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SEM ANDAMENTO

Pais de Rodrigo Claro temem prescrição de ação militar contra tenente Ledur: 'lembra caso Abinoão'

14 Jul 2018 - 15:30

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino Pereira/OD

Jane Claro e Antônio Claro, atrás

Jane Claro e Antônio Claro, atrás

No dia 04 de abril, quando a Sétima Vara Criminal enviou o processo contra a tenente do Izadora Ledur Dechamps, do Corpo de Bombeiros, para a 11ª Vara Militar, a família de Rodrigo Claro, morto em treinamento aos 21 anos, confessou seu temor: morosidade e prescrição de pena. Nesta 13 de julho, o envio do processo completou 100 dias... Nenhuma testemunha ouvida, nenhum réu interrogado, nenhuma audiência agendada.
 
Nas estantes da Vara Militar, enquanto isso, milhares de outros processos chegam, juntam-se e apequenam-se perante casos de repercussão política, como do esquema de interceptações telefônicas na Polícia Militar ("Grampolândia Pantaneira").

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Ao Olhar Jurídico, Jane Claro, mãe de Rodrigo, pediu desculpas. Não nos atendeu por estar sem voz há mais de dez dias. Por motivos psicológicos, crê. Devido à angústia, mal consegue explicar o processo de seu filho morto. Coube ao tenente Antônio Claro, seu esposo, assumir a missão de exprimir à reportagem toda a apreensão de um pai e uma mãe apreensivos.

“O processo estava caminhando bem na Sétima Vara Criminal... havia a intenção de resolver logo esta ação. Mas, em virtude da Lei 13.491/2017, que alterou o Decreto-Lei 1.001, Código Penal Militar, o caso foi para competência da 11ª Vara. Ficou da seguinte forma: o juiz reconheceu sua competência para julgar, o processo já foi ao Ministério Público e voltou com manifestação. Até hoje aguardamos data para oitiva de testemunhas...”, explica Antônio.

Nestes mais de 100 dias de espera, o processo perdeu seu ritmo e o temor daquele 04 de abril aumenta à cada dia: que o caso se arraste, lentamente, à ponto de Rodrigo Claro sair da memória da população mato-grossense e os autos se encaminhem à prescrição. Exemplo prático não falta:

“Veja o caso do soldado Abinoão Soares de Oliveira, lembra desse caso?” – pergunta o pai – “Alguns dos militares que respondem por omissão de socorro nessa ação praticamente estão com pena prescrita. Não vai virar nada! Aqueles que estavam à frente do treinamento e fizeram aquelas barbaridades também estão com penas próximas da prescrição. O caso Abinoão corre o risco de não virar nada! Nosso medo é que o caso do nosso filho caia no esquecimento e de repente, quando pensa que não, já está próximo da prescrição...”.

O silêncio reina por alguns segundos naquela entrevista. Antônio Claro respira fundo e lamenta: “Nós só queremos que a justiça nos dê uma resposta, que pelo menos marque uma data de audiência. Para nós, da família, seria o retorno da esperança de que a justiça será feita. A expectativa é horrível. Ao mesmo tempo que a gente é otimista, pensa negativamente e isso é muito ruim”.
 
No Conselho de Justificação, incertezas:

Paralelamente à ação criminal, o Conselho de Justificação do Corpo de Bombeiros Militar apura a conduta profissional da tenente. Conforme a Lei Estadual 3.993, cabe a este Conselho decidir se a militar possui capacidade de continuar na ativa ou se deve ser exonerada. 

Os Bombeiros aguardaram, pacientemente, pelo interrogatório de Ledur, que não ocorreu. “Ela nunca foi em nenhuma das audiências marcadas!" - reclama Antônio Claro - "A Lei é clara: a ré precisa estar presente. Ela não vai, nem manda o advogado dela".

O Conselho de Justificação do Executivo Estadual é composto pelos oficiais: tenente-coronel Lahel Rodrigues da Silva (presidente); major Mário Henrique Faro Ferreira (interrogante e relator); capitão Emerson Henrique dos Anjos Acendino (escrivão).

Conforme o Corpo de Bombeiros informou à reportagem, o Conselho atendeu reivindicação da defesa da tenente Ledur e invocou a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) para avaliação do caso. Cabe à este órgão emitir um parecer à favor ou contra a continuidade do Conselho. Eles também poderão propor mudanças no procedimento na forma como ele está sendo conduzido.  

"Estamos aguardando a publicação no Diário dessa manifestação deles. Como vão proceder? Eles não nos passam informação alguma!”, lamenta Antônio.

