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Terça-feira, 23 de abril de 2024

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O legado musical de Cássia Eller

Foto: O Globo

O legado musical de Cássia Eller
Firme, jovem e bela, a voz entoa a canção de Paul McCartney gravada no álbum "Revolver" (1966), dos Beatles. Tem apenas um violão a acompanhá-la. É a voz de uma menina de 21 anos, cheia de planos e expectativas, numa Brasília ainda sob o governo militar. Depois de mais de 30 anos repousando numa caixa de fitas, o primeiro registro, ainda amador, da cantora Cássia Eller (1962-2001, que teria completado 52 anos na última quarta-feira), chega ao disco em março do ano que vem. Com "For no one" e mais um punhado de canções, "O espírito do som, vol.1" é um dos álbuns com que o selo Porangareté inicia parceria com a gravadora Coqueiro Verde.

E não só ao acervo de Cássia se dedicará essa etiqueta fonográfica em sua nova fase. Em data ainda a ser definida, ela também promoverá o lançamento do trabalho de estreia de uma voz, também de 21 anos, igualmente cheia de planos e expectativas: a de Francisco Eller, o Chicão, filho da cantora, que defende canções de sua autoria, na voz e no violão, com o projeto Chico Chico 2 x 0 Vargem Alta.

Inaugurado em 2012 com o lançamento da canção "Flor do sol" (gravação inédita de uma composição também inédita de Cássia, incluída no disco póstumo "Do lado do avesso"), o Porangareté é uma iniciativa de Eugênia (companheira da cantora), junto com Chicão e com Rodrigo Garcia, amigo de Cássia desde 1992 e violonista de sua banda no ano de 1997.

Primeiro álbum totalmente Porangareté (palavra tupi-guarani extraída da letra de "Flor do sol"), "O espírito do som, vol.1" recupera uma fita cassete que Cássia Eller gravou em 1983 para a então namorada, a jornalista Elisa de Alencar.

- Eu tinha um três-em-um no quarto, a Cássia ia lá, botava um microfone e gravava suas músicas, só na voz e no violão - conta Elisa. - Eu ia viajar, e ela pediu para eu levar essa fita para o meu irmão, Pedro, que era artista plástico em Olinda. Ouvimos com alguns amigos dele e eles ficaram impressionados com a voz da Cássia.

Na fita, estavam, além de "For no one", outras duas dos Beatles ("Golden slumbers" e "Happiness is a warm gun"), um clássico de Billie Holiday ("Good morning heartache"), "Ne me quitte pas" (Jacques Brel), "Sua estupidez" (Roberto e Erasmo Carlos), "Ausência" (Ednardo), "Segredo" (Luiz Melodia) e "Airecillos" (Marlui Miranda). Foi Pedro quem achou o cassete no ano passado, em uma caixa.

- Aquela fita era meio que um roteiro para um show. Cássia também já cantava de uma forma delicada, como se pode ouvir nas músicas do Ednardo e da Marlui - conta Elisa.

Eugênia dá a sua justificativa para o lançamento de um registro tão bruto de Cássia (que virá, no CD, com a reprodução dos manuscritos da cantora com letras e acordes das canções).

- Essa fita tem valor sentimental, é uma Cássia jovem. Como eu acho ótimo ouvir, creio que as pessoas também vão gostar.

A guardiã da memória da cantora, aliás, tem tido muito com o que se animar. Em 29 de janeiro, estreia "Cássia", documentário de Paulo Henrique Fontenelle. Junto com isso, ela viu Chicão gradualmente deixar de lado a timidez (herdada da mãe) e se dedicar à carreira musical. Há menos de um mês, na surdina, ele pôs no Soundcloud parte da produção. Entre as gravações (que deverão entrar no álbum), há temas instrumentais ("Capona V", "Billy"), um blues clássico de Skip James ("Hard time killing floor blues"), os meio-blues "Nada mais" e "Notas de cem", o folk "De manhã cedo (a cara do medo)" e baião "Amor pra dar".

- Não sei como não me arrependi de ter colocado essas músicas lá no Soundcloud... - brinca Chicão. - Mas, uma hora, elas tinham que sair.

O nome do projeto de Chicão - 2 x 0 Vargem Alta - vem de uma gíria muito peculiar e inexplicável de São Pedro da Serra, pacata localidade da região serrana fluminense, onde Rodrigo Garcia mora há quase 20 anos, e onde vários músicos amigos (Cássia, integrantes de suas bandas, o filho, o ex-Plebe Rude Jander Ribeiro) acabaram achando refúgio e a atmosfera ideal para criar. Lá, no meio do mato, Chico foi gravando aos poucos, com produção de Rodrigo, as suas músicas. Em "Hard time killing floor blues", o barulho dos grilos do lado de fora da casa foi preservado na mixagem definitiva.

- Temos aqui uma acústica boa, que não existe nos estúdios grandes, onde o som fica abafado, morto - defende o parceiro de selo (de produção e de violões) do filho de Cássia.

- Esse disco tem um lado que é muito pessoal. Já tive outras bandas, que me serviram pra saber o que eu não quero, num bom sentido. Eu sempre gostei de escrever, meus amigos também - adianta o rapaz.

- O Chico tinha algumas composições aqui e ali, a maioria só no violão. Este ano, fiquei impressionado com as "músicas novas" que ele provavelmente escondeu durante um tempo. Esse lado poeta só surgiu, pra mim, uns meses atrás. Provavelmente ele já escrevia algumas coisas no caderninho secreto - entrega o amigo Miguel Dias, que tocou baixo em algumas das faixas.

Antes do disco do 2 x 0, a programação do Porangareté inclui o lançamento de dois outros álbuns. O primeiro deverá ser o "Ao vivo em Niterói", da cantora Júlia Vargas, que frequenta São Pedro desde os 14 anos, e que Rodrigo descobriu quando ela fez teste para vocalista de sua banda de música regional, a Nó Cego.

Conhecida por suas recentes participações nos shows de Milton Nascimento, Júlia gravou "Ao vivo", em 10 de abril, no Teatro Municipal de Niterói. Ela canta Milton ("Caxangá", "Cravo e canela", "Ponta de areia"), Cátia de França ("Minha vida é uma rede") e Gilberto Gil ("Onde o xaxado tá"), acompanhada pelos Barnabés, banda com Rodrigo, Jander, Alex Merlino (baterista de Cássia) e Marcelo Bernardes (sopros) - todos assíduos das rodas musicais de São Pedro.

- É uma trupe que já está junta há muitos anos e só agora conseguiu se consolidar num selo - comenta Júlia.

O outro disco é "Estrada de chão", em que o blues, o folk e a música interiorana brasileira se encontram nas violas e vozes de Rodrigo Garcia e Jander Ribeiro - o Ameba, que foi vocalista e guitarrista da Plebe Rude, e que depois trabalhou como diretor de palco de artistas consagrados. Em 1994, Lulu Santos lhe deu uma viola caipira, o que mudaria a sua vida.

- Já ouvia Xangai, os repentistas, essa foi minha formação - admite Jander, cuja irmã mais velha, Janete, chegou a cantar com Cássia Eller em Brasília. - Eu era punk, vivia na rua o dia inteiro, e não tive proximidade com a Cássia naquela época.
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