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Quarta-feira, 17 de abril de 2024

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ASPECTOS CONTROVERTIDOS

Advogado explica diferentes tipos de colaboração premiada e defende melhor regulamentação de instituto

Foto: Rogério Florentino Pereira/ Olhar Direto

Advogado explica diferentes tipos de colaboração premiada e defende melhor regulamentação de instituto
Colaboração Premiada é um termo que ficou conhecido nacionalmente após a popularização de seu uso em decorrência da Operação Lava Jato. No entanto, ainda há pouca bibliografia sobre o tema. Os advogados Valber Melo e Filipe Maia Broeto, pensando nisso, decidiram escrever um livro para tratar do tema, o “Colaboração Premiada – Aspectos Controvertidos”. Os dois têm experiência no assunto, devido aos casos em que atuaram em Mato Grosso.
 
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Filipe Maia Broeto é advogado criminalista, especialista em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes – UCAM e em Processo Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - FDUC/PT em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM. O advogado também é autor da obra coletiva "Colaboração premiada: Novas perspectivas para o sistema jurídico-penal", uma das poucas sobre o tema.

Valber Melo também é advogado criminalista, mestrando e doutorando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa, além de ser especialista em Ciências Criminais, especialista em Direito Penal e Processual Penal e especialista em Direito Público. Ele já atuou em casos famosos, como o do ex-governador de Mato Grosso, Silval Barbosa.

Em entrevista ao Olhar Jurídico, o advogado Valber Melo explicou melhor como funciona o acordo de delação premiada e porque ficou tão popular nos últimos anos. Ele ainda defendeu uma melhor regulamentação do benefício e afirmou que a delação veio para ficar.
 
Leia a entrevista na íntegra:
 
Olhar Jurídico – O benefício da colaboração premiada se tornou muito popular nos últimos anos, esta lei é recente?

Valber Melo - Na verdade, a colaboração premiada existe no Brasil há muito tempo. Desde as ordenações Filipinas, em 1603, já existiam “prêmios” para quem colaborava com as autoridades públicas.

Posteriormente, por exemplo, a colaboração premiada foi prevista, embora muito timidamente, na lei de crimes hediondos, lavagem de dinheiro, tráfico de entorpecentes, lei de proteção a vítimas, testemunhas e proteção a acusados colaboradores (lei 9807/99),etc.

No entanto, só se veio a falar muito dela mais recentemente, sobretudo no âmbito da Operação Lava Jato que irradiou efeitos em vários Estados da federação, porque a lei 12.850/2013 [Lei de organização criminosa] trouxe uma proposta de melhor regramento com relação às leis anteriores, notadamente no que diz respeito às organizações criminosas.
 
Olhar Jurídico – A nova lei disciplinou de forma pormenorizada o assunto ou ainda possui lacunas?
 
Valber Melo - É bom que se diga que, em que pese tenham ocorrido avanços, a lei ainda possui uma série de lacunas que necessitam ser preenchidas para uma melhor disciplina do assunto. Até porque foi editada para preencher uma lacuna no que atine à tipicidade do que seria organização criminosa, e não para regulamentar, especificamente, o instituto da colaboração, que, após o uso excessivo, demonstrou carecer de melhor regulamentação e avanços.

Foi, a propósito, em razão dessas lacunas, das várias dúvidas, da pouca bibliografia sobre o tema e diversas inquietações para as quais não encontrávamos respostas, que começamos a aprofundar os estudos e, com isso, escrever alguns artigos. Após muitas reflexões, decidimos escrever um livro, expondo, de forma dogmática, nosso singelo entendimento sobre vários dos pontos controvertidos do instituto em questão.
 
Olhar Jurídico – Como funciona na prática a colaboração premiada?
 
Valber Melo - A lei não disciplinou passo a passo todo o procedimento.Assim, na ausência de previsão, acaba ficando a critério dos órgãos da persecução penal a elaboração de manuais internos com o objetivo de melhor regulamentar o procedimento. 

Na prática, a defesa do pretenso colaborador comparece perante o Ministério Público ou até o delegado de polícia, informando sobre o interesse em colaborar voluntariamente com as investigações. É lavrado um termo de confidencialidade para preservar o sigilo das tratativas e, havendo interesse por parte do Ministério Público ou da autoridade policial, são apresentados o que se convencionou chamar de anexos temáticos, que são os temas ilícitos nos quais tem envolvimento o candidato a colaborador.

Olhar Jurídico – Isto antes de se discutir a premiação?

Valber Melo - A partir das informações que possui o candidato a colaborador e do grau de importância delas para as investigações, passam a ser negociados os prêmios previstos na lei de colaboração, com a posterior confecção de um acordo de colaboração, onde resta clausulado o que foi entabulado nas tratativas.

Com o acordo devidamente assinado, passa-se à fase dos depoimentos, geralmente um depoimento para cada evento ilícito narrado nos respectivos anexos temáticos. Posteriormente, o acordo é levado juntamente com os depoimentos e material probatório entregues pelo colaborador ao juízo responsável pela homologação. Havendo homologação, o acordo passa a ter validade.