À reportagem, os Bombeiros admitem que não houve qualquer andamento recente no Conselho instalado para o caso. Esclarecerem que estão aguardando a devolução do parecer da PGE. Da mesma forma, informam que estão acompanhando a ação penal que hoje tramita na Vara Militar.

Ansiosa, a família pede informações até mesmo enquanto esta reportagem é produzida. Jane Claro segue sem voz, mas em seu aplicativo de mensagens usa foto que resume tudo o que gostaria de dizer e não pode: "Chega de impunidade! Justiça já".
 
A tragédia, segundo testemunhas:

No fatídico 10 de novembro, na Lagoa Trevisan, Rodrigo mal conseguia esconder o nervosismo. Conhecido em sua tropa por ter pouca experiência em natação, temia não conseguir terminar a prova em paz. “Ele viu a quantidade de água e... eu falava ‘relaxa, ninguém vai matar nós aqui não, fica tranqüilo que nós vamos passar. Passamos 08 meses juntos aqui e agora nada vai acontecer ‘com nós’ não’”, narra Arruda.

Naquele dia, os soldados teriam que atravessar 250m de lagoa, sem apoio das bóias (que eram obrigatórias), sem unidade de resgate, em caso emergência (que também era obrigatória) e sem barco motorizado para situações de urgência (que também é obrigatório). Quer dizer, “tinha barco, mas o motor estava quebrado, tinha só remo”, explica o soldado.

Para Claro, a prova representava grave risco. Segundo todos os ex-colegas concordam, o jovem ainda aprendia a nadar e possuía dificuldade até mesmo nas piscinas da Universidade Federa de Mato Grosso (UFMT).

Sobre os exercícios feitos na universidade, Arruda narra que também foi vítima da tenente Ledur. “Ela falava, ‘sossega, fica, aluno’, inúmeras vezes ela (me) xingava de lixão, dizia que eu não iria me formar, que dinheiro para pagar advogado eu tinha, frouxura, frouxo, bichinha, pois eu não conseguia sair dela. Ela tinha esse mal”.

Ainda sobre isso, o soldado Maiuson, terceira testemunha da audiência, confirma. Ledur era "rígida, severa e autoritária” e "usava palavras de baixo calão, xingava a gente de burro, (dizia) que a nossa turma era a mais burra que tinha”.

Todos os soldados ouvidos em juízo foram uníssonos quanto aos excessos da tenente Ledur. Conforme o soldado Sampaio, certa feita a ré determinou que os estudantes enfiassem uma bandeira no ânus. "Foi surreal". "Ela usou uma bandeira pra enfiar no órgão genital de um aluno. A fabricação da bandeira demorou, não foi culpa nossa e quando chegou ela falou que não precisava mais da bandeira, que era pra enfiar a bandeira no cu [...] foi um caso de desrespeito sim”.

Prestes a iniciar os exercícios na Lagoa, a tenente Ledur zombava do iminente risco de morte naquela travessia, afirma o soldado Welton. "Ela dizia que se alguém morresse pelo menos ia dar nome a alguma escola ou unidade publica".

Já ao anoitecer, Rodrigo lançou-se à água, perto do cabo do Corpo de Bombeiros Francisco e do colega Arruda, que narra. “Na ida com a tenente, eu não tomei nenhum caldo, pois ela ficava sempre perto do Claro, sempre perto do Claro, sempre perto do Claro (insiste)... do meio para frente, começou a sessão de caldos no Claro”.

Prática não oficial nos treinamentos militares em água, o “caldo” é dado quando alguém superior em patente afunda propositalmente o estudante, durante o nado, afim de dificultar a travessia, causar afogamento e impossibilitar a respiração.

“Eu nadava um pouco atrás dele (Rodrigo), mas logo destoou (o ritmo) e eu acabei passando ele, que ficou para trás. Chegando quase... o Claro já estava meio ‘alopradão’ (em pânico) já, pois a tenente estava em cima dele, nas costas dele, afundava com ele. Ele queria sair da água, queria sair da água, sair da água, ele falava: ‘não, não quero isso mais não, está doendo minha cabeça, quero sair!”, conta Arruda.

Sobre esse momento, soldado Sampaio narra à justiça e ao MPE. "A todo momento ele dizia que não queria mais. Pedia pelo amor de Deus para ela parar, que ele não queira morrer. Mas ela não dava ouvidos".

