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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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ENTREVISTA DA SEMANA

Procurador critica proposta de Bolsonaro sobre redução da maioridade penal e defende políticas sociais

Foto: Rogério Florentino Pereira/ Olhar Direto

O procurador Paulo Prado

O procurador Paulo Prado

Um dos pontos do plano de Governo de Jair Bolsonaro (PSL) é a redução da maioridade penal para 16 anos. Agora que foi eleito, este é um assunto que gerou debates entre alguns setores da sociedade. Para muitos este é o caminho certo a se tomar e para outros uma medida dessa não solucionaria problema algum.
 
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Hoje, um adolescente que comete crimes é encaminhado ao Sistema Socioeducativo, ao invés do prisional. Em Mato Grosso 104 adolescentes estão internados em unidades do Estado. Deste total, 10 são do sexo feminino e 94 do sexo masculino.

Nestas unidades os adolescentes frequentam aulas do ensino fundamental e médio e também tem atividades profissionalizantes, entre eles: curso de embutidos e defumados, curso de manicure e pedicure, auxiliar de almoxarifado; curso extensivo de orientação à saúde.

A medida socioeducativa é aplicada pela Justiça levando em conta a gravidade do ato infracional cometido e pode variar de 45 dias (provisória) a três anos (tempo máximo estipulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente).

O procurador Paulo Prado, do Ministério Público, é contra a redução da maioridade penal e defende a criação de mais políticas sociais, além da ampliação e melhoria das unidades Socioeducativas. Em entrevista ao Olhar Jurídico o procurador afirmou que a raiz do problema está no tráfico de drogas e acredita que a redução em nada solucionará este problema.
 
Leia a entrevista na íntegra:
 
Olhar Jurídico – Uma das questões que já surgiu desde que Jair Bolsonaro foi eleito é a redução da maioridade penal. O senhor acredita que ela pode ser eficaz?

Paulo Prado - Eu respeito as opiniões das pessoas, eu sou um democrata, só que eu sou radicalmente contra a redução da maioridade penal por vários motivos, mas vou elencar dois. Primeiro é que sem uma política educacional forte neste país, de combate ao tráfico de drogas nesta nação, sem uma política de valorização da família, geração de empregos e saúde, reduzir para 16 anos, pura e simplesmente, numa visão paupérrima do problema da violência infanto-juvenil, não vai resolver nada.

Criticam que só fica três anos preso no sistema socioeducativo, mas qual adulto que fica preso hoje? Ontem o Supremo Tribunal de Justiça soltou o Joesley Batista, e quem é mais nocivo? O adolescente que praticou crime ou estas pessoas que estão desviando recursos, que acabaram com a Petrobras, recursos que poderiam estar sendo utilizados para a geração de empregos, na educação, na saúde.

Olhar Jurídico – Como o senhor acredita que o Estado, hoje, tem lidado com a realidade dos adolescentes infratores?

Paulo Prado - O Estado muitas vezes não faz sua parte, nós do Ministério Público constantemente temos que requerer bloqueio de contas para remédio, para cirurgias, para garantir vagas nas escolas, para tratamento, por exemplo. Se a Nação não enxerga criança e adolescente como prioridade é a cadeia que vai resolver o problema? 

Vamos fazer uma avaliação bem isenta, quais são os adolescentes hoje que praticam o ato infracional? Pertencem a qual camada social? São os excluídos. “Ah, o senhor está fazendo uma defesa socialista da questão”, não, isso é um fato. Independente da convicção de quem quer que seja, os jovens que estão hoje no Sistema Socioeducativo são da camada excluída, geralmente com ausência da figura paterna, alguns sequer são reconhecidos pelo pai, a mãe trabalha o dia inteiro igual a uma escrava para levar sustento à família, moram em bolsões, grilos e casas de condições insalubres, a grande maioria deles.
 
Olhar Jurídico – Quais são os principais crimes cometidos por eles?

Paulo Prado - São quatro: roubo, latrocínio, homicídio e tráfico de drogas. Todos estes têm a ver com o patrimônio ou às vezes rixas de gangues, mas relacionados ao tráfico de drogas, esta é a raiz. Agora, somos um país que não combate o tráfico de drogas. Em Mato Grosso, 70% da cocaína que entra no Brasil é pela fronteira com a Bolívia. Cuiabá está a três horas da Bolívia, tem mais de 20 municípios nestes mais de mil quilômetros de fronteira do Estado, é desprotegida.
 
