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Ex-aluno relata tática cruel de Ledur e xingamento após ser 'afogado' em treinamento

Da Redação - Patrícia Neves/ Da Reportagem Local - Vinicius Mendes

O juiz militar Murilo Moura Mesquita, da Décima Primeira Vara Criminal Militar, ouve na tarde desta sexta-feira, 14, cinco testemunhas de acusação no processo contra a tenente Isadora Ledur, acusada de torturar e causar a morte do soldado Rodrigo Claro, em novembro de 2016 durante treinamento realizado na Lagoa Trevisan, na saída de Santo Antônio do Leverger.

Estão presentes na audiência Antônio Claro (pai da vítima), Jane Patrícia Lima (mãe da vítima), Maurício Júnior dos Santos, Thiago Serafim Vieira e tenente coronel Willckerson Adriano Cavalcante. 

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O primeiro a ser ouvido trata-se de Cavalcante. Ele responde ao promotor Allan do Ó,  que já prestou esclarecimentos por duas vezes, na Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e também em inquérito militar. Ele esclarece que é especialista em salvamento aquático.


Ele cita que foi questionado principalmente ao tipo de treinamento que foi ministrado. "Eu li alguns depoimentos e tive a oportunidade de verificar pela TV algumas matérias, mas seria leviano dizer que  houve erro ou acerto porque  não estava lá". Ele afirma ainda que a lagoa é o local adequado para realizar esse tipo de treinamento pois o risco é calculado.

Ele ainda cita: "Nós fizemos  concursos junto com a PM, naturalmente,  a especificidade é diferente, aí tenho que reconhecer um erro nosso, de exigir a travessia de 25 metros, a gente vê uma limitação dos candidatos no meio líquido, o acesso não é comum, não são todos que sabem nadar".

Ministério Público indaga ainda: "Quem não se sai bem nestas avaliações aquáticas, o que acontece? Ele responde: "os critérios são bem objetivos, a disciplina vai avançando e ao final o objetivo é realizar um salvamento, todos são submetidos a mesma prova, existem os objetivos a serem cumpridos e ao final todos passam pela mesma avaliação, se conseguir está aprovado, se não está reprovado". 

Allan segue indagando: "partindo do pressuposto que o treinamento da vítima foi de travessia, o tipo de comportamento da tenente foi adequado? 

"Não foi. A travessia é sempre feita e dupla. A gente costuma colocar as duplas de um mais fraco com um mais forte, a gente também faz que a travessia seja feita com um flutuador, uma bóia. Essa situação de tocar o aluno para fazer submergi-lo, existe uma fase do treinamento que é judo aquático, que  é para simular uma vítima, mas geralmente isso não se faz durante a travessia. 

Allan - se for uma travessia esse "caldo" não é recomendado? Não. 

O MP prossegue: Ee fosse um mergulho de salvamento, esta postura estaria correta? "A gente só tem uma situação adversa num curso de mergulho q a gente chama de arrebentação, em que uma dupla é submetida a um turbilhão, mas isso só ocorre no curso de especialização, não no de formação". 

O promotor lê o depoimento de uma testemunha que descreveu o afogamento. "Mailson tentou ajudar Rodrigo, mas a Ledur o afundava de novo e  jogava água no rosto dele". O coronel responde: "O comportamento descrito na narrativa não é adequado. A travessia tem uma outra finalidade, de contato com o meio natural, de resistência. Mas eu não sei qual treinamento estava previsto no dia".

Ainda na oitiva, Allan perguntou ao coronel. "Nestes 24 anos de carreira o senhor já foi instrutor, nestes anos quantos alunos morreram na sua mão?". O militar responde "não tive nenhum incidente parecido".

MP: É normal o instrutor dificultar sua travessia? O militar responde: "Didaticamente não tem finalidade o instrutor "subir" em um aluno, se você vai submergir a força um aluno com dificuldade, pode sim configurar abuso". 

A defesa de Ledur inicia as perguntas e indaga sobre o relacionamento da militar com os subordinados. O coronel cita "era muito tranquilo, nunca tive problema com ela, sempre se mostrou disciplinada e disciplinadora, acatava as ordens e era exigente, mas nunca tive problemas com animosidade. Diz ainda que acompanhou algumas instruções e que tudo transcorria com normalidade.

O juiz questiona a testemunha sobre o judô aquático. "O judô aquático que o senhor mencionou se parece com esta prática da tenente? A testemunha responde: "Parece, é para simular a vítima, que na hora do afogamento pode agarrar o socorrista, a gente faz sim, não para  afogar o aluno, para colocá-lo neta situação, para ele manter a calma". 

Às 15h50 tem início o depoimento de um  ex-aluno Maurício Santos. Ele  participou do 15º curso de Formação do Corpo de Bombeiros em 2015 e já disse  ter sofrido tortura e abusos por parte da tenente do Corpo de Bombeiros, Izadora Ledur. 

