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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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TRIBUNAL DE PEQUENAS CAUSAS

Advogados afirmam que prática de Juizado Especial tem prejudicado vítimas de fraude

Foto: Ilustração / Reprodução

Advogados afirmam que prática de Juizado Especial tem prejudicado vítimas de fraude
Advogados que litigam no Juizado Especial Cível (JEC) do Estado do Mato Grosso chamam atenção para alguns entendimentos judiciais que podem causar insegurança jurídica. Eles afirmam que há magistrados fundamentando sentenças baseadas exclusivamente em provas unilaterais produzidas por empresas reclamadas e, em muitos casos, condenam consumidores reclamantes, alguns deles humildes, no pagamento de multa por litigância de má-fé e honorários processuais.

O TJMT afirmou que qualquer denúncia ou queixa contra qualquer magistrado deve ser protocolada para que possa ser apurada.
 
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O Juizado Especial Cível lida com demandas de baixa complexidade, de até 40 salários mínimos, relacionadas principalmente com relações de consumo. A pessoa que busca entrar com uma ação deste tipo tem dois caminhos: a Vara Cível ou o JEC.

Dessa forma, as demandas de menor complexidade que não ultrapassem o teto de 40 salários mínimos, em geral, são encaminhadas ao JEC, cujas vantagens são a celeridade e a ausência de custas processuais.

As relações de consumo discutidas em juízo são amparadas pela Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), a qual prevê que consumidor e empresa não estão em pé de igualdade, já que a empresa possui maiores recursos financeiros, técnicos e estruturais. Por tais razões, a lei garante algumas prerrogativas ao consumidor, principalmente a inversão do ônus da prova.

Em casos de fraude de cadastro ou contrato, por exemplo, quando um cliente alega que não contratou os serviços de determinada empresa, esta deve apresentar em juízo, por meios legais, provas seguras da verdadeira contratação (como contrato assinado ou gravação de contratação), sob pena de ser responsabilizada por falha na prestação do serviço.
 
Em consulta a alguns advogados atuantes no JEC, Bernardo Riegel, Fernanda Darold, Stéphanie Quintanilha, Claiton Panazollo, dentre outros, eles afirmam que alguns entendimentos jurídicos adotados em JEC tem prejudicado consumidores vítimas de fraude.

Segundo eles, ao aceitar de provas unilateralmente produzidas e apresentadas pelas empresas reclamadas para comprovar a relação de consumo, os chamados "prints" de telas sistêmicas, os magistrados geram grande insegurança jurídica, tendo em vista que tais provas podem ser manipuladas por quem as produz.

Há jurisprudência de que provas baseadas exclusivamente em documentos unilaterais não são consideradas provas idôneas a fim de comprovação de determinado direito.

Segundo os advogados, este tipo de prática prejudica diretamente as vítimas de estelionatários (que utilizaram nomes de terceiros para contratar serviços), assim como estimula a manipulação de dados pelas próprias empresas.

“Se as empresas tiverem a oportunidade de provar seus direitos exclusivamente com documentos elaborados e editados em seus sistemas, todas elas terão a oportunidade de apresentar a melhor prova ‘editada’ para determinado caso concreto. E isso viola o direito do consumidor, já que a parte mais fraca da relação de consumo resta prejudicada", argumentou o advogado Bernardo Riegel.
 
Em consequência, os advogados afirmam que não raras vezes o consumidor ainda é condenado a pagar multa por litigância de má-fé e custas judiciais. Tais ocorrências se acentuaram a partir de 2017.

“Às vezes uma pessoa humilde é vítima de fraude e demanda no JEC porque não tem condições financeiras de arcar com as custas processuais da Vara Cível e com o aceite desse documento unilateral perde o seu direito, sendo condenado em multa de até 10% por litigância de má-fé e honorários de até 20% sobre o valor da causa. Imagine que em uma causa de 10 mil reais, o consumidor é penalizado em 2 mil reais só de honorários, fora a multa”, disse um dos advogados.

A advogada Stéphanie Quintanilha já atuou em vários casos julgados pelo JEC. Em um deles, a juíza, na sentença, cita que foram aceitos como provas documentos unilaterais. Segundo a advogada, foram "prints" de tela.

“A parte ré juntou no processo documentação probatória da contratação de seus serviços, demonstrando o vínculo entre as partes na relação consumerista: relatórios em nome da parte autora, relatório de utilização compatível com o perfil da autora e diversos pagamentos”, diz trecho da sentença de uma ação contra uma empresa de telefonia. A juíza não citou apresentação de contrato assinado.

A advogada Fernanda Ribeiro Darold também atuou em um caso onde foi apresentado o "print" da tela de um sistema, neste caso de um banco. Na prova apresentada, inclusive, o banco, por engano, teria colocado o nome da própria advogada como se fosse da cliente. O juiz, porém, em seu voto citou que há um contrato assinado, com uma assinatura que “assemelha-se com a assinatura da mesma [cliente]”. A causa foi vencida pelo banco.


 
Já em um caso do advogado Claiton Panazollo, o próprio juiz cita que há a jurisprudência de não aceitar a prova unilateral via "print", porém, a causa foi vencida pela empresa. O consumidor entrou com a ação contestando uma negativação indevida, afirmando que não possuía vínculos com a empresa.

O magistrado entendeu que a empresa comprovou a “validade do negócio jurídico e a obrigação de pagar”, por meio de comprovantes de pagamentos constantes no sistema da empresa.

“Em que pese a majoritária jurisprudência não aceitar a prova unilateral via ‘print’ na tela do computador, sem a assinatura do Reclamante, o fato é que, no caso em concreto, demonstrou-se que a parte Reclamante chegou a pagar algumas prestações/faturas. Se pagou, é porque mantinha e manteve a relação contratual com a Reclamada”, disse o magistrado em trecho da sentença.

O Olhar Jurídico entrou em contato com a assessoria do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, mas o órgão não quis comentar o caso, já que não há denúncia formal feita. O TJMT ainda afirmou que qualquer denúncia contra qualquer magistrado do Juizado Especial, ou de qualquer outra Vara, deve ser protocolada para que possa ser apurada.
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