Olhar Jurídico - E se o Ministério Público e a autoridade policial não tiverem interesse na colaboração?
 
Valber Melo - Iniciado o procedimento, e caso não haja interesse dos órgãos da persecução penal, todo o material entregue pelo colaborador e suas informações não podem ser utilizadas de nenhuma forma. Por isso, para maior garantia dos órgãos de investigação e do próprio colaborador é lavrado um termo de confidencialidade.
 
Olhar Jurídico – Quais são os prêmios que um colaborador pode receber?
 
Valber Melo - A Lei de Organizações Criminosas trouxe um maior número de benefícios, tornando-os mais atrativos aos pretensos colaboradores, o que acabou, por gerar, consequentemente, um maior número de colaborações.

Dentre eles, o perdão judicial, a possibilidade de diminuição de pena em até 2/3 e redução pela metade, caso a colaboração ocorra após a sentença.

Além disso, também trouxe a possibilidade de substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, ainda que ausentes os seus requisitos, a possibilidade de progressão de regime por salto, o sobrestamento do prazo para oferecimento da denúncia ou do processo. Isto sem contar o maior dos prêmios, que foi a imunidade, onde o colaborador pode até mesmo deixar de ter a denúncia oferecida contra si, caso seja o primeiro a colaborar e não seja o líder da organização criminosa.
 
Olhar Jurídico – Na pratica, no que diferem os prêmios da atual lei, das anteriores, além da questao da imunidade?
 
Valber Melo - Na prática, como vem sendo admitido, em que pese haja críticas por parte da doutrina, agora, é possível, por exemplo, que uma pessoa que está no regime fechado, progrida direto para o aberto, ainda que não preencha os requisitos ordinários para a progressão.

Outro ponto interessante é que, após o advento da lei 12.850/13, a colaboração pode se dar não só durante a investigação ou ação penal, podendo ocorrer até mesmo depois da sentença, inclusive na fase de execução.

Assim, um cidadão que está condenado por exemplo a 20 anos de prisão, se for integrante de uma organização criminosa e preencher os requisitos do artigo 4º da Lei 12.850/2013, a qualquer momento pode entabular um acordo de colaboração, prevendo a redução da pena pela metade e o cumprimento em regime aberto; se o juiz homologar, os prêmios passam a ser um direito subjetivo do réu. 
 
Olhar Jurídico – É possível a delação premiada sem a existência de um acordo expresso com o Ministério Público?
 
Valber Melo - Independente da existência de acordo, ou até mesmo diante da negativa do Ministério Público e/ou da autoridade policial, nada impede que o colaborador opte por uma colaboração unilateral ou solitária.

Chama-se colaboração solitária, justamente porque o sujeito pode nem mesmo procurar o Ministério Público ou a autoridade policial. Nessa modalidade, ele não necessita se submeter a um acordo, suas nuances e a discricionariedade dos órgãos da persecução penal.

Basta que se disponha a colaborar no momento de seu interrogatório judicial, onde, durante a audiência, na presença de seu advogado, do Ministério Público e da autoridade judicial, confessa os fatos por ele praticados naquele caso, revelando o nome dos outros envolvidos, e desde que preencha os requisitos da lei, nada impede que o juiz aplique os benefícios, independente da existência de acordo.
 
Olhar Jurídico – Há exemplos em Mato Grosso?
 
Valber Melo - Decorrente do estado de Mato Grosso, já há diversos posicionamentos reconhecendo a colaboração unilateral e a aplicação do perdão judicial no bojo da Operação Sanguessuga, que irrradiou efeitos em diversas outras seções judiciárias da justiça federal. Também mais recentemente, no âmbito da justiça estadual local, o eminente magistrado Marcos Faleiros reconheceu a colaboração unilateral no bojo da citada Operação Arca de Noé.

A colaboração unilateral, apesar de ainda pouco utilizada, tem previsão na lei 9.807/99, que continua em vigor. Ela acaba tornando mais amplo o uso e o reconhecimento da delação, pois depende apenas da vontade do colaborador, do preenchimento dos requisitos para colaborar e do reconhecimento pelo juiz, que preenchidos os requisitos tem que aplicar os benefícios, até mesmo por se tratar de um direito subjetivo do colaborador.
 
Olhar Jurídico – Ela então garante mais “segurança” ao colaborador?
 
Valber Melo - A existência de um acordo expresso devidamente homologado sempre traz mais segurança ao colaborador. Todavia, o fato de a colaboração unilateral ou solitária poder ser aplicada pelo juiz, quando da sentença, acaba por criar mais um importante mecanismo de controle de eventuais negativas não acompanhadas de devida motivação por parte dos órgãos da persecução penal, bem como uma forma de se evitar eventuais abusos, pois aquele que tem intenção de colaborar não pode ficar submetido a exclusiva discricionariedade dos órgãos de persecução penal.

Trata-se, pois, de importante mecanismo que, se devidamente aplicado, pode ampliar o uso da colaboração e trazer até mesmo um maior controle por parte do Poder Judiciário.
 
