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Quinta-feira, 18 de abril de 2024

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Projeto chavista enfrenta encruzilhada dois anos após morte do líder

Passados dois anos desde a morte de Hugo Chávez, a Venezuela está em uma encruzilhada. Crise econômica, escassez de produtos básicos, a mais alta inflação do continente e a volta do fantasma do golpe de Estado ampliam a tensão política em torno da Presidência de Nicolás Maduro.


A imagem de Chávez continua presente em todas as partes do país e se mantém como alicerce do projeto governista. É o caso de um mural colorido, gigantesco, retratando o ex-presidente com uma mochila nas costas nas paredes de um edifício no bairro popular de Catia, oeste da capital.

"A mochila com o legado de Hugo Chávez é pesada, nela estão nossos sonhos", afirma o muralista Luis José Ordaz, que passou dois meses e meio pendurado num andaime para pintar o mural.

No atual momento de crise de um projeto político feito à medida de Chávez, a imagem onipotente construída pelo próprio ex-presidente ao longo de seus 15 anos no poder ainda lhe atribui faculdades especiais para momentos como a atual. E a população não demonstra o mesmo apreço por Maduro, herdeiro político do projeto bolivariano.

"Duvido que com ele (Chávez) isso (a crise) estaria acontecendo", afirmou Lucía Guevara, de 41 anos, enquanto aguardava na fila de uma quitanda no centro de Caracas para comprar leite e farinha de milho. "O problema não é o Maduro em si, mas a falta de comando."

Desgaste
A escassez de produtos e a inflação, que afetam diretamente o bolso da população, são os principais alvos de críticas e, ao mesmo tempo, o termômetro da gestão de Maduro, cuja habilidade de "administrador" está em questionamento.

O panorama econômico se complicou quando Maduro se viu obrigado a negociar com diferentes grupos e correntes do chavismo para tomar decisões, incluindo a unificação do sistema cambiário - medida que implicaria uma desvalorização da moeda -, aumento da gasolina e cortes no gasto público.

"Maduro nem de longe tem a popularidade de Chávez ou a capacidade de pedir à população que aceite medidas de ajuste econômico que podem ter custos no curto prazo (mesmo que) resolvam o problema a longo prazo", afirmou à BBC Brasil o analista político Luis Vicente León, da consultoria Datanalisis.

Os problemas econômicos colocam em debate a viabilidade do projeto de "Socialismo do Século 21" idealizado e liderado por Chávez.

"Há um desgaste do projeto bolivariano", diz Miguel Tinker Salas, professor de história latino-americana da Pomona College, da Califórnia. "O país herdou problemas que Chávez não resolveu e que agora são agravados pela queda do preço do petróleo (principal fonte de recursos do país)."

Aliado à queda do preço internacional do barril de petróleo - cujos efeitos serão sentidos na prática a partir de abril -, o controle cambiário vigente desde 2003 tem servido nos últimos anos para facilitar a evasão de divisas, em vez de conter a fuga de capitais.

As regras estabelecidas pelo Estado - único provedor de dólares - para que o setor privado importe produtos se converteu em um gigantesco esquema de corrupção.

O Bank of America estima que a Venezuela perca anualmente US$ 13 bilhões na fuga de capitais. Analistas econômicos consideram que a evasão poderia ser controlada com a unificação dos três tipos de cambio vigentes, cuja disparidade é de 27 vezes entre a menor (destinada a medicamentos e alimentos) e a maior cotação.

Base
Na base chavista há descontentamento, mas não há rupturas. Para a população beneficiária das políticas sociais do governo, o projeto à direita, defendido pela oposição, desperta temores de retrocesso em direitos básicos alcançados, como saúde, moradia e educação.

Essa preocupação tem motivos: de acordo com a Cepal (Comissão da ONU para a América Latina e Caribe), a pobreza na Venezuela aumentou no último ano, passando de 25,4% da população em 2013 para 32,1% em 2014.

"Nosso problema não é o modelo. Nosso problema é de gestão", opinou à BBC Brasil o ex-ministro Héctor Navarro, que foi retirado da direção do Partido Socialista Unido da Venezuela logo após criticar a falta de espaços de debate entre a base e a cúpula chavista.

Má gestão e a corrupção - amplificadas pela impunidade - são os principais aspectos apontados pelo ex-ministro quanto às dificuldades de Maduro.

"Se nós não somos capazes de garantir os medicamentos nos hospitais do próprio Estado, o que estamos fazendo? Se entregamos os dólares para importar esses medicamentos a empresas que no final não os trazem (desviam os dólares para serem revendidos ao mercado paralelo de divisas), a culpa é nossa. Porque aí há ineficiência, sim", acrescentou.

'Governo sitiado'
Além da crise econômica e da dificuldade em substituir Chávez, o historiador Miguel Tinker Salas considera que o governo de Maduro esteve "sitiado" desde sua eleição e vê paralelismo entre esses dois primeiros anos com o período que antecedeu o golpe de Estado contra Hugo Chávez, em 2002.

"Em fevereiro de 2014, um setor da direita novamente tentou desestabilizar o país tentando remover Maduro utilizando métodos violentos e anti-democráticos".

Maduro optou por fechar o cerco a seus adversários políticos, acusados de planejar um golpe "continuado" que supostamente foi desarticulado no início de fevereiro.

Entre os supostos envolvidos estaria o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, que foi preso, acusado de conspiração contra o governo.

A medida foi vista pela oposição como um cerco para enfraquecer a coalizão de oposição em um ano de eleições parlamentares, cujo pleito, esperam, pode desafiar a hegemonia chavista no Parlamento. E o alto comissário da ONU para Direitos Humanos, Zeid Raad al-Hussein, criticou a prisão de opositores e a repressão da polícia venezuelana.

"A Venezuela está numa encruzilhada, não somente o projeto político do governo", disse Miguel Tinker Salas. Na avaliação do historiador, a atual crise econômica evidencia a manutenção da dependência econômica em relação ao petróleo "e esse assunto terá que ser enfrentado por quem estiver no poder".

"Há setores que apostam na ingovernabilidade sem entender os danos que isso gera ao país a curto e longo prazo."

Luis Vicente León considera que, para sair da crise, Maduro precisa de um grande pacto nacional com o setor privado. Tinker Salas concorda, mas pondera. "Houve uma tentativa de diálogo no ano passado, mas há setores da oposição que preferem apostar na crise."
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