele ocorreram muitas mortes que não resultaram em absolutamente nada“, avaliou.

“Mesmo que transcorridos 30 anos da morte, a condenação do único acusado ainda vivo é um alento para todos os membros do Cimi, especialmente para  aqueles que conheceram e conviveram com o irmão Vicente”, avaliou a Comissão, por meio de nota emitida nesta quinta-feira (30), em Brasília. Seus integrantes também acompanharam o Júri ao longo da semana.

Ao deixar a sede da Justiça Federal em Mato Grosso, pela porta da frente, Ronaldo Antônio Osmar ainda arriscou um comentário irônico, dizendo que já estava recorrendo à justiça, mas foi logo censurado pela esposa e filho, que o impediram de falar e o conduziram às pressas para seu veículo.

A alguns metros deles, amigos, parentes e colegas do jesuíta assassinado celebravam emocionados a decisão. Para o Cimi, a importância da sentença é simbólica.
 
“Num contexto caracterizado pelo crescimento exponencial das ameaças aos direitos e à vida de lideranças indígenas e agentes indigenistas, a condenação em questão serve como uma luz a mostrar que o caminho da impunidade pode ter um limite. Consideramos que a decisão do júri popular realizado na Justiça Federal de Cuiabá (MT) servirá como forte instrumento político inibidor de novos casos de assassinatos de defensores de direitos humanos naquele estado e nas demais regiões do Brasil”

Conforme o relato da acusação, Vicente Cañas foi morto em 06 de abril de 1987, enquanto se banhava as margens do rio Juruena, em local denominado “Caixão de Pedra”, na reserva indígena Salumã, em Juína, Mato Grosso. À golpes de porrete e facadas no abdômen, o defensor dos "Beneditinos da selva", termo que definida os índios Enawenê-Nawê, foi brutalmente assassinado. O corpo de “Kiwxí", como o povo adotivo o chamava, foi encontrado somente em 16 de maio. Seus pertences foram destruídos.

Testemunhas trazidas pela defesa ao processo ainda tentaram desfazer a imagem do missionário morto, apontando-o como líder de chacina, de personalidade violenta e arrogante e que teria, inclusive, estuprado algumas indígenas na moradia que fixava fora da tribo. As afirmações, entretanto, foram rejeitadas pelo Conselho de Sentença, que não as considerou verdadeiras.

“Que a vida e o martírio de Vicente Cañas continue servindo como inspiração à missão entusiasmada e comprometida com os projetos de futuro e com a vida dos povos originários em nosso país”.

O Crime e o Rito Penal

Objetos pelo chão testemunharam uma luta sangrenta que o espanhol travou pela vida naquele fatídico dia. Conforme os autos, datados de 2001, perto da vítima foi encontrado um barco furado, utensílios de barraca extraviados, chinelos jogados ao longe um do outro, e sangue, muito sangue. Por todos os lados, nas roupas, na burduna e nos óculos, quebrados com emprego de violência, segundo parecer técnico. 

“Seu corpo foi arrastado para fora da cabana para que os animais o comessem e destruíssem as provas. No entanto, foi encontrado 40 dias depois, mumificado e conservado. Na manhã do dia 22 de maio, ele foi enterrado como os indígenas, em sua própria rede, em um buraco cavado a 4 metros de distância de onde o corpo havia sido encontrado. Vários indígenas Enawenê-nawê, Rikbaktsa e Mÿky, juntamente com vários missionários e leigos, fizeram seu sepultamento”, relata o CIMI.

A denúncia do caso foi feita inicialmente pelo Ministério Público Estadual (MPE) e levada ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), em 30 de dezembro de 1993. Inicialmente a ação incluía as pessoas de Antônio Mascarenhas Junqueira e Camilo Carlos Óbici. Porém, por meio de Habeas Corpus (HC) junto a Segunda Instância do Tribunal Estadual, Mascarenhas foi retirado da lista de réus da ação penal. Pouco tempo depois, Camilo Óbici também teve seu nome retirado.

Pouco tempo depois, a justiça Estadual entendeu pela competência da Federal para julgar o caso, designando os autos para o Procuradoria da República, que apresentou sua denúncia inaugural somente em 27 de agosto de 1999.

A sentença de pronúncia, proferia somente três anos depois, em 07 de novembro, pelo magistrado Jefferson Schneider, da Segunda Vara da Justiça Federal, não apresenta dúvidas: trata-se de homicídio duplamente qualificado por emprego de emboscada e uso de arma branca cortante.

Ao lado da reserva indígena Salumã, onde Vicente Canãs fixava moradia à época, fica a “Fazenda Londrina”, de propriedade do acusado Pedro Chiquetti, o qual tinha por capataz o acusado José Vicente da Silva. Depoimentos trazidos aos autos confirmam um histórico de embate entre o produtor rural e os indígenas.

À par da disputa, figura o terceiro acusado, o delegado aposentado da Polícia Civil Ronaldo Antônio Osmar, que segundo a denúncia, era “conhecido na região por atuar em prol dos fazendeiros e madeireiros, pressionando índios e funcionários da Funai” a abrirem mão da disputa pela terra. O quarto e último acusado, Martinez Abadia da Silva, apresentado aos autos como “conhecido pistoleiro da região”.

As investigações, no início dos anos 2000, contou com a confissão do último acusado. À frente dos índios Paulo Tompeba e Adalberto Pinto, Martinez Abadia da Silva confessou ter recebido dinheiro de Ronaldo Antônio Osmar, à mando de Pedro Chiquetti, “para que juntamente com outros elementos, mediante emboscada, ceifasse a vida da vítima. A negativa de autoria não encontra respaldo nas provas do processo”, consta da sentença.

Razão pela qual, o magistrado Jefferson Schneider entendeu pela pronúncia, nos termos originais da denúncia, contra Martinez Abadia da Silva, Ronaldo Antônio Osmar, Pedro Chiquetti e José Vicente pelos crimes previstos no Artigo 121, § 2, I e IV do Código Penal, isto é: homicídio “I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;” e “à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido”.
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