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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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"Parece que sou a primeira pessoa de meu tipo que o país já viu", diz Michelle Obama

Michelle Obama é a primeira negra a chegar ao "cargo" de primeira-dama nos Estados Unidos, desde que seu marido, Barack Obama, foi eleito o 44º presidente americano.


Todo o deslumbramento que ela causou --por ser uma advogada de sucesso, negra, formada em Harvard, que durante um bom tempo ganhou mais dinheiro que o marido e ainda ter sido "eleita" a nova queridinha do mundo fashion-- fez com que Michelle declarasse a cinco jornalistas: "Às vezes tenho a impressão de que as pessoas acham que não existo. Parece que sou a primeira pessoa de meu tipo que o país já viu".

A declaração está em artigo do livro "Barack Obama: O Caminho Para a Casa Branca", publicado originalmente em outubro de 2008 na revista americana Time e que pode ser lido na íntegra no trecho abaixo. O livro mostra os bastidores da campanha de Obama através de fotografias, reportagens e ensaios produzidos pela equipe de jornalismo da revista. Leia mais.

Leia abaixo artigo sobre Michelle Obama:

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A dádiva de Michelle

Um romancista parte em busca da Michelle Obama real - e descobre os valores simples, fundamentais e atraentes da nova primeira-dama dos Estados Unidos

Michelle Obama é alta, inteligente, divertida, descontraída e, basicamente, tão brilhante e equilibrada - se ela é atraente em fotos, é simplesmente deslumbrante em pessoa - que quase se tem a impressão de que nasceu para ser primeira-dama. Ou pelo menos foi essa a conclusão à qual cheguei depois de me sentar com ela no Westin Tabor Center, em Denver, durante a convenção nacional do Partido Democrata, em agosto. Eu a seguia havia alguns dias, de uma plateia extasiada a outra, incluindo o público presente a um evento de serviço comunitário para soldados no qual um veterano da guerra do Iraque a apresentou, anunciando: "Madame, sei que a senhora não esteve nas Forças Armadas, mas eu a seguiria para qualquer lugar". Se tudo isso não tivesse me convencido (afinal de contas, era a convenção democrata), bastariam os primeiros 30 segundos de nossa entrevista para que ela me conquistasse. Aconteceu quando perguntei se ela ficava entediada por fazer o mesmo discurso inúmeras vezes, e ela respondeu sem hesitar: "Totalmente!".

Não é que eu não gostasse de Michelle Obama (vou abrir o jogo: votei em Hillary Clinton na primária democrata do Missouri). Mas, depois de escrever um romance sobre uma primeira-dama inspirada em Laura Bush, eu via Michelle como, no mínimo, controversa. Em junho, quando ela fez uma visita ao The View para falar sobre questões políticas tão importantes quanto o uso de meias-calças, sua participação no programa foi vista como "investida de charme" cujo objetivo seria reabilitar uma imagem prejudicada por, entre outras coisas, a observação agora infame que fizera em um discurso alguns meses antes: "Pela primeira vez em minha vida adulta, sinto orgulho de meu país, porque a sensação que tenho é que a esperança está voltando". Eu sabia, também, que algumas pessoas considerava Michelle "mesquinha", "metida" ou "radical" - não eu, claro. Quando comecei a perguntar por aí, porém, descobri muitos americanos que, pelo contrário, pareciam estar mais deslumbrados com Michelle que com seu marido - incluindo uma mulher branca que comprou o primeiro exemplar da revista Ebony de sua vida porque Michelle estava na capa, e o cinegrafista de Denver que cumprimentou Michelle e então declarou que nunca mais lavaria as mãos. Ele me garantiu que em situações desse tipo costuma ser blasé, mas que Michelle era a reencarnação de Jackie O.!

Em nossa entrevista, perguntei a Michelle o que explica a discrepância entre a admiração que ela inspira e o tipo de calúnias feitas na blogosfera e em programas de entrevistas na rádio, que levaram a New Yorker, mesmo em tom de brincadeira, a publicar a capa com uma charge de Michelle e seu marido no Salão Oval, usando cabeleira afro e brandindo um fuzil AK-47. "Já percebi que há dois tipos de conversa", disse ela. "Uma é a dos palpiteiros - as pesquisas, os escritores, as pessoas bem-informadas, elas fazem parte de um conjunto de conversas -, e outra é a que acontece em campo. Aprendi desde cedo a basear minhas reações no que vejo acontecendo em campo, porque, para mim, é um reflexo mais exato - mesmo nas primárias, como ficou claro depois. Se você estivesse lendo os jornais, não teria previsto o resultado de Iowa [onde Obama saiu vitorioso da prévia de 2008]. Mas se estivesse lá poderia sentir no ar a possibilidade clara do resultado."

Minha teoria é que a mídia, reforçada pelas reflexões conservadoras sobre o que gostariam que acontecesse, ficou entediada com a história inicial sobre Michelle Obama - que ela era uma profissional liberal bem-sucedida oriunda da classe operária, com diplomas de Princeton e Harvard e um pendor por lançar farpas de esposa sobre o hálito matinal de seu marido - e inventou a narrativa de Michelle como desvantagem, para fazer uma cobertura mais divertida. Com certeza parece que Michelle pagou um preço político tão alto por sua declaração sobre orgulho em seu país (que na realidade ofendeu a maioria das pessoas) quanto Cindy McCain pelas coisas que deixou a desejar.

