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Sábado, 20 de abril de 2024

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Tramitação de medidas provisórias é tema de PECs do Senado

O modelo atual de tramitação de medidas provisórias (MPs) deixa o Congresso Nacional com as mãos atadas rapidamente. Isso porque, 45 dias depois da edição de uma MP, ela já entra em regime de urgência para votação, trancando a pauta da Câmara dos Deputados e do Senado. Seis das oito MPs que estão no Congresso hoje estão em regime de urgência, e quatro ainda estão em análise nas comissões mistas criadas para esse fim, primeiro passo das MPs no Congresso.

- A medida provisória é necessária, mas essa questão da legislação pelo Executivo é um ponto de tensão permanente – resume Fernando Trindade, consultor legislativo do Senado especialista em processo legislativo.

A Constituição originalmente dispunha sobre as medidas provisórias de forma vaga. Uma iniciativa do Senado gerou a Emenda Constitucional nº 32, promulgada em 2001, que modificou e detalhou aspectos da tramitação das MPs. Hoje, porém, alguns dispositivos da emenda são contestados, e a relação do Legislativo com as MPs ainda é objeto de críticas e insatisfação.

Algumas propostas de emenda à Constituição (PECs) do Senado se dispõem a lançar mais luz sobre o assunto, modificando o processo atual de tramitação das medidas provisórias.

Mudanças substanciais

A mais antiga das PECs sobre a forma de análise das MPs é também a mais detalhada: trata-se da PEC 11/2011, de autoria do senador José Sarney (PMDB-AP) e relatada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG). Um substitutivo apresentado por Aécio foi aprovado pelo Senado ainda em 2011.

A PEC simplifica o prazo de vigência das medidas provisórias: elas passariam a valer por 120 dias, em vez do atual modelo de 60 dias automaticamente prorrogáveis por mais 60. Esses 120 dias seriam usados para apreciação da MP pelas Casas do Congresso Nacional, e seriam divididos da seguinte forma: 80 dias para a Câmara dos Deputados, 30 para o Senado e dez para a Câmara novamente, no caso de o Senado apresentar emendas.

A "penalização" das Casas legislativas, com a MP entrando em regime de urgência e trancando a pauta de votações, também sofreria alterações. Atualmente, a MP entra em urgência na Casa onde estiver ao fim de 45 dias de sua edição – o que, em geral, prejudica o Senado, que precisa esperar a Câmara finalizar sua análise.

Segundo a PEC de Sarney, a MP entraria em regime de urgência perto do fim do prazo específico de cada Casa, obrigando cada uma a fazer a sua parte e garantindo o envio da MP para a outra com tempo suficiente para ambas. Assim, a análise das medidas provisórias seria uma responsabilidade compartilhada por Câmara e Senado.

Esses dispositivos aprimoram uma das intenções da Emenda Constitucional 32, que foi transformar a apreciação das MPs em um processo bicameral. Antes dela, era o Congresso, em sessão conjunta (deputados e senadores dividindo o Plenário), que decidia o destino das MPs. Agora, como resultado da emenda, Câmara e Senado apreciam separadamente as medidas.

Segundo Fernando Trindade, a bicameralidade pretendida pela Emenda 32 revelou-se incompleta ao longo dos anos, e o maior prejudicado com isso foi o Senado.

- A emenda diminuiu o papel do Senado. A Câmara geralmente não cumpre seu prazo e as MPs chegam aqui já às vésperas de seu termo final. Isso leva o Senado a ter um papel menor, com pouco tempo para se manifestar. Isso foi um efeito imprevisto – explica o consultor.

Trindade ressalta que a demora costumeira da Câmara para concluir sua apreciação é parte do processo político e não deve ser entendida como falha dos deputados.

- As MPs são temas polêmicos. É preciso tempo para formar uma maioria, garantir a participação das instituições da sociedade na discussão - observa.

Outra alteração promovida pela PEC 11/2011 diz respeito à comissão mista criada para dar o parecer inicial sobre cada medida provisória. Ela teria dez dias para apresentar essa opinião. No entanto, ganharia uma espécie de poder conclusivo: se decidir pela rejeição, a MP nem precisaria ir a Plenário. Hoje, as comissões são apenas consultivas, e as MPs vão para a votação em Plenário independentemente do parecer da comissão mista.

