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Notícias / Economia

Mundial do surreal: preços de produtos e serviços decolam nas cidades-sede

O Globo

 BELO HORIZONTE, BRASÍLIA, CUIABÁ, MANAUS, RIO DE JANEIRO e SALVADOR - As praias do Rio, as festas de São João do Nordeste, a floresta amazônica bem pertinho, o frio de Curitiba: as atrações off-Copa para os turistas que vieram para o Mundial no Brasil variam muito, de estado para estado, mas um item tem sido comum de Norte a Sul do país, e assustado os torcedores tanto quanto os rivais em campo — os preços praticados nas 12 cidades-sede. Os exemplos da inflação padrão Fifa são variados: há hotéis que quadruplicaram o valor das diárias, estacionamentos que resolveram cobrar R$ 100 nos dias de jogo, e churrascarias que abandonaram a cortesia do show típico gratuito (agora, valem R$ 15). Na hora de comer, o nó no estômago é quase certo: comerciantes atacam com cobranças surreais, e um modestíssimo salaminho pode sair a R$ 44, enquanto um copo de limonada vale R$ 10,50.

Se a bebida for alcoólica, então, o preço vai às alturas. Nos bares de Belo Horizonte, é possível encontrar garrafa de vodca nacional a R$ 149. A garrafa de cerveja sai a R$ 10 nos bares da Zona Sul, enquanto, no Rio, já tem long neck sendo oferecida a R$ 13. E é claro que os acompanhamentos não ficariam de fora dos preços indigestos. Em Belo Horizonte, tem porção de contrafilé a R$ 104, e castanha de caju a R$ 119, 93 o quilo. Os turistas não escondem o espanto. Os amigos colombianos Edgar Ospires, publicitário, Christian Herrera, engenheiro, e Leon Suarez, economista, foram ver a Copa, mas também aproveitando a noite de Minas Gerais. E acabaram pagando R$ 50 apenas para entrar numa festa no Mercado das Borboletas, no Centro da cidade, quase o preço das entradas mais baratas para as partidas da Copa, a R$ 60.

— O copo de catuaba ou de cerveja custava R$ 10, cada. Com esse dinheiro, dá pra comprar mais que uma garrafa inteira — reclamava Leon.

No caso de Belo Horizonte, os sustos começam já no aeroporto, onde as lanchonetes são famosas pelos preços salgados. No Tancredo Neves, em Confins, um sanduíche de frango custa R$ 17, e um pacotinho de chiclete, vendido normalmente por, no máximo, R$ 1,50, salta para R$ 3,90.

NO RIO, JARRA DE SUCO A R$ 52 E ESTACIONAMENTO A R$ 100

No Rio de Janeiro, nem é preciso a Copa para turistas ficarem assustados com os preços da cidade. Em Santa Teresa, uma casa com vista de tirar o fôlego deixa também sem ar quem pede uma jarra de suco de abacaxi, de 1,5 litro. São R$ 52 na conta. Na Lagoa, um quiosque cobra taxa de rolha de R$ 250 a quem quiser levar o próprio uísque ou vodca. Não à toa, o cardápio informa que as formas de pagamento são dinheiro, cartão de crédito, cheque ou joias. Perto do Maracanã, parar o carro é um desafio em dias de jogos: teve estacionamento na Rua São Francisco Xavier cobrando R$ 100 no último domingo. A um quilômetro dali, na Rua Moraes e Silva, é possível encontrar uma “promoção”, um estacionamento rotativo que cobra R$ 50 por vaga nos dias de jogos no estádio. Na Fifa Fan Fest, na Praia de Copacabana, tem cerveja entre R$ 10 e R$ 13.

— É muito triste pagar tão caro. Além, obviamente, da comida, o transporte público foi o que mais nos chamou atenção, pois é três vezes mais caro do que pagamos na Cidade do México. Sabíamos que os valores seriam altos, mas nem tanto — diz a mexicana Claudia Martin del Campo.

O argentino Ariel Piena faz coro:

— Precisamos economizar cada centavo. O valor das cervejas é absurdo. Elas não valem isso tudo.

Na capital do país, a Copa do Mundo também fez crescer os olhos do comércio e de prestadores de serviço. Diante da oportunidade de faturarem no período do Mundial, muitos procuraram reajustar suas tabelas, e um caso foi parar até nos tribunais. A Câmara Legislativa do Distrito Federal aprovou um projeto, e o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), transformou em lei o direito de os taxistas cobrarem bandeira 2 entre o exato período de 10 de junho a 15 de julho, coincidentemente época dos jogos da Copa. O Ministério Público questionou, e a Justiça cassou o que entendeu ser uma prática abusiva. Uma corrida de táxi do Setor Hoteleiro de Brasília até o Taguaparque, onde ocorre a Fan Fest da Fifa, por exemplo, passaria de R$ 55,14 para R$ 68,94, uma diferença de R$ 13,80. Para os procuradores, a autorização para essa cobrança foi “oportunista”.

