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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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No DF, mulher vivia em bueiro para poder comprar crack: 'Pior epóca', diz

Foto: (Foto: Isabella Calzolari/G1)

Ex-usuária de drogas que morou em bueiro no Distrito Federal, Odânia Batista Garcez segura fotos dos três filhos

Ex-usuária de drogas que morou em bueiro no Distrito Federal, Odânia Batista Garcez segura fotos dos três filhos

A diarista Odânia Batista, de 38 anos, tem se esforçado nos últimos dois anos para recuperar tudo o que deixou de lado durante a quase uma década que passou viciada em drogas. Ex-usuária de merla (produto derivado da cocaína), maconha, cocaína e crack, ela chegou a perder a guarda dos três filhos e morou dentro de bueiros e debaixo de uma ponte no Distrito Federal para economizar dinheiro para comprar entorpecentes.

A mudança só veio quando, depois de aceitar se internar em uma casa de recuperação, ela se apaixonou por um funcionário e quis se casar. A superação, segundo ela, não foi fácil. Foram nove anos usando drogas. O primeiro contato aconteceu aos 26 anos, quando se separou do pai da primeira filha e conheceu aquele que viria a ser o pai dos dois mais novos. De acordo com Odânia, ele era usuário e traficante e ofereceu a ela um cigarro de maconha misturado com outras drogas.

"A gente namorava, e eu ficava muito na casa dele, dormia lá. Aí ele me ofereceu esse baseado que já vinha com tudo. Tinha cocaína, maconha, merla, coisas de cigarro. Tinha de tudo. Eu senti uma coisa diferente, parecia que eu estava voando. Eu queria mais e mais depois. Gostei de cara", conta.

A partir daí, a então camareira de um hotel em Ceilândia quis experimentar todas as drogas que pudesse. Odânia afirma que tomava o cuidado de não usar na frente da primogênita, que tinha 9 anos, ou durante as duas vezes em que ficou grávida do namorado.

"Usava em casa, dentro do quarto, sem as crianças verem", diz. "Mas, apesar de eu estar sempre com drogas, levava uma vida normal. Sempre tive emprego, sempre trabalhei. Se ficava sem, eu me virava, arrumava serviço, arrumava um bico. Mas nessa época ainda não tinha crack em Brasília. Essa foi a minha perdição."


 

O encontro com a droga aconteceu quando ela trabalhava como cozinheira de um bar que também ficava em Ceilândia. Entrando às 18h e saindo às 4h, Odânia enfrentava longos períodos de espera pelo ônibus. Em um destes dias acabou experimentando a droga, que era usada por uma pessoa na rua.

"Deu vontade de usar mais. No início, eu ficava até dois dias sem, mas depois não deu mais. Eu caçava no chão para ver se tinha, comecei a gastar todo o meu dinheiro com isso. Ficou pior quando eu quis me separar do pai dos meninos e ele inventou de vender a casa. Eu fiquei com as crianças, mas em vez de guardar o dinheiro e gastar aos pouquinhos, eu comprei tudo em crack", conta.

Vendo a situação, o ex-companheiro pegou os dois filhos, enquanto a mais velha ia morar com o pai. Com menos de um mês, ela afirma que já não conseguia nem trabalhar. A vida de esportista, os estudos e a convivência com a família deram lugar à angústia de uma mulher que saiu de 55 quilos para 38 quilos e que achava que não conseguiria ficar bem se não estivesse "em outra realidade".

"Só sentia vontade de usar e de não fazer mais nada. Esqueci de todo mundo. Só sentia falta dos meus filhos quando estava sem, mas eu queria usar o tempo inteiro. Não posso dizer quanto eu fumava, porque eu fumava enquanto tivesse. Todo dinheiro que tinha na mão ia para isso. Se tivesse R$ 100, era R$ 100, se tivesse R$ 200, era R$ 200. Ou quando dessem. Depois comecei a pedir na rua. Chegou uma hora que achei que não valia gastar R$ 200 com aluguel e escolhi morar na rua para economizar e ter mais dinheiro para comprar, infelizmente", lembra.
 

Primeiro, Odânia escolheu ficar debaixo de uma ponte entre Taguatinga e Samambaia. Um ano depois, ela pegou um colchão e se instalou em meio ao lixo de bueiros de Ceilândia. Entre eles, morou no que fica na linha da estação de Metrô que fica na parte norte da região.

"Entrava nele para dormir, para fumar, para tudo. Os meus filhos eu via de vez em quando, quando estava com muita saudade eu ia lá. A do meio não queria nem olhar na minha cara, mas o mais novo tinha dó de mim", diz Odânia.

