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Sábado, 20 de abril de 2024

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Número de vítimas não faz de vigilante um serial killer, diz criminóloga

A confissão do vigilante Tiago Henrique Gomes da Rocha, de 26 anos, de ter assassinado 39 pessoas em Goiânia não faz do suspeito, necessariamente, um serial killer, afirma a escritora e especialista em criminologia Illana Casoy. Ela já atuou em vários casos de assassinos em série no Brasil e diz que há possibilidade de Rocha ter outro perfil criminal – o assassino impulsivo.


Segundo ela, trata-se de um tipo que atinge vítimas que estão "no lugar errado e na hora errada", matando aleatoriamente – diferente do serial, que tem um perfil muito específico de vítima. "Temos ali muitas vítimas diferentes: moradores de rua mais velhos e mais novos, mulheres de 13 e de 29 anos. Então é preciso tomar cuidado para saber se estamos definindo corretamente", afirma.

Preso na terça-feira (14), Rocha teria confessado o assassinato de oito das 15 mulheres mortas em sequência na capital de Goiás desde janeiro deste ano. Ele afirmou ainda ter matado homossexuais e moradores de rua.

"A polícia tem 39 crimes no colo que teriam sido ele, e esse é um número bastante alto. Então é preciso comprovar relatos com perícia", afirma Illana, que participou da investigação de casos emblemáticos, como o de Francisco das Chagas Brito, acusado de matar 42 meninos no Maranhão e no Pará e considerado pelas autoridades como o maior serial killer do país (veja abaixo). Confirma os principais trechos da entrevista:

G1 - O que define um serial killer?
Illana Casoy - Ele comete uma série de homicídios, com intervalo de tempo entre eles e, atenção, as vítimas têm o mesmo perfil e elas são mortas sem razão aparente. Mesmo perfil não quer dizer mesmo sexo nem mesma idade. Sobre o caso de Goiânia eu só posso falar de forma geral, porque foi uma investigação em sigilo e não tenho dados de que provas existem. Porém, nós temos ali muitas vítimas diferentes: moradores de rua mais velhos e mais novos, mulheres de 13 e de 29 anos. Então é preciso tomar cuidado para saber se estamos definindo corretamente.


G1 - Que outro tipo de assassino poderia ser?
Illana Casoy - Há uma categoria chamada spree killer, que eu traduzi livremente para “assassino impulsivo”. Ele é um tipo diferente do serial killer. Ele atinge vítimas que estão no lugar errado e na hora errada. Tem a necessidade de matar qualquer pessoa, sai matando aleatoriamente e deixa uma esteira de sangue atrás dele. Essa necessidade de matar pode durar horas, dias, semanas, meses – e não tem uma explicação aparente para isso. Ele também não tem a seleção de vítimas, elas não têm o mesmo perfil, o intervalo de tempo para ele também é aleatório. Por exemplo, o caso do atirador de Washington, que matou idosos, crianças, homens, mulheres, no supermercado, no posto de gasolina. Nesse caso você não está lidando com o motivo do crime ser a vítima, é uma coisa do assassino. A vítima estava no lugar errado na hora errada.

G1 - Há um número mínimo de vítimas para o criminoso ser considerado um serial killer?
Illana Casoy - Essa é uma enorme discussão. O Chico Picadinho me perguntou isso uma vez. Por que eu estava colocando ele como serial, se ele tinha matado duas pessoas e a literatura dizia que era preciso três. Respondi que ele não matou mais por puro acaso, porque ele teve uma vítima anterior que não morreu porque Deus não quis. Ele tem todo um ritual que segue ao executar o crime e também após a morte da vítima, e isso que o define como um criminoso em série. De forma geral, a partir de três vítimas, mas, em alguns casos muito específicos, esse número pode ficar reduzido para dois.

G1 - Que cuidados há numa investigações com supostos assassinos em série?
Illana Casoy - Um problema que temos nesses casos de grande repercussão são as falsas confissões. E há um risco enorme quando a confissão é a prova principal do processo. Por exemplo: o "maníaco de Guarulhos" (Leandro Basílio Rodrigues). Ele foi preso imediatamente após seu último assassinato e começou a confessar um crime atrás do outro, chegando a 50. Ele tinha 19 anos. Vinte e dois dias depois, ele havia ‘desconfessado’ dois crimes, de uma série de oito que levantamos e conseguimos conectar.

