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Sábado, 20 de abril de 2024

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Linchamento em Guarujá traz à tona barbarie ocorrida em Matupá

Linchamento em Guarujá traz à tona barbarie ocorrida em Matupá
As imagens do linchamento da dona de casa Fabiane Maria de Jesus ocorrido na última semana em Guarujá fez ressurgir o caso de maior repercussão mundial registrado até hoje e que deixou estigmatizada a cidade a cidade de Matupá, no interior de Mato Grosso.


Cenas bizarras da morte de três homens por uma população enfurecida, que ateou fogo neles vivos, ainda rodam o mundo e viraram tema de uma pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo, cujo resultado aponteou que nenhum outro caso de linchamento gerou tanta repercussão para o tema na mídia nacional quanto esse. A pesquisa da USP engloba o período de 1980 a 2010.

A chacina no Município de Matupá ocorreu em 23 de novembro de 1990. Na oportunidade, Ivacir Garcia dos Santos, 31, Arci Garcia dos Santos, 28, e Osvaldo José Bachinan, 32, após uma tentativa de assalto, teriam invadido uma residência e mantiveram duas mulheres reféns, por mais de 15 horas. A Polícia Militar foi acionada e os assaltantes se renderam. No entanto, eles foram capturados pelos populares, levados até a praça pública e queimados vivos.


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O assunto foi matéria da Revista Exame desta semana que relembrou o caso. Dezessete dos 18 réus envolvidos no caso só foram julgados em outubro de 2011. Vinte e um anos, portanto, após o assassinato que foi veiculado por televisões estrangeiras e virou debate nacional.

Segundo o Tribunal de Justiça do Mato Grosso, apenas três foram condenados. Um deles, Valdemir Pereira Bueno, recebeu a maior pena: oito anos de prisão. Ele aparece no vídeo jogando gasolina nas vítimas.

Confira a íntegra da reportagem abaixo:

São Paulo – Linchamentos chamam a atenção da sociedade quando são filmados. Esta parece ser a conclusão deixada pelas chocantes cenas de agressão que terminaram com a morte de Fabiane Maria de Jesus, nesta semana, e também pela filmagem com a morte de três homens por uma população enfurecida em Matupá, no Mato Grosso, há quase 25 anos.

Na época, as imagens de três pessoas queimadas vivas após uma tentativa frustrada de roubo, com um deles pedindo perdão a Deus enquanto agonizava, rodou o mundo e o Brasil.
Foi ainda alvo de atenção da Anistia Internacional.

E marcou para sempre a pequena cidade que vive do garimpo, a quase 700 quilômetros de Cuiabá. O caso ficou conhecido como a “Chacina de Matupá”.

Segundo pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo, nenhum outro caso de linchamento gerou tanta repercussão para o tema na mídia nacional quanto esse. A pesquisa da USP engloba o período de 1980 a 2010.

Este intervalo de tempo é anterior, claro, à onda de linchamentos cujas imagens hoje rodam as redes sociais, como as de um adolescente preso a um poste no Rio de Janeiro.

Algumas das cenas do linchamento no município matogrossense – não as mais fortes, mas ainda sim impressionantes – podem ser vistas em matéria da afiliada da Rede Record, em reportagem de 2011 (veja ao final desta matéria).
As imagens estão suavizadas em preto e branco, mas o vídeo original era colorido. As partes mais chocantes estão disponíveis apenas em alguns sites da internet.

A chacina

A existência de um vídeo contendo toda a longa história ocorrida em novembro de 1990 – que se encerra com os agonizantes 15 minutos finais na vida de um homem, interrogado pelos algozes com o corpo inteiramente queimado – foi essencial para a enorme repercussão do caso.

Este homem era Osvaldo Bachinan, 32 anos. Junto com Ivacir dos Santos, 31 anos e Arci dos Santos, 28 anos, ambos irmãos, ele invadiu uma casa no pequeno município, hoje com 14 mil habitantes.
Queriam roubar ouro e joias, segundo relatos da época. Fizeram refém duas mulheres, uma delas grávida, e quatro crianças.

Mas a empregada da casa fugiu e chamou a polícia. Os seis ficaram sob o poder deles por mais de 15 horas, tempo no qual a casa foi cercada pela Polícia Militar e civis, incluindo pessoas de cidades vizinhas.
Houve então uma longa negociação para que se rendessem.

