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Notícias / Entrevista da Semana

Manter o Pomeri vinculado à Sejudh é um erro que precisa ser corrigido, defende juiz; veja entrevista

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Hoje, 11.430 homens e mulheres passarão a noite em celas lotadas em dezenas de unidades prisionais espalhadas por Mato Grosso. Uma população carcerária adulta, que poderia muito bem ser a população de uma microcidade, condenada por crimes como roubo, tráfico de drogas, formação de quadrilha e assassinato. Distante desta realidade, 180 jovens internos, em sua maioria meninos entre 12 e 16 anos apreendidos por furto e invasão à propriedade, dormem em Centros Sócio Educativos, como do Pomeri, em Cuiabá. Pequenos, para os olhos do Estado e de uma parcela da sociedade, posto que recebem menor atenção, mas semelhantes aos presos adultos no trato e na discriminação que sofrem: "criminosos, condenados, sem futuro". Ambos os sistemas são administrados pelo mesmo órgão, a Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos, a SEJUDH.

Entretanto, o juiz da Segunda Vara da Infância e da Juventude, Túlio Duailibi, apela: essa vinculação entre sistema penitenciário e sistema sócio educativo é um erro grave e menores infratores precisam de uma atenção exclusiva. Embora manter presos criminosos adultos pareça uma questão mais “séria”, são os jovens, internos ou não, que decidirão em que sociedade viveremos no futuro. Por isso, não há como fugir, precisamos falar sobre o Pomeri.

Você acompanha agora a segunda parte da entrevista especial realizada por Olhar Jurídico com o magistrado.

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Qual a secretaria ideal para o Sistema Sócio Educativo?

Temos respostas de alguns Estados da federação, que tem ou secretaria de Estado própria voltada para política do adolescente ou órgão vinculado à área de proteção social. Porque o sistema é diferente, está em uma área de atuação diferente. Mas não vamos achá-lo junto ao sistema prisional (como é em Mato Grosso), porque a proposta é outra. Ora, quando é que você vai esvaziar a justiça criminal adulta? A partir do momento que você começar a investir na criança e no adolescente. Esse é o único meio, em um trabalho de médio e longo prazo (principalmente longo prazo), de se evitar que tenhamos uma população carcerária adulta. Afinal, quem é o futuro do país? Mas, hoje a criança e o adolescente são mais negligenciados que no passado. O que vamos esperar de resultado bom? Não temos o que esperar. Ainda que a sociedade possa ser um pouco resistente a essa temática, dos atos infracionais praticados pela criança e pelo adolescente, mas nós temos que discutir isso de forma profunda. Não podemos atacar sintomas, temos que atacar causas.

Existem coisas que nós precisamos mudar, por exemplo, aperfeiçoar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), precisamos aperfeiçoar. Acho que o tempo de internação de três anos é muito pouco, realmente, vamos aumentar, como é proposto no Senado. Ou até a questão do limite de idade para internação, que é de 21 anos, vamos aumentar para os 28, por exemplo.

Onde funciona o Sistema Sócio Educativo em outros Estados?

Em Rondônia, funciona na Secretaria Estadual de Justiça, no Rio Grande do Norte existe a Fundação Estadual da Criança e do Adolescente (Fundac), no Paraná fica na Secretaria de Justiça, mas, creio eu, lá o sistema penitenciário funciona em uma secretaria própria, em Minas Gerais funciona na Subsecretaria de Medidas Sócio Educativas. Vejamos também, o Estado do Sergipe possui a Fundação Renascer, órgão vinculado à Secretaria da Mulher, da Inclusão, da Assistência Social, do Trabalho e dos Direitos Humanos, em Pernambuco existe a Fundação de Atendimento Sócio Educativo. Já no Distrito Federal funciona a Secretaria de Estado de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude. Também na Bahia, Fundação da Criança e do Adolescente. Vejamos no Rio Grande do Sul, ora, a Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (FASE).

Quais as consequências práticas dessa “desvinculação”?

Você passa a trabalhar o sistema sócio educativo em várias perspectivas, porque a finalidade do sistema é trabalhar o jovem numa perspectiva pedagógica. Responsabilização do ato criminoso, sim, mas também trabalhá-lo num caráter pedagógico. Então, quando eu não tenho isso de forma clara e transparente a legislação não alcança sua finalidade, o que foi proposto não alcança sua finalidade, entende? O problema é esse. A gente fica pensando: o que foi feito em termos de qualificação profissional para os jovens que estão ali dentro (do Pomeri)? E para os próprios agentes sócio educadores? Porque não posso ter agente sócio educativo como se fosse um agente penitenciário. Será que aquilo que foi proposto está sendo cumprido?

E em termos de captação de recurso, quais os efeitos?

Acho que concentração de energia. Estava falando em um programa de TV esses dias atrás, coincidentemente naquela sexta-feira dos ataques em Cuiabá, e o entrevistador interrompeu nossa conversa para mostrar imagens de um motim na Penitenciária Central do Estado (PCE), e ele chegou à conclusão de que “realmente, porque em uma situação como essa toda a energia da SEJUDH foca-se no caso”.

Essa é a discussão que estou provocando: foi benéfico ao longo destes anos o sistema sócio educativo estar junto com o sistema prisional? Já que a perspectiva do sócio educativo é diferente, o que sobra de recursos para ser investido?

O que deveria ser feito, na prática, hoje?

Bem, está na Constituição e no ECA, que “a criança e o adolescente devem ser tratados com prioridade absoluta”. Penso que isso nem deveria estar na Lei, deveria ser uma obrigação fundamental, porque os países mais desenvolvidos cuidam das suas crianças e adolescentes.

É uma questão polêmica, nem todo mundo gosta de tocar nesse assunto, mas acho que para discutir isso o Estado deveria, antes, cumprir com suas garantias constitucionais. Você conhece algum país evoluído que não invista em educação?

[A entrevita continua. A primeira parte dela você encontra neste link]
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