Mesmo apontando para o sintoma grave de cefaléia, a tenente manteve a “sessão” de afogamentos em Rodrigo. “Disse que era para ele parar de ‘frouxura’, que era para voltar (para o nado), ele falava que não queria. O cabo Francisco então disse: ‘já que não quer, então saia, peça para sair, se você não quer mais ser bombeiro’. A tenente falou ‘não, não, você não tem escolha’, e foi para cima dele. Ele foi sair da água e acabou até botando a mão assim para que ela saísse da frente. A tenente ate disse: ‘você está doido? Está me agredindo? Vou chamar a Maria da Penha’. Claro estava ‘alopradão’, já dava para ver que ele estava ‘nervosão’, com medo dos caldos. Ele pediu umas três ou quatro vezes para sair”.

“Coronel Reveles estava atrás de nós, ele não via o que estava acontecendo, ou viu, e disse: ‘não, 30 (número de Rodrigo), aqui você não tem escolha não, você vai voltar para a água. Aí foi, ele colocou o pelotão em forma para ele voltar a travessia. Os meninos falavam (para Claro): ‘vamos, nós ‘te reboca’. Acabou que ele voltou. Ele foi rebocado (levado por outros para fora do lago). Ele batia as pernas, mas a tenente vinha nas costas dele. O soldado Maiuson até veio por baixo e subiu com ele e com a tenente junto, por cima, para (ele) tentar respirar um pouco. Ele (Rodrigo) estava ‘alopradão’, tentando bater os braços e as pernas...até...”.

Questionado pelo MPE, cujas promotoras se mostravam assombradas pela narrativa, o soldado Arruda confirmou que Rodrigo Claro estava se afogando, bebendo água da Lagoa Trevisan e queixando-se de fortes dores de cabeça. Vendo o desespero do estudante, o Sargento do Corpo de Bombeiros Xavier lançou uma bóia à água. “Mas a tenente mandou retirar, não era para deixá-lo com a bóia”, lamentou a testemunha.

Na praia, os bombeiros narram seus últimos momentos com o colega. “Foi a última vez que vi ele, eu até me arrepio de lembrar. Chegamos, atravessamos e ele continuava ainda na água, a gente insistia que (naquela altura) já dava pé. Jogaram a bóia, a tenente gritava: ‘tira a bóia, tira a bóia’. Foi então que ela grudou nele e o jogou no chão. (Após sair da água) Ele sentou-se no chão, meio cabisbaixo, cansado, reclamou de dores nas pernas e de tontura, estava abatido e de cabeça baixa. A tenente chamou ele no canto e disse: ‘para de frouxura, você é uma bichinha’, dizia que ele não era homem para vestir farda, que aquilo não era coisa de homem, era coisa de bichinha”, conta Arruda.

Aquele seria o último momento em que os colegas veriam Rodrigo Claro. O rapaz, de 21 anos, ainda sob fortes dores de cabeça e tontura, pegou sua moto e deixou o local. “Após toda instrução de salvamento aquático eu mandava mensagem para ele [...] naquele dia ele não retornou”.

Tenente Ledur

A notícia:

“Quando cheguei em casa, fui lavar minha roupa e foi questão de 19h, 19h30, que soltaram no grupo: ‘o Claro está mal lá na Policlínica do Verdão’”, narra Arruda. Segundo os militares, a tenente Ledur e seus colegas de patente já demonstravam preocupação com o desenrolar dos acontecimentos e a repercussão do caso. “Primeiro ela mandou que o Claro estaria bem sim, que era para nós ‘rezar’ por nosso parceiro de farda, que tinha ‘dado não sei o que nele’, mas que ele estava bem”.

Na verdade, não estava. Naquele momento, Rodrigo Claro já havia sofrido duas convulsões e foi encaminhado às pressas e em estado crítico ao Hospital Jardim Cuiabá, onde permaneceu internado em coma. De lá, não sairia com vida. “Nós fomos proibidos de ir lá (ao Jardim Cuiabá para visitar o colega). Eles botaram um sargento. Falaram que era para evitar”, conta Arruda ao MPE.
 
“Aquele dia estava estranho, já a noite, por volta das 21h estava um ‘converseiro’ onde estávamos, nas tendas. As instruções ocorreriam durante toda a noite, mas eles cancelaram”, narra à testemunha, que afirma que algumas autoridades do Corpo de Bombeiros já se evadiam do local. “Eles nos dispensaram durante a noite toda, ali acho que eles já tinham a notícia do falecimento, mas para nós só foi informado entre 4h e 5h da manhã”.

Rodrigo havia falecido, anunciara o tenente, aos prantos, o treinamento do 16º Batalhão estava chegando ao fim. O MPE questiona da reação dos colegas naquele momento. Arruda desabafa. “Para nunca mais passar por aquilo, a gente era tipo uma família, ficávamos 24h juntos, sonhando em sair formado, os planos que tínhamos feito ainda em Sinop (onde vivíamos) e aí...uma pedrada dessa?”.
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