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ENTREVISTA

Pesquisador ressalta que reforma de pastagens em Mato Grosso deve ser planejada

Estima-se que Mato Grosso tenha 11 milhões de hectares de pastos com algum grau de degradação, número que representa mais de 40% da área ocupada pela pecuária no estado.

22 Out 2012 - 08:08

Gabriel Faria - Embrapa Agrossilvispastoril

Foto: Olhar Direto - arquivo

Pesquisador ressalta que reforma de pastagens em Mato Grosso deve ser planejada
Com o início do período chuvoso, muitos pecuaristas estão iniciando a recuperação de suas pastagens. Estima-se que Mato Grosso tenha 11 milhões de hectares de pastos com algum grau de degradação, número que representa mais de 40% da área ocupada pela pecuária no estado.

Para o pesquisador da área de forragicultura da unidade mato-grossense da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Agrossilvipastoril), Bruno Pedreira, o momento é o de colocar em prática aquilo que foi planejado com antecedência e não para ações imediatas sem nenhum planejamento prévio. De acordo com ele, o pecuarista precisa profissionalizar sua atividade, trabalhando de maneira estratégica, planejada e com base em dados concretos da fazenda.

Na entrevista que segue, o pesquisador fala sobre a forma correta de se fazer a recuperação das pastagens, a importância da escolha do tipo de forrageira, quais as etapas devem ser seguidas pelo produtor e quais as possíveis estratégias a serem adotadas na recuperação. Ele ainda fala sobre o Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), que visa reduzir as emissões de carbono pela agricultura brasileira e que tem a recuperação de pastagens degradadas como um de seus principais pilares.

O período chuvoso está começando. É a hora de o produtor iniciar a reforma de suas pastagens?

Bruno Pedreira: Agora seria o momento da execução. Eu não diria que hoje é o momento de começar a planejar o que vou fazer na safra 2012/2013, mas é a hora de executar o que foi planejado pra este ano. Planejamento este que deveria ter se iniciado lá trás, ao fim do último período chuvoso, com análise de solo. Esta análise vai para o laboratório, demora vinte a trinta dias pra voltar, dá tempo de você se planejar e definir, em função do que essa análise traz, qual a quantidade de insumos que você precisa aplicar em cada um dos pastos. Além disso, tem todo o esquema de logística e de custo do frete para trazer o calcário. Então essa é uma parte do planejamento que precisa ser feita nos seis meses antes do período que se inicia a reforma das pastagens.
Quais os procedimentos que o produtor deve seguir para fazer esta reforma?

BP: O que a gente espera é que ele já tenha feito a análise de solo e esteja com o calcário na fazenda. Agora é a hora que ele vai começar a distribuir esse calcário, se é que ele já não o fez no mês de setembro. À medida que as chuvas iniciam, o calcário começa a reagir com o solo e a correção acontece de maneira paulatina. A gente espera que o produtor já tenha hoje na fazenda o calcário, o trator, a mão de obra, que a semente já esteja comprada, que tenha sido tomada a decisão de que capim vai ser plantado neste momento e de que estratégia vai usar na recuperação. Por exemplo, em tempos de plantio direto e de integração lavoura-pecuária, boa parte dos pecuaristas opta por fazer reforma usando agricultura, isso reduz o custo de recuperação dessa pastagem. Em alguns casos, levando o custo a muito próximo de zero. Isto porque você coloca adubo para a soja ou milho, faz adubação de cobertura, corrige o solo e, quando você retira essa cultura do campo, tem um pasto estabelecido em baixo e sobra praticamente só o custo da semente desta pastagem.

O arroz também tem sido uma cultura utilizada para a recuperação de pastagens?

BP: Usa-se muito o arroz em terras recém abertas, terras mais jovens, onde ainda há problemas de solo com características ruins. Solos em que a soja não iria bem. Mas, em lugares agricultáveis, onde alguma correção já foi feita, pode-se partir direto para a soja, o milho ou mesmo milheto e sorgo, culturas com as quais você pode adiantar o pastejo.

No caso um produtor de leite há a possibilidade de se recuperar a pastagem fazendo silagem?