A filmagem mostra que os ladrões estavam temerosos com o que lhes aconteceria se se entregassem.
“Eu te dou garantia, eu tiro esse pessoal daí. Seria muita covardia matar vocês agora. Pare de bobagem: você entrega a família e sai vivo”, disse um policial que negociava a rendição.
Os homens se renderam, sob a garantia de que seriam levados para outra cidade em uma pequena aeronave, para serem presos.

Enquanto saíam em direção ao veículo, era possível ouvir a população gritar “mata, mata, mata”.
A caminho do aeroporto, porém – e aí as informações se desencontram: a polícia alega que houve uma tentativa de fuga, já os promotores que se debruçaram sobre o caso afirmam que os PMs cooperaram para que houvesse o linchamento – os três homens foram capturados pela população.

Diante de centenas de pessoas, apanharam muito. Um deles levou um tiro.
Mas o toque final de crueldade foi o despejo de litros de gasolina nos três, que estavam amarrados. No vídeo, vê-se que um deles começa a movimentar as pernas furiosamente para se desvencilhar das chamas.
Depois que o fogo baixa, ainda se ouvem vários gemidos de dor.

Aí se dá a parte mais impressionante, quando um dos assaltantes – Osvaldo, semi-acordado – começa a responder às demandas daqueles que estavam a ponto de lhe tirar a vida. A câmera foca seu rosto em primeiro plano.

“Pede perdão a Deus!”, diz um dos homens. “Perdão, Deus, por tudo o que eu fiz", replica Osvaldo. "Perdoa, meu pai”, completa ainda.

Ele ainda responde outras coisas e agoniza por 15 minutos até morrer, com a pele toda queimada e trajando apenas fiapos da roupa não consumida pelo fogo.

Tabu na cidade

“Deste assunto a gente não gosta de falar. A cidade já sofreu demais e agora está superando. Seria muito bom se vocês (jornalistas) ignorassem esse assunto”, disse Heleni Mazzonetto ao Diário de Cuiabá, no ano 2000.
Ela foi a dona de casa mantida em cárcere privado.

Numa demonstração do ritmo da justiça brasileira, 17 dos 18 réus envolvidos no caso só foram julgados em outubro de 2011. Vinte e um anos, portanto, após o assassinato que foi veiculado por televisões estrangeiras e virou debate nacional.
Segundo o Tribunal de Justiça do Mato Grosso, apenas três foram condenados. Um deles, Valdemir Pereira Bueno, recebeu a maior pena: oito anos de prisão. Ele aparece no vídeo jogando gasolina nas vítimas.

Réu confesso, disse que se arrependeu, e que ficou furioso ao reconhecer em um dos homens o bandido que havia causado terror a ele e à família um dia antes.

Outros sete PMs envolvidos ainda aguardam julgamento, suspeitos de terem "dado" os três homens para a turba raivosa.
Em artigo publicado quatro meses após a tragédia na revista Veja, o cinegrafista Lenon José Durrewald e autor da gravação, que ganhava a vida filmando festas e casamentos em Matupá, deu um relato simplesmente revelador do comportamento coletivo envolvido nos linchamentos.

Seguem transcritas algumas de suas palavras à revista.

“O que houve ali foi uma barbárie, algo que nunca tinha visto antes em minha vida. Muitas pessoas que estiveram na cidade queriam saber por que não larguei minha câmara e tentei impedir a tragédia. Na verdade, tentei sim, fui ajudado por uma senhora de 25 anos. Senti medo de ser agredido se tomasse uma atitude mais dura”.
“A maioria das pessoas observava apenas, enquanto dois ou três homens pegaram a gasolina, jogaram sobre os assaltantes e atearam fogo. Na memória da multidão estavam certamente outras inúmeras cenas de violência que todos os dias deixam cadáveres pelas ruas da cidade. É difícil achar uma família que não tenha uma história triste de assassinato ou assalto a um parente ou vizinho para contar. Acho que foi um comportamento inconsciente, como se todo mundo tivesse perdido, por alguns momentos, a noção da gravidade do que estava acontecendo ali”.

“Ao final, quando os três já estavam mortos, uma outra senhora chegou ao local e ficou chocada. Chorava e gritava que todos ali eram assassinos. Já de volta do transe, conscientes do que haviam feito, as pessoas nada disseram. Foram embora caladas. Firmei a câmera com o sacrifício de quem se sente obrigado a documentar uma barbaridade que, certamente, o Brasil não conheceria se eu tivesse simplesmente ido embora. Suava, sentia-me mal e cheguei a desligar a câmera várias vezes”.


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