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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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''Roda Viva'', de Chico Buarque, causou polêmica com cenas violentas e palavrões

No dia 15 de janeiro de 1968, estreou no Teatro Princesa Isabel, no Rio de Janeiro, a peça "Roda Viva", de Chico Buarque. A peça criou polêmica pois trazia cenas violentas e muitos palavrões. Neste mesmo ano, após apresentação da peça no teatro Ruth Escobar, no Bixiga, houve uma invasão dos integrantes do grupo paramilitar Comando de Caça aos Comunistas que destruíram parte dos cenários e camarins. A peça acabou sendo censurada.


O livro "Folha Explica - Chico Buarque", da Publifolha, descreve a peça e conta como foi sua repercussão.

Leia abaixo trecho do livro sobre a peça "Roda Viva" e saiba mais sobre o livro

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"NEM TODA A LOUCURA É GENIAL"

Com um grão de sal, pode-se afirmar que Roda Viva é o momento tropicalista na carreira de Chico Buarque. Tal como foi encenada, a peça acabou sendo muito mais uma obra de José Celso Martinez Corrêa e do Teatro Oficina do que de seu autor. Chico, porém, deu sua chancela - acompanhou todo o processo e não desaprovou o resultado. A ele interessava de alguma maneira ver seu nome ligado à selvageria cênica que resultou da montagem. Funcionava um pouco para confundir a imagem apolínea, de bom moço e jovem gênio, que havia cristalizado em torno de si sobretudo depois do sucesso de "A Banda". "Antes que brigassem com o Chico, já briguei com ele", disse mais tarde, numa entrevista do início dos anos 70.

Extraído de sua experiência pessoal recente na forma de uma paródia farsesca, o tema da peça não poderia estar mais próximo do universo pop ao qual o tropicalismo se filiava: a impostura envolvendo a trajetória de um ídolo da música popular, desde a sua ascensão até seu aniquilamento pelas mesmas engrenagens do showbiz que o tinham fabricado. O próprio Chico reconheceria que o texto, escrito em 25 dias no final de 1967, era frágil e trazia as marcas de um desabafo juvenil. A consciência de que talvez não tivesse uma peça capaz de andar pelas próprias pernas, mas no máximo um roteiro, o fez concluir pelo risco que representava a parceria com Zé Celso. Dito e feito.

Levando adiante a guinada que dera no ano anterior com a montagem de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, o diretor do Oficina fez de Roda Viva um espetáculo antes violento e anárquico do que propriamente político. O texto da peça, alterado sem pudores, passava a ser quase um pretexto e apenas um elemento entre tantos outros mobilizados com a finalidade de desconcertar e incomodar, no limite da violência física, o público. "Você já matou seu comunista hoje?", interrogavam os atores dirigindo-se a qualquer um das cadeiras, escolhido aleatoriamente.

Ficou famosa a cena em que os integrantes do coro do espetáculo, no papel de fãs em transe, simulavam a devoração do corpo do cantor despedaçando um fígado de boi cru, fazendo freqüentemente com que o sangue respingasse sobre a platéia. Entre as outras muitas provocações e deboches havia ainda uma cena em que Nossa Senhora rebolava de biquíni em frente a uma câmera de TV, enquanto esta simulava movimentos fálicos de ir e vir.

Depois de ter estreado em janeiro no Rio, o espetáculo fazia temporada em São Paulo quando foi vítima de um ataque do CCC - o Comando de Caça aos Comunistas. Na noite de 17 de junho de 1968, um grupo invadiu o Teatro Galpão e esperou o público se retirar para destruir os cenários e espancar os atores nos camarins. Não ficou por aí. Em Porto Alegre, no dia seguinte à estréia, em 3 de outubro, agentes da repressão invadiram o hotel onde o grupo Oficina estava hospedado e seqüestraram dois atores, abandonando-os no mato, na periferia da cidade. A trajetória da peça terminaria assim, com todos os atores retirados do hotel e embarcados de volta para São Paulo. Tais fatos, que já prenunciavam o terror do AI-5, contribuíram para deixar Roda Viva inscrita na história do país.

É curioso que tanto a direita como a esquerda se empenharam em salvar Chico de sua própria obra - o que não deixava de ser um desdobramento involuntário dela mesma para além do palco. Enquanto Nelson Rodrigues vinculava em suas crônicas "o verdadeiro Chico" ao lirismo de "A Banda", a intelectualidade engajada atribuía exclusivamente ao diretor os excessos de deboche, os ápices de violência e a opção irracionalista.32 A mídia, no entanto, não perdeu a oportunidade. Uma reportagem da época perguntava: "Chico Buarque: Anjo ou Demônio?". E o crítico do Jornal do Brasil afirmava logo após a estréia carioca: "Nunca vi um público mais desorientado e perdido que o fã-clube de Chico Buarque de Hollanda, que lotava completamente o teatro Princesa Isabel".

Caetano Veloso é preciso ao observar que Zé Celso, "mais identificado com o artista pop que o texto criticava do que com a crítica que o texto lhe fazia, mas, ao mesmo tempo, levando essa crítica aos seus extremos, fazia da peça de Chico Buarque ela própria um ritual pop e uma oportunidade de revelar os conteúdos inconscientes do imaginário brasileiro - e do Zeitgeist".

Estando no centro de um curto-circuito que envolvia o que de mais vivo havia na cultura brasileira, Roda Viva representou tanto um encontro como a contraprova da distância entre Chico e os tropicalistas. O que para o primeiro havia sido concebido como uma discussão dos aspectos kafkianos do showbiz e suas conseqüências, para os tropicalistas representava uma espécie de happening, um terreno a ser explorado, que eles deveriam não apenas incorporar como tema de suas canções, mas vivenciar por dentro.

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