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Terça-feira, 23 de abril de 2024

Notícias | Ciência & Saúde

Americano aceita devolver sangue de índio ianomâmi

Uma proposta de acordo enviada pelo governo brasileiro em março a cinco centros de pesquisa americanos está prestes a resolver uma polêmica mundial que começou há mais de quarenta anos entre geneticistas e antropólogos estrangeiros e índios ianomâmis.


A disputa tem origem em 1967, quando equipes lideradas pelo geneticista James Neel e pelo antropólogo Napoleon Chagnon recolheram milhares de amostras de sangue ianomâmi no Brasil e na Venezuela.

No ano 2000, o jornalista norte-americano Patrick Tierney os acusou em seu livro "Trevas no Eldorado" de, entre outras coisas, "comprar" o sangue com armas e presentes e conduzir pesquisas sem obter consentimento dos índios. Neel morreu naquele ano sem ter sido investigado. Chagnon foi inocentado pela Associação Americana Antropologia.

Além de levantar uma das maiores controvérsias éticas e científicas da antropologia ao redor do mundo, o livro horrorizou os ianomâmis ao apontar para a manutenção até hoje de sangue congelado de seus pais e avós em centros de pesquisa.

Lideranças ianomâmis tentam há anos reaver as amostras para finalizar rituais mortuários, mas os centros inicialmente resistiram a devolvê-las, não só por sua utilidade em pesquisas, como por temores de problemas na Justiça.

Sob pressão dos índios, o Ministério Público Federal de Roraima deu início em 2005 a um procedimento administrativo para recuperar as amostras.

Foram enviadas cartas a diversas instituições nos EUA, das quais cinco confirmaram ter material biológico ianomâmi em seu poder: Universidade do Estado da Pensilvânia (a Penn State), Instituto Nacional do Câncer, Universidade Binghamton, Universidade do Estado de Ohio e Universidade da Califórnia em Irvine.

Após anos de consultas, foi feita em março uma proposta de "Acordo de Transferência de Material" para a devolução das amostras ao Brasil. As universidades, cansadas da polêmica, indicaram disposição em ceder.

Desativação

A proposta prevê que os institutos seriam responsáveis por enviar o material a Washington, onde a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recolheria as amostras e as levaria ao Brasil. Todo o processo seria acompanhado por representante do Ministério Público, que depois atestaria o destino final do material conforme indicação dos índios.

O acordo indica que seria feita desativação microbiológica do material antes da devolução. Há preocupações com a destinação das amostras pelos índios e com uma possível contaminação -os ianomâmis têm o costume de queimar os restos de parentes e comer as cinzas.

Ainda estão sendo negociadas questões jurídicas e de manuseio. Algumas universidades procuraram a Embaixada do Brasil em Washington para pedir pequenos ajustes: o Instituto Nacional do Câncer, por exemplo, tem dúvidas sobre o processo de esterilização.

Ainda assim, segundo Alexandre Vidal Porto, ministro-conselheiro da embaixada brasileira, "a expectativa é que a questão seja resolvida no menor espaço de tempo possível e que as amostras de sangue sejam devolvidas aos índios ianomâmis o quanto antes".

Contatadas pela Folha, três das cinco universidades se disseram ansiosas pela resolução da controvérsia e confirmaram a intenção de devolver as amostras rapidamente.

A Universidade do Estado de Ohio e a Universidade da Califórnia em Irvine, aparentemente a mais reticente quanto ao acordo, não haviam respondido aos pedidos de informação da reportagem até o fechamento desta edição.

O professor Kenneth Weiss, do departamento de antropologia da Universidade Penn State, disse que não há mais controvérsia sobre a devolução e que a questão é apenas legal.

"O acordo está sendo avaliado por advogados da universidade; depois disso, quero garantir que não haverá riscos biológicos de contaminação."

Ele diz que não tem indicação de que as amostras seriam perigosas, mas que é possível que parasitas e bactérias tenham sobrevivido congelados através dos anos.

Perda científica

Weiss afirma que o uso das amostras em pesquisas da Penn State foi interrompido cerca de um ano após a publicação do livro de Tierney. Do ponto de vista científico, ele crê que a devolução é uma perda.

"Não há valor financeiro [nas amostras], mas muito valor para a compreensão de como populações viviam no passado. Se os ianomâmis concordassem, eu adoraria manter e usar as amostras", explica.

O Instituto Nacional do Câncer disse que "está ansioso para completar o acordo e devolver as amostras" para o Brasil.

Karen Pitt, assistente especial para recursos biológicos do instituto, confirmou que o sangue ianomâmi foi usado em alguns estudos, que resultaram na publicação de dois artigos. Mas disse que "o uso foi bloqueado assim que ficou claro que o governo brasileiro estava interessado em reaver as amostras, em 2005 ou 2006".

Gerald Sonnenfeld, vice-presidente de pesquisa da Universidade Binghamton, disse que seus cientistas aceitaram devolver as amostras há muitos anos. "Estivemos esperando que o governo brasileiro nos dissesse como proceder, e estamos satisfeitos por ver a questão sendo resolvida agora."
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