As comissões mistas de análise das MPs, apesar de previstas na Constituição desde a promulgação da Emenda 32, em 2001, só passaram e ser efetivamente adotadas pelo Congresso a partir de março de 2012. Foi nessa data que o Supremo Tribunal Federal (STF) decretou a inconstitucionalidade de uma MP aprovada pelo Congresso sem passar por comissão mista. Depois disso, as comissões sempre foram constituídas.

Segundo Trindade, o Parlamento evitava a formação das comissões intencionalmente, para agilizar o trâmite. A obrigatoriedade constitucional, para ele, é um problema.

- Muitas vezes a formação da comissão era só cartorial e as MPs iam direto ao Plenário. Era uma questão de economia processual: se há uma atividade que pode ser adiada ou dispensada, ela vai ser. A comissão torna o processo mais lento. Colocá-la na Constituição amarrou o Parlamento – opina.

A PEC 11/2011 está na Câmara dos Deputados, sendo estudada por comissão especial. O relator do projeto naquela Casa é o deputado Odair Cunha (PT-MG).

Retorno ao modelo original

Outras duas PECs, essas mais recentes, também alteram aspectos da tramitação de medidas provisórias. A PEC 57/2013, do senador Blairo Maggi (PR-MT), desfaz a tramitação bicameral promovida pela Emenda 32 ao sugerir a retomada da apreciação apenas em sessão conjunta do Congresso Nacional.

O autor da PEC também entende que a tramitação em separado trouxe prejuízo ao Legislativo – em especial ao Senado – e ao próprio estudo das MPs.

"É comum que as medidas cheguem ao Senado a poucos dias da sua perda de validade e já em regime de urgência. Isso impede os senadores de debaterem as MPs com o cuidado merecido e, na prática, veda qualquer alteração em seu texto, uma vez que não haveria tempo para o retorno à Câmara", observa o senador em sua justificativa da PEC.

O consultor Fernando Trindade não acredita que essa proposta seja bem recebida pela Câmara dos Deputados.

- Não sei se a Câmara, que obteve uma vantagem muito grande na emenda [32] (e com a concordância do Senado), concordaria em voltar atrás – alerta ele.

Apesar disso, Blairo acredita que a Emenda 32 trouxe avanços. Ele elogia, em particular, o estabelecimento de limitações para os assuntos de que as medidas provisórias podem tratar e a proibição de reedição de MPs rejeitadas.

Limites ao Executivo

Por sua vez, a PEC 66/2013, do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), propõe que deputados e senadores possam requerer tramitação conjunta a uma MP de propostas já em estudo na Câmara ou no Senado que tratem do mesmo assunto. Essas propostas estariam sujeitas a todas as regras que se aplicam às MPs, inclusive prazos, e teriam precedência em relação a elas. Inácio Arruda acredita que sua proposta valoriza a iniciativa do Parlamento no processo legislativo, pois evita que proposições de congressistas, já em debate, sejam atropeladas pela influência do Poder Executivo através das medidas provisórias.

"Muitas vezes, projetos de lei que tratam de temas relevantes são discutidos no Congresso e com a sociedade, ao longo de um largo período de tempo, e quando estão em fase final de tramitação o Executivo edita MP nos mesmos termos e fica com os 'louros', em detrimento do projeto original e do próprio Legislativo", observa na justificativa.

Fernando Trindade também vê a intenção de dar mais relevância ao trabalho do parlamento e limitar a ação do Executivo. No entanto, ele explica que as medidas provisórias não são necessariamente iniciativas unilaterais do presidente que atropelam o Congresso.

- Existe interlocução. Muitas vezes o Executivo e o Legislativo discutem previamente, o presidente assina a MP e encaminha pra cá já negociada. Pela preferência no processo legislativo, pela agilidade do trâmite e por já criarem um fato consumado em sua edição, os parlamentares também têm interesse na edição de MPs - explica.

As proposições de Blairo Maggi e Inácio Arruda encontram-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). A PEC 66/2013 será relatada por Walter Pinheiro (PT-BA). A PEC 57/2013 ainda não tem relator.
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