"Meu sonho foi destruído há menos de um mês da formatura mediante fatos que aconteceram no treinamento de salvamento aquático ministrado pela tenente Ledur".

"Em janeiro tive uma virose, aí fomos ter a travessia na lago, a Ledur era a instrutora, ela tinha uns mecanismos de "sugar" o pelotao antes da travessia, ela levava o pelotao à exaustão. Ela não gostava muito do meu pelotao, então quando tinha oportunidade ela pegava no pé, eu acredito porque o nosso pelotao tinha um bom desempenho e o dela não.  No dia, na lagoa ela pediu para  gente fazer o 'corridão', e aí teve punição porque não conseguimos fazer no tempo que ela pediu, aí puniu com polichinelo e etc, e todos ficaram exaustos, aí ela pediu para iniciar a prova. A   gente começou a travessia e começou a em dar câimbra, eu não aguentava mais, aí meu parceiro começou a me ajudar".

Na sequência, ele diz: "Aí me trouxeram uma bóia, para facilitar minha travessia, num determinado momento ela falou que era para  todo mundo sair de perto e parar de me ajudar, aí ela me chamou até ela, e eu já sabia o anos acontecer, porque já tinha acontecido antes, eu já estava "prometido" que seria pego por ela. Ali todos sabem quem tem dificuldade, ela já fazia estes procedimentos, chegando até ela, ela mandou eu passar a corda da bóia debaixo do meu pescoço e segurar a bóia embaixo do meu braço, e foi então que ela começou a me afogar, ela me puchava na corda, o que ela fez com o Rodrigo fez a mesma coisa comigo, a diferença foi que comigo foi parado, com ele foi na travessia, e eu falei "pelo amor de Deus para porque tu vai me matar" me segurei nela, aí ela: "cê tá louco aluno, você está encostando em mim, aí ela voltou a me afogar". 

Ele conta que após a situação foi levado de ambulância para um hospital. "Ela veio a ambulância e perguntou como eu estava, e falaram que não estava bem e me levariam ao posto de saúde, aí ela falou "é uma bichinha mesmo".

"Fui deixado sozinho na unidade do coxipó, eu estava com muita dor de cabeça, minha pressão estava alterada. Meu colega pegou meu carro e me buscou, em momento nenhum a corporação foi lá ver meu estado, meu colega que me levou para casa".

Ele segue: "Todo mundo era temeroso dela, porque a gente ouvia "ah quando vocês pegarem a Ledur", os próprios comandantes falavam. Em fevereiro teve a prova final de salvamento aquático. Em torno de 50 soldados, 6 pelotões, e começou a ser feita a prova, eu recebia as instruções, fazia a técnica fora, primeiros socorros, vestia o equipamento, e fazia a travessia até a vítima, que ficava flutuando, que era o meu parceiro. Chegou a nossa vez de fazer, neste dia não foi com ela, fui fazer, meu parceiro entrou, e tem um barco, onde estava o sargento josimar, fiz o salvamento, trouxe para fora, tudo como tinha que fazer, recebi minha nota, fui aprovado, aí foi minha vez de ser salvo pelo meu parceiro, nisso ele começou a se equipar e eu comecei a passar mal, corpo debilitado né, comecei a engolir água, não aguentei esperar, falei para o sargento q não aguentava, ele falou "por mim você pode morrer, porque não trouxe o atestado", aí comecei a me afogar, meu parceiro, Everton, viu e acelerou q conseguiu me salvar, aí sai, assinei a ficha, tinha esquecido minha toalha, aí quando fui buscar senti muita dor na cabeça, me deitaram no chão, chamada o tenente Teodoro, comandante do meu pelotao, aí me levaram para o hospital no meu carro, ninguém me deu o primeiro atendimento. 

Aí eu virei a chacota, falaram que não ia aguentar, aí meu comandante falou para eu ir fazer exames, falaram que não ia aguentar o campo final, me coagiram a desistir. Em março voltei a Cuiabá para terminar o curso, o tenente do meu pelotão conversou comigo, disse para eu pensar bem porque no campo final ele não poderia intervir, porque ninguém era de ninguém, aí ali eu desisti, porque se eu continuasse ela ia me pegar e eu não ia conseguir escapar, ele falou "se acontecer alguma coisa aqui, o q eu vou falar para o teu pai e tua mãe?", porque quem me pegasse primeiro ia poder fazer o que quiser. Se eu não pedisse para sair o que ia acontecer comigo, o que aconteceu com o Rodrigo?

Ele relata que: "Aí fiz o desligamento, perdi minha faculdade, perdi meu sonho, não conseguia trabalhar, tive q fazer tratamento psicológico, acabou com minha vida, com a vida da minha família, mas o q eu queria pra minha vida, o meu sonho, acabou, saí faltando um mês para a formatura". 

 
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