G1 - São comuns os casos de confissões falsas?
Illana Casoy - Há livros e livros que relatam casos e mostram como é perigoso ter a confissão como prova principal. Um exemplo interessante ocorreu no anos 90, na Suécia, onde um homem chamado Thomas Quick confessou ter cometido 30 assassinatos e se tornou o maior assassino em série do país. Contou os crimes com detalhes, foi para as reconstituições, fez uma novela que a Suécia assistiu horrorizada. Ele foi condenado a ficar para sempre preso em um hospital por oito assassinatos. Um jornalista, Hannes Råstam, desconfiou do caso, começou a investigar e descobriu que era tudo mentira. Quick não havia cometido nenhum crime, e as condenações foram revertidas porque não havia nenhuma prova material de que ele tivesse matado.

G1 - E como chegar às confissões verdadeiras?
Illana Casoy - Tem que conferir o relato do suspeito com as perícias que foram feitas nestas vítimas e no local dos crimes. Um exemplo no próprio caso do "maníaco de Guarulhos": havia a descrição no laudo das vítimas que elas estavam muito machucadas na cabeça – e nos interrogatórios ele não dizia nada sobre isso. A pergunta certa foi: como ele conferia que as vítimas estavam mortas. E ele contou que chutava, socava e dava cotoveladas na cabeça delas. Então, numa confissão, o que o suspeito me conta tem que combinar com aquilo que a perícia levantou, sem eu contar para ele, claro. Mesma coisa no caso do Francisco das Chagas Brito. Os laudos periciais conferem com o que ele contava. Isso é muito importante para você saber que está lidando com o suspeito certo. Não estou dizendo que a polícia [de Goiás] não fez isso, mas a gente ainda não viu informações a respeito neste caso.

G1 - No caso de Goiás, o exame de balística confirmou que algumas mortes foram com a arma encontrada com o suspeito...
Illana Casoy - Podemos dizer que ele está bastante comprometido nestes seis crimes confirmados pelo exame de balística, que costuma ser uma conexão bem segura. Mas a polícia tem 39 crimes no colo que teriam sido ele, e esse é um número bastante alto. Então é preciso comprovar relatos com perícia.

G1 - Você já participou da investigação de vários casos de assassinos em série. Como é o procedimento?
Illana Casoy - No caso do Francisco Chagas, por exemplo, ele negava tudo e a polícia não sabia mais para onde ir, por isso fui chamada. Tenho as fitas dele falando que não tinha matado ninguém, e era ele. Na época sabíamos de 23 vítimas no Maranhão e, a partir desses casos, montamos uma estratégia de busca de provas, além do perfil dele. Por esse perfil, sugeri à polícia que fizesse uma busca na casa dele, onde poderia ter coisas enterradas – e tinha mesmo: pedaços de camisetas, dois corpos... Com essas provas na mão, ele começou a falar nos interrogatórios e confessou 30 crimes no Maranhão mais 12 no Pará. O que fazemos se chama análise criminal. Toda a reconstrução de crime por crime para entender como a cabeça do assassino funciona.

Casos em que atuou Illana Casoy:

– Francisco das Chagas Brito (Caso dos Meninos Emasculados): 
Apontado pelas autoridades como o maior serial killer brasileiro, o mecânico maranhense é acusado de matar e mutilar 42 meninos – 30 no Maranhão e 12 no Pará. Ele teria agido entre os anos de 1989 e 2004. Os crimes ficaram conhecidos como “Caso dos Meninos Emasculados” porque Brito retirava os órgãos genitais de suas vítimas, que tinham o mesmo perfil: meninos de quatro a 15 anos e de famílias humildes.

Está preso desde 2003 e foi julgado pela primeira vez em 2006. Em fevereiro deste ano, ele foi a júri pela 11º vez e condenado. Somadas, as penas das onze condenações dão 385 anos de prisão.

– Leandro Basílio Rodrigues (Maníaco de Guarulhos):
Preso desde de 2008 pelo homicídio de Gisele Cabral de Souza, chegou a confessar 50 crimes – que não foram comprovados. Segundo o Ministério Público, que o denunciou por outras quatro mortes de mulheres, ele poderia ter feito nove vítimas: cinco em Guarulhos, duas no Rio e outras duas em Belo Horizonte. Ele responde ainda por mais 13 crimes, como tráfico, roubo e estupro. "O agente é um assassino em série e nutre pelas mulheres um sentimento de vingança", afirmou a Promotoria.

– Marcos Trigueiro (Maníaco de Contagem):
Todas suas vítimas eram mulheres magras, morenas, de cabelos longos e lisos. Foram abordadas no carro e depois estupradas e mortas por estrangulamento. Trigueiro foi preso em fevereiro de 2010, depois que exames de DNA confirmaram a autoria dos crimes. Em um dos crimes, a vítima estava com o filho de um ano e meio, que foi deixado em cima do cadáver da mãe e foi encontrado com vida. Ele já foi condenado a 98 anos de prisão por três crimes.
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