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Quinta-feira, 28 de março de 2024

Notícias | Meio Ambiente

Litígio antigo

Fazendeiros acusam MPF e Justiça de atropelar interesses indígenas

Foto: Renê Dióz/OD

Xavantes fazem ato em defesa de Maraiwatsede durante a Cúpula dos Povos, na Rio+20

Xavantes fazem ato em defesa de Maraiwatsede durante a Cúpula dos Povos, na Rio+20

A Justiça e o Ministério Público Federal (MPF) atropelaram o fato de que quase 500 índios xavantes já declararam em cartório não serem originários ou ocupantes tradicionais da Terra Indígena Maraiwatsede, a qual tem sido objeto de litígio e embate judicial há mais de décadas, conforme acusam fazendeiros da região.


A reclamação surgiu devido a recente decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) obrigando-os a deixar a área demarcada pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

De acordo com Sebastião Ferreira Prado e Naves José Bispo, donos de áreas remanescentes da Fazenda Suiá Missú (da qual originou-se a demarcação de Maraiwatsede homologada pela Presidência da República em 1998), o laudo antropológico responsável por criar a área de reserva Indígena é equivocado. Daí a suposta imposição federal da área de Suiá Missú como terra indígena.

A seu favor, fazendeiros sustentam que a verdadeira área xavante localiza-se cerca de 80 quilômetros adiante do local defendido pela Funai, e a evidência disso se dá por meio das assinaturas e documentos de 480 xavantes – a maioria colhidas em março deste ano –, registrados em cartório, consignando que a etnia “nunca ocupou a área do litígio envolvendo a Funai, o Ministério Público, a União e fazendeiros, localizada nos municípios de São Félix do Araguaia e Alto Boa Vista, denominada pela Funai de T.I Maraiwatsede”, como registra declaração apensa ao processo judicial referente ao caso.

“O local onde tínhamos nossas aldeias e muitos de nós nasceu (sic) e mudamos nos anos sessenta é muito distante da área do litígio. Apesar de ser também dentro da antiga fazenda Suiá Missú. Nossos cemitérios ficam localizados próximos à sede da fazenda Suiá Missú e próximo da cidade, hoje denominada de Serra Nova Dourada, em Mato Grosso, onde nascemos e tínhamos nossas aldeias, que se estendiam até o Rio das Mortes e imediações”.

“A Funai sabe que é de nossa tradição ocupar área de cerrado e nunca área de mata, tanto é verdade que todas as nossas outras aldeias são localizadas em área de cerrado”, expressa outro trecho da declaração dos indígenas, fornecida pelos fazendeiros ao Olhar Direto.

No mesmo documento, os indígenas aceitam serem transferidos para a área do Parque Estadual do Araguaia, oferecida pelo governo do Estado (por meio de lei aprovada em 2011, mas considerada inconstitucional), a fim de encerrar a pendenga judicial e violenta entre indígenas e fazendeiros estabelecidos na área de Maraiwatsede.

Litígio

As terras indígenas da Maraiwatsede, ainda sem demarcação, sofreram processo de ocupação pelo homem branco por volta da segunda metade do século passado, graças aos investimentos agropecuários e à política de incentivo do governo à ocupação. Na década de 1960, a área foi desmembrada e parte dos títulos da Fazenda Suiá Missú foi vendida, inclusive para a petroleira italiana Agip. Grandes fazendeiros se estabeleceram e assentamentos foram realizados.
 
Todavia, em 1993 iniciou-se processo de demarcação do que seria tradicional área de ocupação indígena, o que provocou longo embate judicial entre fazendeiros e MPF (com a União e a Funai como litisconsortes).

Neste processo, a população indigena acabou sendo reduzida por falta de condições de vida e por episódios de conflito violento com pistoleiros, como denunciou no último sábado o cacique xavante Damião Paridzané, durante a Cúpula dos Povos na Conferência das Nações Unidas sobre Sustentabilidade (Rio+20), realizada no Rio de Janeiro.

O contexto da fala do cacique foi a última decisão judicial a respeito da área, desta vez favorável aos indígenas. O desembargador federal Souza Prudente, do TRF1, determinou que a Funai elabore um plano de desintrusão para que, finalmente, os xavantes voltem a ocupar a área de Maraiwatsede. Após notificação, a Funai tem vinte dias para cumprir a decisão.

Fazendeiros

Diante da situação de insegurança, pois pode ter de abandonar suas terras a qualquer momento, o fazendeiro Sebastião Ferreira Prado exige que a perita antropológica da Funai responsável pelo laudo da demarcação, Inês Rosa Bueno, aponte ao menos um resquício de ocupação xavante em sua área.

“Não queremos nada mais que a verdade. Se ela atestar que realmente tem um resquício, sou o primeiro a sair de lá”, declarou, enfatizando o caos social que a desintrusão poderá causar – a área em litígio é hoje ocupada por 7 mil pessoas, com escolas, postos de gasolina e até hotéis. “Eu tenho 55 anos. Se eu sair de lá, vou para a rua”.