A dança delicada que Michelle tem que executar recorda o axioma de que os negros precisam ser duas vezes melhores que os brancos para conseguir a metade do que estes conseguem. Alguns democratas - e feministas - manifestaram decepção com seu discurso na convenção, com seu subtexto "ignorem minha raça e o fato de eu ter estudado nas melhores universidades do país, e vejam como sou calorosa, maternal e nada ameaçadora". Mas outros - incluindo, presume-se, a própria Michelle - reconheceram essa abordagem "soft" como sendo necessária.

O comentário mais doloroso que eu a ouvi fazer durante os dias em que a acompanhei foi um que ela dividiu com um grupo de cinco mulheres, colunistas de jornais. Como profissional liberal negra que cresceu numa família estável e hoje tem sua própria família estável, ela disse às colunistas: "Às vezes tenho a impressão de que as pessoas acham que não existo. Parece que sou a primeira pessoa de meu tipo que o país já viu." Ou, como disse Whoopi Goldberg durante a aparição de Michelle no The View, em junho: "Tenho que admitir que fico realmente feliz de vê-la, porque sempre que você vê pessoas negras no noticiário, especialmente mulheres, elas não têm dentes, ou os dentes estão com obturações de ouro, e elas não conseguem proferir uma sentença coerente".

Quando conversamos, eu me perguntei se deveria realmente ser responsabilidade de Michelle refutar vieses como esse. Michelle respondeu que já está acostumada com isso. "Essa tem sido minha experiência, em toda a minha vida", disse ela. "É por isso que a educação é tão importante. Crescemos em nossas comunidades, nossos bairros e nossas famílias, e sabemos o que sabemos. Não há culpa. Mas, quando as pessoas têm a chance de interagir e conversar - não é preciso sequer viver sob o mesmo teto. Há muitas pessoas que fizeram faculdade comigo que me viram e me conheceram, e, quer tenham me conhecido pessoalmente ou não, elas levaram essa experiência com elas. Essa é a natureza da vida quando você faz parte de uma minoria, na maioria das situações... Sinto que é um papel que devo exercer."

O fato de que ela vem exercendo esse papel há tanto tempo ajuda a explicar a aparente facilidade com a qual vem enfrentando a intensidade da campanha. "Quando você é alguém que ultrapassou as fronteiras normais do que se imagina que sua vida deva ser - por estudar em Princeton, por exemplo -, você se preocupa, achando que talvez não esteja preparada, porque todo mundo disse que não está. Aí você chega lá e percebe: 'estou preparada, sim!'." Ela riu. "Acho que estamos mais preparados para certas situações do que imaginamos."

Se a campanha teve seus momentos difíceis, o que surpreende é quão pouco Michelle parece viver na defensiva: os momentos mais divertidos de suas aparições públicas, e que mais conquistam seus interlocutores, são improvisados, quer esteja se gabando a uma plateia de Denver por estar usando sapatos confortáveis ou se referindo a Barack como "esse sujeito que conheço, esse homem com quem me casei", antes de acrescentar em tom travesso "esse fofo". Qualquer pessoa que duvide de seu charme improvisado e natural deveria procurar no YouTube o clipe em que ela está fazendo um discurso ao ar livre e seu vestido voa para cima com o vento. Segurando o vestido habilmente, ela diz à plateia: "Não estou querendo me exibir. Não quero estar no YouTube".

E é essa a maior dádiva de Michelle: sua facilidade em relacionar-se com pessoas comuns, e vice-versa. Embora ela seja mais alta, esteja mais em forma e seja mais instruída que a maioria de nós, ela é totalmente plausível como pessoa que vive no mesmo mundo que nós, que consome a mesma cultura pop (alguém aí quer o US Weekly?), que compra nas mesmas lojas (Target, Gap) e que é obrigada a encarar a maioria dos mesmos malabarismos pessoais e profissionais.

Poucos cônjuges políticos na memória recente, e ainda menos primeiras-damas, nos pareceram tão familiares. Tome-se o caso de Laura Bush, por exemplo. Sou fã dela, em grande medida porque ela transmite a impressão de ser uma pessoa verdadeiramente decente e bondosa. Sua combinação de curiosidade intelectual e discrição total me intriga. Mas, se Laura inspira minha afeição e simpatia, a verdade é que não me identifico com ela, exatamente. Ela é de uma geração mais velha e fez escolhas, como a de largar seu emprego depois de se casar, mas antes de ter filhos, que são escolhas de um outro tempo. Contrastando com isso, Michelle Obama teve renda maior que a do seu marido durante parte da vida conjugal deles.

E, contrariamente ao que ela afirma, Michelle não é a primeira pessoa de seu tipo que já vi; na realidade, ela tem uma característica muito específica, embora eu tenha levado tempo, até depois da convenção, para me dar conta de qual é esse tipo. Desconfio que essa pessoa será uma figura familiar para qualquer um que, nos últimos 25 anos, tenha sido uma mulher jovem, de formação universitária e que está em seu primeiro emprego de verdade: um emprego no qual há uma mulher oito ou dez anos mais velha que você, que não é apenas visivelmente boa no que faz, como também é autoconfiante, cordial e leva uma vida ocupada que inclui um marido simpático, uma casa bonita e talvez um ou dois filhos. E você pensa que talvez, se tudo der certo, sua própria vida pode acabar saindo como a dela.

- Artigo publicado na revista TIME em 6 de outubro de 2008

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