Olhar Jurídico – O senhor avalia então que é a droga o real problema?

Paulo Prado - Por exemplo, a cocaína produz o crack, um subproduto. Há 30 anos eles cheiravam cola de sapateiro e fumava maconha, que são substâncias entorpecentes que não causam agressividade. Hoje o crack, que é produzido em fundos de quintal, bem artesanalmente, é barato. Com R$ 2 você compra quatro bolinhas de crack. Um garoto pede esmola na rua recebe esta quantia e vai comprar tudo em droga, e o primeiro crack que o adolescente fuma já fica em um estado de euforia, e no segundo ele já é dependente, e aí, ele vai bancar o vício dele como? O dia que ninguém entregar dinheiro para ele, ele vai roubar. Quando estiver ultra dependente do crack ele vai matar. Vai morar na rua, vai perder amor por ele mesmo.

Agora, se as pessoas estão achando que vão resolver o problema da violência neste país reduzindo a maioridade penal para 16 anos, então reduz para 10 anos de idade logo, se vai continuar sem política voltada para criança e adolescente, se nós vamos continuar na contramão da história mundial. Hoje você vai pelo mundo afora e as pessoas se preocupam com suas crianças e adolescentes, mas aqui, se o Ministério Público ou a Defensoria Pública não entram com ações, não tem vaga na escola, não tem medicamento, não tem cirurgia, não tem prótese.



Olhar Jurídico – Em Mato Grosso, hoje, um adolescente que comete crimes vão para uma unidade Socioecudativa. Nosso Estado está capacitado para atender a todos?

Paulo Prado - Centro Socioeducativo só há em Cuiabá, os promotores entraram com ação em Tangará da Serra, entraram com ação em Sinop, em Rondonópolis, Cáceres, mas nunca foram construídos. Nós fizemos um acordo agora, questão de 60 dias, com o Governo Pedro Taques, para criar um cronograma para se construir Centros Socioeducativos. Vai colocar todos estes adolescentes no sistema prisional brasileiro então?
 
Olhar Jurídico – Sobre esta questão, inclusive, houve risco de intervenção Federal caso não fossem apresentadas propostas, correto?  Como está o andamento disso?

Paulo Prado - Nós fizemos um acordo, existem prazos a serem cumpridos, se estes prazos não forem cumpridos, nós iremos pedir bloqueios nas contas do Executivo, tantas vezes quanto for necessário. Ainda na gestão de Pedro Taques tem que sair licitação para Centros Socioeducativos, e se não acontecer nós, ainda no Governo dele, entraremos com bloqueio, com ações, mas provavelmente conversaremos com Mauro Mendes também, porque é sobre o Executivo, não sobre uma administração específica.
 
Olhar Jurídico – No início da entrevista o senhor disse que tem dois motivos para ser contra a redução da maioridade penal. Qual é o segundo?
 
Paulo Prado - O segundo critério é que eu entendo que, a maioridade penal está estabelecida na Constituição Federal, para reduzir é impossível porque fere, para mim, cláusula pétrea. Eu posso estar enganado, respeito todas as pessoas que pensem ao contrário, não sou dono da verdade, mas para mim, vejo como cláusula pétrea a maioridade penal, portanto, impossível de ser reduzida.
 
Olhar Jurídico – O que de fato o presidente eleito conseguiria fazer para resolver este problema então?
 
Paulo Prado - Nós só vamos resolver este problema se oferecermos escola em período integral, trabalhando profundamente o aluno, sabendo quem ele é e a sua família. Além disso, gerando empregos, criando de programas de fortalecimento da família, e das mulheres, que muitas são espancadas e não largam de seus maridos porque dependem financeiramente, e esta denúncia não chega até a delegacia de polícia.
 
Temos que trabalhar a prevenção nas escolas, contra as drogas, e combater na fronteira a entrada das drogas, a nossa que é de mil quilômetros e não tem uma base aérea, se precisam abater um avião que entra com drogas, tem que vir socorro de Anápolis, em Goiás. Um estado como o nosso tinha que ter uma base aérea, essa entrada aqui tinha que ser super fiscalizada, tínhamos que ter uma estrutura intensa de Polícia Federal.
 