A rotina, lembra, era de pedir comida, roupa e dinheiro nas ruas e tentar evitar brigas com outros mendigos. "Quase todos os moradores de rua têm faca, canivete, algo para se defender. Já tentaram me matar várias vezes sem eu fazer nada, imagina se eu fizesse. Na rua é assim, um tenta matar o outro direto. A pessoa fica alucinada. Quando ela está sem a droga, na abstinência, até mata outra. Quando está com a droga, está de boa, está tranquila."
 

As coisas começaram a mudar quando um grupo apareceu oferecendo ajuda gratuita às pessoas que, como ela, usavam drogas e moravam na rua. Odânia diz que viu aí a oportunidade de se salvar e que não teve dúvidas em aceitar. A mulher trocou as ruas de Ceilândia por abrigo em uma casa de recuperação em Santo Antônio do Descoberto, no Entorno, onde passou um ano.

Lá, ela recebia a visita da família uma vez por semana, participava de cultos, tinha horário para se alimentar, fazia atividades manuais e ajudava na manutenção e na limpeza. Além disso, sempre recebia conselho dos voluntários.

Apesar da ajuda, Odânia afirma que não foi fácil e que teve crises de vontade de usar drogas. "A primeira vez que eu fiquei sem droga, passei 21 dias sem dormir. Toda hora sonhava com isso, toda hora, 21 dias sonhando com isso. Mas eu consegui. Foi muito difícil, meu Deus. Eu lutei com todas as forças. Em vários momentos eu tive dúvidas se iria conseguir. Era difícil, porque eu estava em luta contra minha maior inimiga: eu mesma. Eu mesma era minha maior inimiga."

A mulher afirma que aos poucos reeducou o organismo – inclusive a conseguir reconhecer dia e mês e horários de acordar e dormir – e recuperou o carinho dos filhos. Ela lamenta ter perdido momentos importantes, como a primeira menstruação da filha do meio ou o desenvolvimento dos três na escola. No mesmo período, se viu atraída por um funcionário da ala masculina da casa de recuperação.

"Uma voz me falou que ele ia ser meu marido. Eu não tinha dúvidas. Aí, quando eu fiquei mais ajeitadinha, porque as drogas, principalmente o crack, detonam a gente, eu falei para ele que ele ia ser meu marido. Ele ficou com medo", conta. "Ele fazia cultos, dava conselhos. Nunca usou nada."

O casal passou então a se aproximar. Odânia começou a colaborar com as atividades de distribuição de sopas e cobertores a moradores de rua e a contar a própria história, como forma de estimulá-los. Ela conta que viu colegas de quarto voltando para o vício, mas que também conseguiu convencer outras pessoas a se superar. Entre as coisas que a surpreendiam estavam professores, promotores e advogados catando lixo, "comendo lixo" e morando na rua por causa de drogas.

 

"Todo mundo que usa isso chora e chora para sair dessa vida. Todo mundo se desespera. É uma droga terrível, você fica que nem zumbi mesmo. Todo mundo quer sair dela, ninguém quer usar. Foi a pior época da minha vida. Quando penso que fui tão burra de experimentar isso aí, de não ter obedecido minha mãe, de ter deixado meus filhos [de lado], fico mal. Quando lembro disso, meu Deus, foi a pior coisa que eu fiz. Hoje, posso ver o negócio que não tenho vontade de usar", afirma.

Depois de se casarem, ela e o marido se mudaram para uma casa no Recanto das Emas. Odânia trabalha atualmente como diarista em apartamentos de Águas Claras, Vicente Pires, Ceilândia e Plano Piloto. Os planos são entrar para a faculdade de assistência social e conseguir ter uma boa estrutura para pedir na Justiça a guarda dos filhos – a mais velha já tem 21 anos, mas os mais novos têm 16 e 12.

"Hoje eu entendo a reação da minha filha do meio e não tenho mágoa nenhuma. Dou graças a Deus que ela me perdoou, porque fui supererrada. Aliás, agradeço muito que meus filhos tenham medo desse negócio, não se interessem. Não tenho saudade dessa época, sinto é angústia de pensar que fui assim. De pensar que vivi no lixo, na vida de miséria. O sentimento é horroroso, não tem nem como explicar o que se sente. Deus me livre, é horrível, mas graças a Deus isso é também passado. Quero agora é ajudar outras pessoas. Acho que consigo fazer isso. Eu me superei e hoje eu sou muito feliz. Muito feliz mesmo", afirma.

 

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