BP: Sim. Se for um produtor de pequeno porte ou que tenha alto valor agregado no animal, pode-se plantar milho na safra, ao invés de soja. Colhe-se este milho antecipadamente fazendo a silagem, que servirá de alimento para os animais na estação seca. O pasto é formado em menor tempo e rapidamente o tem estabelecido. Há também a questão do pequeno produtor que nem sempre tem escala pra produzir soja ou milho grão, por exemplo. Então pode-se plantar milho para silagem, ou sorgo e milheto que são para pastejo. Há culturas que podem ser usadas de maneiras distintas, em função da ferramenta que você tem para utiliza-la.

Como você disse, o ideal seria ter a amostra de solo antes das chuvas. Mas caso algum produtor não tenha feito este planejamento, ainda dá tempo de fazer a reforma das pastagens sem comprometimento do resultado?

BP: Existem muitos produtores que não se planejaram e vão começar a fazer isso agora, quando as chuvas começam. Isto é muito comum. A dificuldade que a gente tem com isso é que, ao se fazer a análise de solo agora, levará três ou quatro semanas para o resultado ficar pronto. Só então se sabe qual quantidade de calcário você precisa, para ainda ter de comprá-lo. Este calcário será distribuído no fim de novembro. Pode até ser feito uma semeadura rapidamente, logo depois que se aplica o calcário. O problema é que o calcário precisa de certo tempo em solo para que começar a reagir. Se você planta uma semente agora, em um pasto em que o calcário não fez o que devia ser feito, a planta fica exposta a uma acidez muito forte. A grande dificuldade é o tempo para que seu calcário reaja no solo tornando-o menos acido, disponibilizando cálcio, magnésio e fazendo com que o solo fique propício a uma boa semeadura.

Sem planejamento, então, o resultado da recuperação fica comprometido?

BP: O que precisamos fazer em Mato Grosso é trazer o planejamento para dentro da pecuária. Se você conversar com o sojicultor hoje, ele não discute mais o plantio desta safra, ele já está comprando a safra 2013/2014. Então, por que nós pecuaristas não podemos entender que pra ter um pasto reformado no mês de outubro ou novembro é preciso planejamento. Fazendo a reforma neste período, maior é a chance de sucesso, de ter uma boa germinação das sementes, que esta planta tenha um rápido estabelecimento, que ela cresça adequadamente em dezembro e janeiro com boas condições de chuva e de sol quente, com condições climáticas para um bom desenvolvimento de plantas. Se correr o risco de fazer o plantio em janeiro ou fevereiro, a minha chance de insucesso é maior. Tem um risco das chuvas pararem em março ou abril. O Ideal é que a gente se planeje. Se eu quero fazer uma reforma de pasto hoje, em outubro de 2012, eu tinha que ter começado a planejá-la três ou quatro meses atrás.

Como saber quando é necessário reformar a pastagem?

BP: Temos alguns números que são usados para isso. É importante que você tenha índices de referência. Geralmente, pecamos um pouco nesse sentido por não mensurar as coisas na nossa propriedade. Nos conceitos de administração dizem que quem não mensura, não administra, uma vez que você não sabe onde esta errando. Pode-se ter uma pastagem reformada hoje e ela suportar três animais por hectare. No ano que vem, se ela estiver suportando apenas um animal e meio por hectare já um indício de degradação. Mas você pode me dizer que um animal e meio ainda é maior que a média do estado. Sim, mas poderia ter três! Então a ideia de mensurar é justamente você ter em mãos números que lhe dizem que está perdendo produtividade. Temos algumas tabelas que dizem que se tiver uma perda de até 20% na minha capacidade de suporte, eu tenho um nível leve de degradação. Perdas de 20 a 50% um nível moderado de degradação. E aí começa o aparecimento de várias plantas daninhas, tem-se perda de vigor, solo descoberto, e isso pode ir adiante se eu não fizer nada. Passa, assim, a ter perdas de 50 a 80%. Com isso, um processo de degradação forte, em que além da perda de vigor, solo descoberto, aparecimento de daninhas, pode-se começar a ter mortes de plantas, inclusive forrageiras e aí é um processo que chamamos de degradação agrícola. Se formos além disso, com perdas acima de 80% da capacidade de suporte, começa a ter problemas de solo descoberto literalmente. Degradação e perda de toneladas de solo que vão embora anualmente por carreamento do solo.