Olhar Jurídico – E caso seja de fato reduzida a maioridade penal, quais seriam as consequências?
 
Paulo Prado - Só vai mudar de lugar. O que eu acho que vai acontecer é, você vai pegar um jovem de 16 anos, vai colocar em um local onde está o PCC e o Comando Vermelho, porque eles dominam o sistema prisional brasileiro, e esta garotada vai se transformar cedo em grandes aliados destes seguimentos criminosos, serão soldados.
 
Por que o que acontece é, até a moradia popular, quando você vai construir moradias fazem em bairros distantes, longe da beleza do centro, em um local onde não há escola, não há posto de saúde, não tem supermercado, e quem se aproxima destes locais é o crime organizado. Lá eles colocam o mercado deles, eles vendem a segurança, colocam a milícia, estão levando o que o Estado deveria levar. Nós só vamos introduzir mais cedo os jovens nas facções criminosas. Vai tirar de um local e colocar em outro onde tem pessoas especializadas no crime.
 
Olhar Jurídico – O que pode ser feito para melhorar a situação no sistema prisional?
 
Paulo Prado - Se nós não trabalharmos também no sistema prisional brasileiro, com geração de emprego, de colocar a pessoa que está lá para trabalhar, colocá-los para receber orientação familiar, trazer a família para conversar, fazer convênios com a Federação das Indústrias, do Comércio, por exemplo, com as Secretarias de Governo, para capacitar estas pessoas, para prepará-las para a reinserção social, se não houver isso eu só vejo nosso país caminhando para um cenário de violência cada vez mais forte
 
Olhar Jurídico – Qual a principal diferença entre o Sistema Socioeducativo e o sistema prisional?
 
Paulo Prado - Em tese, no sistema Socioeducativo são só pessoas de 12 a no máximo 21 anos de idade, com perfil menos agressivo que o criminal, em tese, e com tempos de avaliação mais curtos e voltados para a reinserção social, também com tempos mais curtos. E lógico, com a perspectiva que nós temos, em razão da idade, em razão do acompanhamento por uma equipe altamente treinada e preparada, de não reincidirem, como adultos, no mundo criminal.
 
Olhar Jurídico – Uma mudança como esta, de redução da maioridade penal, depende mais do parlamento que do presidente na realidade, não é?
 
Paulo Prado - O presidente dita qual vai ser o perfil político da sua administração, se vai ser um perfil político que vai manter, em tese, a maioridade penal em 18 anos e trabalhar com mais intensidade os programas sociais, de fomentação á geração de emprego, escola período integral com qualidade, valorização dos professores, valorização dos servidores que atuam nestas áreas, valorização de Centros de Referência da Assistência Social (Cras), grandes centros de desintoxicação, porque se qualquer um de nós hoje, se tivermos na família ou se recebemos em nossa porta alguém pedindo socorro, querendo se tratar e largar das drogas, não há para onde encaminhar.
 
Então é intensificar o programa de prevenção e combate às drogas e tratamento das pessoas que são usuárias de droga. Todas estas questões eu entendo que precisam ser enfrentadas, elas existem, quer eu goste ou não, pode ser na família de qualquer um. Só que as pessoas que possuem condições econômicas boas encaminham seus filhos para clínicas particulares, para terapeutas especializados, gastam uma grana considerável e alguns conseguem se recuperar, mas e quem não tem estes recursos.
 
Olhar Jurídico – Um dos argumentos de quem defende a redução da maioridade penal é que em alguns países, de fato, quando houve a redução também houve a diminuição da criminalidade.


Paulo Prado - Mas nunca, em país algum, evoluído, de “primeiro mundo”, que trabalhou esta questão a fez de forma isolada. Trabalharam somando inúmeros fatores, que é tudo isso que eu já falei. E eu também entendo que existe uma barreira legal, da cláusula pétrea, mas respeito, sou um democrata, estou aberto ao debate, de alto nível, sem agressão, porque o que este país está precisando é realmente de debates, com vontade de acertar, com vontade de mudar, debates com compromisso com esta nação
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