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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Promotora e juiz de MT vão ao Senado para tentar impedir "retrocesso" na Leia Maria da Penha

Foto: Reprodução/Facebook

Juízes, promotores, defensores públicos e advogados estiram no Senado Federal para tentar impedir aprovação do artigo B12.

Juízes, promotores, defensores públicos e advogados estiram no Senado Federal para tentar impedir aprovação do artigo B12.

Contrários a alteração que confere atribuições de juízes à delegados de polícia em casos de violência contra a mulher, operadores de direito de Mato Grosso e de todo o país têm se mobilizado para impedir a aprovação do artigo 12B do Projeto de Lei PLC 07/2016, que prevê mudanças na Lei Maria da Penha. Representantes do Estado, como a promotora Lindinalva Rodrigues e o juiz Jamilson Haddad Campos estiveram no Senado Federal na semana, onde, ao lado dos colegas, conseguiram o terceiro adiamento par a votação da proposta. O próximo passo agora é levar a proposta à Comissão de Direitos Humanos e conscientizar a população sobre os prejuízos do artigo.

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Considerada como retrocesso pela categoria jurídica, a possível aprovação do artigo 12 B conferirá à policiais autoridade para a concessão de medidas protetivas de urgência, com a determinação do uso de tornozeleira eletrônica aos suspeitos. O incremento também é alvo de duras críticas por parte de organizações feministas, de mulheres e de direitos humanos, que entendem que as vítimas voltariam a estar à mercê de interpretações subjetivas e discriminatórias por parte dos agentes policiais, que não teriam preparo para recebê-las adequadamente.

“Importante lembrar que a Constituição Federal consagrou os direitos das mulheres e a responsabilidade do Estado frente à violência doméstica é fruto da luta dos movimentos feministas e de mulheres, que também conquistaram a presença do sistema de justiça no tratamento da violência através da Lei Maria da Penha. Nesse sentido, as Delegacias da Mulher (DEAMs) surgiram por proposta e pressão dos movimentos de mulheres como resposta às dificuldades que as mulheres enfrentavam para registrar suas queixas nas delegacias tradicionais”, diz o trecho de uma nota pública elaborada por mais de 70 entidades de defesa destes direitos.

De acordo com Lindinalva, isto faria com que as conquistas das mulheres retrocedessem 10 anos, período no qual a lei Maria da Penha passou a valer. Ela destaca a precariedade das delegacias pelo país, que possuem deficiências até mesmo no atendimento de casos que lhe concernem, para explicar o quão descabida seria a tentativa de atribuir mais uma função a estes profissionais. “Sabemos que, normalmente, nem é o delegado que atende estas pessoas. Se isso acontecer, voltaremos à época em que a mulher agredida era orientada a relevar, voltar pra casa, pro pai dos filhos dela.”

A promotora lembra ainda o conflito de interesses ao qual os delegados podem estar expostos, já que, ao contrário dos magistrados e membros do Ministério Público, não dispõe garantia constitucional de inamovibilidade. A medida impede transferências, salvo por relevante interesse público. “Nós não precisamos agir para agradar ninguém, inclusive, normalmente desagradamos com decisões antipáticas aos olhos de muitos. Já os delegados e demais policiais, que são subordinados, podem sofrer represálias em casos nos quais eventualmente as medidas agradem ou desagradem algum superior.”

Outras falhas mencionadas foram a ausência de debates anteriores a aprovação do projeto na Câmara dos Deputados, e a inclusão do artigo apenas no final da elaboração do projeto, inviabilizando a possibilidade de divulgação e discussão pela população. Por este motivo, juízes, promotores, defensores públicos e advogados buscaram os adiamentos no Senado. No primeiro a senadora Marta Suplicy pediu vista do processo, no segundo quando foi solicitada uma audiência pública e no terceiro, conquistado na quarta-feira (22), houve a transferência da votação para a próxima semana, quando será pedido o encaminhamento a Comissão dos Direitos Humanos (CDH).

Estes adiamentos, segundo Lindinalva, permitem uma articulação dos magistrados, que foram pegos de surpresa com a divulgação tardia da alteração. Ela também ressalta que a luta não é contra o PLC 07/2016 classificado como positivo, na essência, e sim contra o artigo B12.“O projeto em si é muito bom porque busca estruturar as delegacias e ampliar o atendimento as mulheres. Mas quem quer ser juiz tem que prestar concurso pra juiz.”

Segundo o delegado Claudio Álvares Sant'ana, adjunto da Delegacia da Mulher de Várzea Grande, de 100 vítimas que procuram a delegacia, todas desejam que as medidas protetivas sejam expedidas na unidade. A vítima que chega agredida, ameaçada, totalmente fragilizada procurando por proteção imediata naquele estabelecimento que, em regra, é o único ponto aberto 24 horas para atender a vítima, e recebe a notícia de que terá que ir embora sem nenhuma proteção do Estado, pois a medida protetiva deverá ser encaminhada ao juiz e em alguns dias analisada, imagina a frustração. Penso que interesses institucionais devem ser deixados de lado em prol do interesse maior, que é a proteção da vítima", defende.

O problema, no entanto, seria o argumento falacioso de que por meio da atuação dos delegados na determinação de medidas restritivas, as vítimas receberiam um atendimento mais rápido e eficiente. “Isso não é necessário, já que o Judiciário dispõe de plantão 24h e as vítimas são atendidas imediatamente após o encaminhamento da polícia. Se isso não ocorre em alguma parte do país, é pontual. Em Mato Grosso, por exemplo, não enfrentamos essa demora. Estou na luta pelos direitos das mulheres há 10 anos, se esta alteração fosse positiva, seria a primeira a aprová-la.”

Na opinião do juiz 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica Jamilson Haddad, a proposta é inconstitucional,uma vez que causa prejuízos ao Poder Judiciário, e, consequentemente à população. Ele destaca o respeito pela categoria dos delegados, mas reforça que qualquer restrição de direitos deve ser decidida em âmbito jurisdicional, para o bem dos cidadãos e da própria democracia. As garantias de imparcialidade e inamovibilidade também foram mencionadas.

“Embora ainda sejamos o 5º país mais violento para as mulheres, estamos avançando graças à Lei Maria da Penha, considera a 3ª melhor do mundo. Isto porque o trabalho do Judiciário envolve assistência social, amparo e conscientização. Hoje a mulher não aceita mais ser objeto de violência e Isto não pode ser ameaçado.”

Além de Lindinalva e Jamilson, outros operadores de direito de Mato Grosso e do Brasil seguem para Brasília na próxima quarta-feira (29), quando buscarão no Senado e encaminhamento do projeto à Comissão dos Direitos Humanos.

Sobre o Artigo 12-B

O Artigo 12-B institui que: “Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou integridade física e psicológica da vítima ou de seus dependentes, a autoridade policial, preferencialmente da delegacia de proteção à mulher, poderá aplicar provisoriamente, até deliberação judicial, as medidas protetivas de urgência previstas no inciso III do art. 22 e nos incisos I e II do art. 23 desta Lei, intimando desde logo o ofensor.

§ 1º O juiz deverá ser comunicado no prazo de vinte e quatro horas e poderá manter ou rever as medidas protetivas aplicadas, ouvido o Ministério Público no mesmo prazo.

§ 2º Não sendo suficientes ou adequadas as medidas protetivas previstas no caput, a autoridade policial representará ao juiz pela aplicação de outras medidas protetivas ou pela decretação da prisão do autor.

§ 3º A autoridade policial poderá requisitar os serviços públicos necessários à defesa da vítima e de seus dependentes.”
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