Já o produtor rural Naves José Bispo enfatiza que o “ambientalismo xiita” impregnado na decisão judicial do TRF1 está perpetrando crimes contra uma comunidade pacífica.

“Os índios não querem essa terra. A verdadeira Maraiwatsede fica a cerca de 80 quilômetros de lá. Não é possível que tanta mentira vai permanecer”, resume, mencionando o abaixo-assinado com os nomes e documentos dos próprios índios discordantes da medida judicial.

Outro lado

Contudo, para o cacique Damião Paridzané, estas vozes dissonantes foram compradas. “Isso não é de hoje. Estão querendo jogar isca para colocar índio contra índio”, indignou-se o cacique. Para ele, parte dos índios que sequer reside na região recebeu dinheiro para sustentar a argumentação dos fazendeiros. “É mentira. Eles já perderam. Eu fui criado lá [em Maraiwatsede]. Isso é gente de fora que recebeu dinheiro”, acusa.

Já para o MPF, a localização da verdadeira terra dos xavantes é questão superada por pelo menos quatro fatores: o primeiro, a demarcação da área em 1993; em segundo lugar, a homologação da área por decreto do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1998; em seguida, a sentença em primeiro grau, proferida pelo juiz federal Julier Sebastião, determinando o retorno dos indígenas à área; e, em último lugar, a mais recente determinação do TRF1.

Além disso, o MPF informou que o documento protocolado pelos 480 indígenas e sustentado na argumentação dos fazendeiros já foi analisado. O desembargador federal Fagundes de Deus, hoje aposentado, inclusive havia considerado a situação para proferir sentença desfavorável ao pleito da comunidade liderada por Damião Paridzané, mas o entendimento da Justiça sobre o caso foi modificado, conforme a decisão recente do desembargador que o sucedeu, Souza Prudente.


Confira abaixo a íntegra da nota emitida pelo MPF sobre o assunto

Sobre os questionamentos feitos ao Ministério Público Federal, temos a informar que:

A área de ocupação tradicional do povo Xavante de Marãiwatsédé já foi reconhecida administrativamente e judicialmente por sentença em 1º grau da Justiça Federal em Mato Grosso e por acórdão unânime do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).

Em 1993, a Terra Indígena Maraiwãtsédé foi declarada como área de ocupação tradicional indígena por meio da Portaria 363, do Ministério da Justiça. Em 1998, a Terra Indígena foi homologada por decreto do presidente da República, com uma extensão de 165.241 hectares.

Além das etapas administrativas de reconhecimento da ocupação indígena superadas, a Terra Indígena foi reconhecida como pertencente ao povo Xavante também na esfera judicial.

Em 2007, no julgamento do mérito da ação, a Justiça Federal de Mato Grosso confirmou o reconhecimento da área indígena, determinou a desintrusão e condenou os réus ao reflorestamento do território que ocupavam indevidamente.

Em outubro de 2010, os desembargadores federais do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, reconheceram a tradicionalidade da ocupação dos índios Xavante na Terra Indígena Maraiwãtsédé.

Segundo o acórdão da 5ª Turma do do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, “o Laudo Pericial Antropológico, fartamente instruído por documentos históricos, corrobora as assertivas contidas no parecer da Funai, não deixando margem a nenhuma dúvida de que a comunidade indígena Xavante Marãiwatséde foi despojada da posse de suas terras na década de sessenta, a partir do momento em que o Estado de Mato Grosso passou a emitir título de propriedade a não-índios, impulsionados pelo espírito expansionista de "colonização" daquela região brasileira.”

Ainda de acordo com o acórdão, “nesse contexto, restou claro que a posse de todos os réus sobre a área objeto do litígio é ilícita, e de má-fé, porque sabedores de que se tratava de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios Xavante Marãiwatséde, tanto que assim fora reconhecido posteriormente por ato do Presidente da República. Logo, trata-se de posse ilícita, e de má-fé, sobre bem imóvel da União, circunstância da qual não decorre nenhum direito de retenção.”

Na esfera judicial, as partes envolvidas tiveram seus pleitos analisados antes de decisões de 1º e 2º grau. Argumentos contrários a permanência em Maraiwãtsédé e a possibilidade de permuta da área por outra no Parque Nacional do Araguaia foram analisados e chegaram até a obter uma decisão do desembargador Fagundes de Deus, do TRF1, em 2011, que suspendeu a retirada dos não-índios de Maraiwãtsédé. Porém, essa decisão foi revogada em maio deste ano diante da recusa da proposta por parte da Funai, MPF e União.

Portanto, não há o que se falar em “atropelo” ou “desconsideração” de argumentos durante o andamento das ações judiciais relacionadas à Terra Indígena Maraiwãtsédé.



Atualizada
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