Olhar Jurídico – E para que serve a colaboração premiada, especificamente?
 
Valber Melo - A colaboração premiada é um importante meio de obtenção de prova. Tem sido muito utilizada para o desbaratamento de organização criminosas onde, geralmente, conforme reza a doutrina, impera a lei do silencio (omertà).

Mas é importante que se diga que a colaboração é apenas um ponto de partida, e não de chegada.Tanto isso é verdade que, recentemente, o Supremo já entendeu que a colaboração, por si só, não serve nem mesmo para o recebimento de denúncia, porque ela tem que ser comprovada e corroborada por outros elementos de prova.

No início da Operação Lava Jato, que irradiou efeitos em diversos outros Estados, a imprensa revelava cotidianamente vários decretos de prisões baseados em colaboração, e também denúncias tendo com único sustentáculo a delação premiada.

Agora, porém, o Supremo voltou os olhos para a matéria e começou a proferir entendimentos acerca dos limites da colaboração. Como a lei ainda é muito recente, a tendência é que cada vez mais, na ausência do legislador, o judiciário comece a fixar balizas e limites acerca do instituto.
 
Olhar Jurídico – A colaboração e também um meio de defesa, correto?
 
Valber Melo - A colaboração é um importante mecanismo de defesa, mas não pode ser banalizada. Não pode jamais substituir a defesa clássica. A decisão de colaborar é sempre do cliente, mas é papel de seu defensor esclarecê-lo sobre todas as nuances do instituto, quais são seus direitos, obrigações, para que possa tomar uma decisão cercado de garantias e com o conhecimento do que se sucederá com ele com a decisão de colaborar.
 
Olhar Jurídico - Quando deve ser utilizada, então, do ponto de vista da defesa?
 
Valber Melo - Geralmente, para aqueles que optam por atuar na defesa de réus colaboradores, é aconselhada a colaboração premiada naqueles casos em que a defesa clássica resta demasiadamente prejudicada pelas inúmeras provas que existem em face do candidato a colaborador, incontáveis investigações em curso, diversas ações penais, decretos prisionais e, também, quando o sujeito é alvo de diversas outras colaborações acompanhadas de documentos probatórios.

Não obstante, como frisado acima, a decisão é sempre do cliente, do candidato a colaborador. A escolha deverá sempre ser dele, colaborar ou exercer sua defesa com amplitude. Seja qual for a decisão, a defesa deverá exercer o seu papel, seja no âmbito do que se intitula de defesa colaborativa ou defesa clássica.
 
Olhar Direto – O que motivou você e ao senhor Filipe Maia Broeto a escreverem o livro “Colaboração Premiada – Aspectos Controvertidos”?
 
Valber Melo - As medidas que as inquietações surgiam, decidimos aprofundar os estudos sobre o tema, levando-se em consideração o ainda pouco material bibliográfico acerca do tema, até mesmo pelo pouco tempo de vigência da lei 12.850/2013.

O singelo estudo é dividido em duas partes. Num primeiro momento, buscamos abordar os aspectos gerais da colaboração premiada, tais como a natureza jurídica do instituto, os legitimados para celebrar o acordo, os direitos do colaborador, etc.
 
Olhar Jurídico – No título os senhores trazem o termo “aspectos controvertidos”. Quais são eles?
 
Valber Melo - Na segunda parte, trouxemos discussões sobre temas controvertidos do assunto colaboração premiada, os quais foram enfrentados à medida em que as inquietações nos iam surgindo.

A título exemplificativo, discorremos acerca da (im)possibilidade de impugnação do acordo de colaboração por terceiros; da colaboração unilateral;“desomologação” do acordo de delação já homologado; possibilidade de extensão dos prêmios da colaboração para o âmbito extrapenal (como é o caso da responsabilização por improbidade administrativa); a (im)possibilidade de a prisão preventiva funcionar como indutor à celebração de acordos de colaboração premiada, os limites da defesa do colaborador no processo penal negocial, etc.

Mesmo após a edição do livro, já começaram a surgir outras indagações, que nos motivam a continuar a estudar o tema. Possivelmente, teremos novidades já na segunda edição.
 
Olhar Jurídico – A colaboração veio definitivamente para ficar, no processo penal brasileiro?
 

Valber Melo - A colaboração tem muitos pontos positivos e negativos. É um instituto que divide opiniões da doutrina. Entretanto, a lei está em vigor, o instituto está sendo aplicado e, sem dúvidas, a colaboração veio para ficar.

O que resta agora é aprimorá-lo, pois, definitivamente, com críticas ou não, faz parte da realidade no processo penal brasileiro.

Espera-se que a tendência seja o aprimoramento do instituto, que as lacunas sejam preenchidas, que o judiciário melhor fixe seus limites e que seja aplicado com parcimônia, com respeito às garantias constitucionais dos delatados, que não podem ser condenados antecipadamente por terem sido citados em acordos de colaboração, mas também com as garantias e segurança jurídica aos colaboradores.
 
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