Além de oportunista, um artesão que vende seus trabalhos na Esplanada dos Ministérios, é também sincero.

— Qual o preço? — perguntou um repórter do GLOBO, interessado numa maquete do estádio Mané Garrincha.

— Varia. Pode ser R$ 30, R$ 40 ou R$ 50. Depende do freguês — disse o artesão.

Em Brasília, tem gente que nem tenta disfarçar a alta de preços. Num quiosque de atendimento aos turistas e de venda de passeios, num shopping no Centro da cidade, um dos panfletos anuncia um passeio de barco no artificial Lago do Paranoá. Uma rasura feita a caneta revela o salto de R$ 30 para R$ 35, por pessoa. O city tour em ônibus duplos, abertos em cima, também sofreu alterações: custava R$ 25, e, agora, exatamente o dobro. Perguntado se não era R$ 25, o motorista responde:

— O preço no site está errado. O valor é esse mesmo.

No quiosque que vende os bilhetes, a responsável negou que o aumento tenha relação com a Copa do Mundo.

— Já é esse preço faz tempo. Não tem nada a ver — defende ela.

Em Cuiabá, onde tem restaurante cobrando R$ 42 por porção com 12 bolinhos de bacalhau, o aumento de preços é percebido principalmente nos hotéis. Uma diária durante a Copa sai por R$ 1.200 num hotel quatro estrelas, valor que cai para R$ 300 logo após o Mundial.

Em Porto Alegre, houve o mesmo movimento. Os hotéis aumentaram as diárias médias em mais de 60% nos dias anteriores e posteriores aos jogos. O presidente do Sindicato da Hotelaria e Gastronomia de Porto Alegre, Carlos Henrique Schmidt, tenta explicar o reajuste. Segundo ele, o comércio varejista ganha mais em volume de vendas e, por isso, pode manter os preços sem perder a oportunidade que os turistas representam.

— Para os hotéis é um evento menor, já que muitos turistas improvisam hospedagem em casas particulares, pensões e até campings. Então, alinhar os preços é uma estratégia compreensível — alegou.

Fora da rede hoteleira, o Procon já identificou abusos em Porto Alegre: as cervejas, dependendo da marca, tiveram alta de 18%, passando de uma média de R$ 8, a versão de 600ml, para R$ 9,50. A água teve a maior variação percentual, chegando a custar até 40% a mais do que a cotação normal.

Os pratos típicos também aumentaram em várias cidades-sede. Em Porto Alegre, churrascarias subiram o preço em 15% e passaram a cobrar à parte o couvert artístico para os shows típicos, que eram gratuitos, e, agora, custam R$ 15.

ACARAJÉ AGORA SAI A R$ 10

Em Salvador, o acarajé virou o vilão da vez. No Pelourinho, há barracas de baianas vendendo o quitute por até R$ 10, dependendo do sotaque e da aparência do cliente. Antes da competição, o preço do acarajé vendido nas ruas de Salvador raramente passava de R$ 7.

— Eu tenho achado tudo muito caro no Centro Histórico — diz a capixaba Suely Nunes, em Salvador para visitar a família e aproveitar o clima da Copa. — Venho muito para cá, então sei que as coisas não costumam custar tudo isso.

Em Manaus, um sanduíche de queijo com presunto custa até R$ 20, e tem hotel cobrando R$ 500 de diária sem oferecer sequer água no frigobar. Em Fortaleza, há bares, na Praia do Futuro, uma das mais movimentadas, cobrando até R$ 12 por uma garrafa de cerveja de 600ml. Nas barracas, a reclamação é em relação ao preço do caranguejo, que se era visto por R$ 2 ou R$ 3 antes do período do Mundial, agora está em torno de R$ 5.

Em Curitiba e Natal, no entanto, os visitantes deram mais sorte. Na cidade do Sul, as caipirinhas continuam custando entre R$ 4 a R$ 8, em média. Um almoço “normal” no Centro da cidade sai, em geral, por R$ 20, incluindo a bebida e o cafezinho, cortesia em muitos locais.

— Não senti preços altos, aqui está mais barato que em Brasília, onde estive antes — afirma o equatoriano radicado no Panamá Javier Carrera, que não estranhou nem mesmo a cobrança de entrada que alguns bares mais badalados fazem, de cerca de R$ 15, mas que é prática comum da cidade, mesmo antes da Copa.


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