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Após recentes casos de bullying em MT, psicóloga alerta para necessidade da família estar apta a detectar problemas

Da Redação - André Garcia Santana

Dois casos recentes de bullying registrados em Cuiabá trouxeram à tona a realidade de crianças expostas a diferentes formas de agressão e preconceito por parte de colegas e profissionais despreparados. A situação, parte da realidade de muitas crianças, expõe uma série de fragilidades educacionais e causa prejuízos ao comportamento das vítimas e dos responsáveis pelas ações.  De um lado, a retração e o medo, do outro a falta de desenvolvimento da empatia.
 
No primeiro registro, J.V.,um garoto surdo de 11 anos foi amarrado por quatro alunos mais velhos no banheiro da Escola Estadual Salim Felício, no bairro Parque Cuiabá, na Capital. A situação foi registrada na manhã do dia 26 de junho, uma segunda-feira. Durante a ação, os envolvidos, com idades de 13 e 14 anos, ainda teriam ameaçado colocar a cabeça do estudante na privada.

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A segunda ocorrência, exposta no Facebook, foi narrada por Nayara Oliveira, mãe da pequena Ana Luiza, também de 11 anos. Ao  Olhar Direto ela disse  que a filha não quer mais voltar para a escola, que fica na região do Osmar Cabral, por conta do bullying que estaria sofrendo dos colegas e até do coordenador da unidade de ensino. O caso foi denunciado na última quarta-feira (05), após ela fazer uma publicação no Facebook. “Dizem que o cabelo dela é para-raio e Bombril, ela não quer nem mais soltá-lo com vergonha”. Em um outro episódio, a garota teve a mão cortada por um dos colegas. “Não fizeram nada”, reclama a mãe.

De acordo com a psicóloga Carla Campos, neste cenário, os principais pontos são o diálogo e comprometimento da família em participar da vida escolar da criança ou do adolescente, independente da idade. “Às vezes o que se tem é a ideia errônea de que a medida em que a criança vai crescendo, ela não precisa mais dessa presença. Mas essa atenção tem que nos acompanhar até a vida adulta, em níveis diferentes, claro.”

Ela também explica que a escola é um multiplicador de preconceitos e também de coisas boas, a depender de como a comunidade escolar direciona sua atuação. Portanto é obrigação de todos contribuir e vigiar para a construção de um ambiente mais empático e inclusivo. O processo deve levar em consideração o alinhamento entre os princípios da família e os apresentados pelas instituições.
 
“Se os pais percebem o problema e a escola não lida da forma correta, se demonstram princípios diferentes dos que são aprendidos em casa, talvez esta não seja a melhor instituição para a criança”. Também é importante estabelecer o que é brincadeira e o que é violência, para que os alunos compreendam quando atitudes passem dos limites. “Brincadeira só brincadeira quando todos estão se divertindo. Se alguém sai triste, isso é uma violência”, reforça.
 
A psicóloga alerta que um dos principais sinais demonstrados pelas vítimas é o isolamento, causado pelo medo de se relacionar com os colegas. Para elas, estar com outro se torna algo desafiante, sendo necessário trabalhar para que consigam se recolocar novamente no mundo. Em casos mais graves, os menores podem desenvolver quadros de depressão, muitas vezes negligenciados pela família.
 
“Às vezes as práticas chegam a níveis tão intensos que podem causar danos maiores, como a depressão infantil. Infelizmente, como na maioria dos casos de saúde mental, a doença é banalizada, mas faz parte da realidade de muitas crianças.”

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Ela também sugere algumas perguntas simples para serem feitas às crianças, deixando-as mais confortávies e promovendo uma abertura para que os responsáveis possam entendem melhor o que afeta suas rotinas. "O que aconteceu de mais legal na escola hoje? O que te fez rir na escola hoje? Se você pudesse escolher, com qual colega se sentaria para fazer as atividades na sala de aula? Se eu fosse conversar com sua professora agora, o que você acha que ela falaria de você? Me diga alguma coisa que você aprendeu hoje?". Estes são alguns exemplos de abordagem. 
 
 E quem pratica?
 
Já em âmbito policial, quando o bullying assume caráter mais grave, os infratores podem responder por situações análogas aos crimes de constrangimento, ameaça e lesão corporal. Sendo assim, as punições também variam de acordo com a gravidade das infrações podendo ser convertidas em advertências, prestação de serviços à comunidade, pagamento de cestas básicas e até internação.

De acordo com a delegada titular da Delegacia Especializada do Adolescente (DEA), Anaíde Barros, como o bullying não é tipificado como crime, há poucos registros específicos sobre a situação. “Começa sempre como constrangimento, aí vai evoluindo. Quando essas ocorrências chegam, nós ouvimos os envolvidos, colhemos provas e encaminhamos ao Ministério Público, que verifica o conteúdo e analisa se denuncia ou não o menor.”

Na avaliação da psicóloga a punição não é único caminho a ser considerado nestes casos, uma vez que a criança ou adolescente que pratica o ato normalmente apresenta algum tipo de problema em seu histórico. Assim, como em um ciclo de opressão, muitos estão expostos a situações de violência, física ou verbal, dentro de suas casas, reproduzindo estes comportamentos na escola. “A criança vê o pai gritar com mãe, que briga com o irmão, que bate nela, que desconta em um colega menor.”
 
É preciso então que os responsáveis repensem seus papéis e condutas junto aos pequenos, enxergando em quais pontos a violência se apresenta e praticando com eles o exercício da empatia. “Se você demonstra que é batendo que se resolve as coisas, claro que a criança irá assimilar isso e levar para fora. É importante também vigiar e enxergar a violência velada, muitas vezes vista como brincadeira”, explica.
 
Ações para conter o bullyng na rede pública
 
A Secretaria de Estado de Educação (Seduc), não possui um banco com dados referentes a números específicos de casos bullyng, uma vez que, em situações mais graves, os infratores são encaminhados à Polícia. A Pasta destaca que em 2017 foi implementado o projeto ‘Anjos da Escola’, um programa com diversas ações integradas para promover a cultura de paz e reduzir a evasão das unidades por meio de ações que combatam a indisciplina, infrenquência e infração.

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A equipe tem realizado um diagnóstico das unidades com maior índice de infrações para aumentar a prevenção, com como palestras, capacitações e cursos para a prevenção ao uso de álcool, tabaco, crack, entre outras drogas. Pais e professores também estão sendo capacitados para identificar e prevenir as situações de risco. Além disso, os projetos que funcionam no contra turno das aulas, como o Rede Cidadã, desenvolvido pela Polícia Militar, vem sendo ampliados.
 
Os trabalhos são realizados em parceria com a Rede de Proteção Integral, formada pelos parceiros do programa (Ministério Público, Vara da Infância e Juventude, PROCEVE); Poder Judiciário-MT (Núcleo de Mediação e Conciliação de Conflitos); Defensoria Pública (Núcleo de Mediação e Conciliação de Conflitos); SES-MT - Programa de Saúde na Escola (PSE); SSP:Polícia Militar (Rede Cidadã, Proerd, Batalhão Escolar) /Polícia Civil (Delegacia da Infância e Juventude); Conselho Tutelar; e CRAS).
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