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Quinta-feira, 25 de abril de 2024

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Grávidas haitianas, ou com filhos pequenos, enfrentam os perigos de uma rota que atravessa a Amazônia para ter filho no Brasil

Foto: (Foto: Guilherme Zauith)

Eveline Charles, 26 anos, cabeleireira

Eveline Charles, 26 anos, cabeleireira

Fim de tarde na Chácara Aliança, em Rio Branco, capital do Acre. A paisagem bucólica fica imersa em um som quase ensurdecedor: centenas de cigarras cantam alto enquanto o sol some entre as árvores. Algumas crianças brincam no gramado e nas gangorras do parquinho. Outras têm que entrar, porque as mães começam a chamar para o banho. O local, com ampla área verde e construções labirínticas, repletas de cômodos transformados em quartos improvisados, costumava ser alugado para eventos, mas agora abriga temporariamente imigrantes que vêm ao país em busca de vida nova. Eveline, Néricia, Minusca... Elas são poucas, menos de 20% dos cerca de 900 haitianos que chegam por mês, mas fazem parte de um grupo que cresce a cada dia, em busca, principalmente, de um futuro melhor para os filhos, mesmo que eles ainda estejam na barriga. Nos últimos cinco meses, 26 grávidas passaram por lá, fugindo da miséria, numa travessia longa e perigosa. Que mãe não faria o mesmo?


Na prática, apenas dez horas de voo separam Porto Príncipe, a capital do Haiti, de Brasília (DF). No entanto, sem visto para entrar no Brasil, as haitianas precisam se submeter a rotas dignas de filme de suspense. Levam de sete a 12 dias de travessia pela floresta amazônica, escoltadas por coiotes que chegam a cobrar US$ 4 mil para levá-las até o táxi que cruzará a fronteira com o Brasil. Segundo o Ministério da Justiça, 25.627 homens e mulheres haitianos entraram no país de janeiro de 2012 a abril deste ano. Estima-se que mais de 20 mil tenham vindo ilegalmente.

As primeiras levas desses imigrantes eram de homens que buscavam emprego. Agora, é crescente o número de mulheres que vêm encontrar os maridos. Ou de grávidas que deixam seus filhos e companheiros no Haiti para dar condições mais favoráveis ao bebê que nascerá. Elas vêm sozinhas, com uma barriga de seis, sete meses, pouco dinheiro, muito medo, mas também muita esperança. Veem no Brasil um mundo de possibilidades: trabalho, educação, saúde e moradia. Itens básicos, mas raros no Haiti desde o terremoto que o destruiu em 2010. Os haitianos que se mudam para cá têm assegurados todos esses direitos sociais. Mas não podem ocupar cargos públicos nem votar. No entanto, se o bebê nasce aqui, ele terá os mesmos direitos que os demais cidadãos brasileiros, explica Camila Asano, da ONG Conectas. É por esse motivo, e pelo fato de pagar aos coiotes apenas a travessia de uma pessoa (além da praticidade de viajar sem uma criança de colo), que as gestantes se arriscam tanto.

Esse foi o caso da cabeleireira Eveline Louis Charles, 26 anos. Ela chegou sozinha ao Acre, no sétimo mês de gestação, e foi acolhida no abrigo mantido pelo governo do estado. Na chácara, os imigrantes são divididos por sexo e dormem em colchões espalhados pelo chão. As gestantes recebem os melhores aposentos: geralmente suítes com cama e ar-condicionado antigo, mas que ajuda no alívio de um calor que, mesmo no inverno, não costuma ser menor que 24°C.

Foi em uma das noites quentes de julho, após o habitual canto das cigarras, que Eveline começou a sentir as dores do parto. Sem familiares, acabou sendo acalmada pelas amigas que conheceu ali. Foi uma madrugada de contrações e gemidos. Não havia nenhum funcionário para chamar, nem número de telefone para quem ligar. Ao amanhecer, Eveline não tinha mais forças. Mas seu filho tinha pressa. “Quando olhei, vi a cabecinha, o bebê já estava coroando”, lembra, emocionada, Francisca Brota, encarregada da limpeza do abrigo, a primeira a chegar naquele dia. Ela acabou fazendo o parto. “Ele era lindo. Eu limpei, entreguei para a mãe e liguei para a ambulância.”

A equipe médica veio em seguida e levou os dois para a maternidade, onde cortaram o cordão umbilical e fizeram os exames necessários. A dupla estava bem e logo teve alta. O menino recebeu o nome de Djeson. “Ele é a coisa mais importante da minha vida.” Infelizmente, ela conta, o marido ainda não viu o filho, pois continua no Haiti, onde trabalha como eletricista. “Não sei quando ele vem, porque precisa juntar dinheiro.”

O destino incerto não é um problema para quem viu seu país afundar com o terremoto que matou mais de 200 mil pessoas e deixou cerca de 2 milhões sem casa, segundo a ONU. A economia, que já era fraca, ficou estagnada. O Haiti é a nação com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Américas: a expectativa de vida é de apenas 54 anos e a população estuda, em média, menos de cinco anos. Não bastasse isso, estima-se que 38% dos habitantes não têm acesso a água e saneamento e, diariamente, cerca de 30 pessoas são infectadas com cólera. Diante desse cenário, o “quase vizinho” Brasil e seu posto de sétima maior economia do mundo, parecem promissores para quem decide recomeçar do zero.Do Haiti para o Brasil
Os haitianos têm a possibilidade de pleitear na Embaixada do Brasil no Haiti o visto humanitário para viver legalmente no país. Desde 2012, foram concedidas quase 9 mil autorizações desse tipo, mas a demanda é bem maior. Por esse motivo, quem não consegue o documento arrisca a vida cruzando a América do Sul com coiotes. O trajeto é quase sempre o mesmo: eles saem do Haiti em um voo comercial comum, com duração de quatro horas, em direção ao Equador. De lá, pegam um ônibus até o Peru, em um trajeto de um dia e uma noite. Outro ônibus cruza o Peru por quase uma semana, passando pela capital Lima, a cidade turística Cuzco e pequenos povoados no meio da floresta amazônica, até chegar próximo ao Acre. O último passo é atravessar a fronteira de táxi, por US$ 20, e finalmente pisar no Brasil, nas pequenas cidades de Brasileia ou Epitaciolândia.

Depois de viajar pela Amazônia, cruzar a fronteira e regularizar a situação no Brasil, os haitianos podem, finalmente, viajar até onde pretendem viver e trabalhar. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), as regiões que mais contratam essa mão de obra são o Sudeste e o Sul. Os três estados da região Sul foram responsáveis por 63% do total de haitianos empregados no Brasil em 2013, de acordo com o ministério. Para evitar situações análogas à escravidão, o órgão informou que são realizadas inspeções periódicas nos locais de trabalho.
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