A busca pela recuperação de pastagem não é definida, por exemplo, por tempo. Falamos de uma cultura que é perene. Nós temos alguns pastos no país que são acompanhados há trinta ou quarenta anos que estão lá exatamente como foram plantados. Temos relatos de pastos na Europa, por exemplo, de azevém, ou de trevo, que datam de trezentos ou quatrocentos anos atrás. Se formos para as origens das braquiárias, na África, são plantas que estão nas savanas desde que as savanas existem. Ninguém replantou as braquiárias que estão lá. Então estamos falando de uma planta que é perene e a necessidade de recuperá-la vem do que a gente está fazendo com ela. Posso assumir que estou num sistema de integração lavoura-pecuária, onde terei altas taxas de lotação, onde posso sim usar um pasto por dois anos e levá-lo a sua exaustão, porque eu sei que no ano seguinte plantarei soja em seu lugar. Se falo de um pasto onde vou trabalhar com pecuária de longo prazo, posso partir para uma lotação mais moderada, fazer ajustes de tal forma que não esteja prejudicando aquela planta, que não prejudique o vigor e o potencial de rebrotação dela para o ciclo seguinte. Então, quando eu defino se eu vou ou não fazer uma recuperação, vai muito em função da perda da capacidade de suporte e da produção desta forragem. Índices zootécnicos nos ajudam muito nesse sentido. Se eu amarro isto na questão financeira, sei que na hora que baixo a taxa de lotação, financeiramente o negócio fica negativo. Então eu preciso amarrar isto com o quanto eu deixo de ganhar, o quanto poderia estar ganhando com a pastagem e quanto efetivamente estou ganhando hoje. Isto me diz se vale ou não a pena reformar o pasto.

O que o produtor deve levar em conta na escolha do tipo de planta forrageira?

BP: A escolha da planta forrageira se dá em cima do que nós temos em mãos pra trabalhar. Eu preciso saber com que tipo de solo estou trabalhando, qual a expectativa de produção dessa planta, qual a vocação daquela área que estou trabalhando e qual o nível tecnológico que vou usar. Por exemplo, se estou em um local onde tenho deficiência de drenagem, não posso optar por uma planta que não seja tolerante a baixa oxigenação de raízes. Neste caso, braquiárias como as humidícolas resolvem meu problema. Posso trabalhar com solos arenosos de baixíssima fertilidade, onde não farei nenhum tipo de correção. Aí, por exemplo, os Panicuns não vão me ajudar. Eu preciso, ou corrigir esse solo, ou partir para uma planta tipo Brachiaria decumbens ou humidicola, ou Andropogon. Plantas que não são tão exigentes em fertilidade e que suportariam esta condição de solo mais arenoso com período de déficit hídrico maior. Então veja que não é só escolher uma planta porque eu gosto dela simplesmente. Eu preciso escolher uma planta em função do meu tipo de solo, do meu manejo, do quanto eu espero que ela produza e para que finalidade vou usá-la na minha fazenda. Se eu pretendo fazer pastejo diferido, que é vedar meu pasto ao final da estação chuvosa pra que ele sirva de alimento durante a estação seca, eu não posso ter Panicuns, que são capins com hábito de crescimento muito ereto, que florescem em maio e que vão ser uma forragem de baixa qualidade na estação seca. Para estes casos, posso partir para a Brachiaria brizanta ou Brachiaria decumbens que vão me ajudar a produzir massa, não vão florescer tanto e irão se manter ainda com uma produção de forragem pra que ela possa ser utilizada durante a estação seca.

É importante ressaltar que não devo ter na minha propriedade mais do que 40% da área com uma única planta forrageira. Eu tenho que ter pelo menos três plantas. Justamente porque preciso de uma planta que produza mais na estação chuvosa, uma que permita que eu faça um pasto diferido para usar na estação seca, etc. Além disso, se tiver um ataque de pragas, tenho plantas que são mais ou menos suscetíveis ao ataque. Ter três, quatro ou mais plantas na fazenda é muito importante no ponto de vista estratégico. E é importante ressaltar que jamais se deve colocar duas ou três gramíneas no mesmo pasto. Deve-se definir módulos na fazenda, pois não é possível manejar na mesma pastagem uma planta que vá crescer até 90 cm e uma braquiária que deve ser pastejada com 30 cm. Não é possível acertar os dois no mesmo momento.

E quanto ao consórcio com leguminosas? Pode trazer benefícios aos produtores?

BP: É extremamente bem vindo. Estamos começando com isto em Mato Grosso agora. Hoje, na vitrine de tecnologias da Embrapa Agrossilvipastoril já existem algumas parcelas de leguminosas e a ideia é, em 2013, começar a trabalhar com alguns produtores com a introdução de leguminosas em pastos já estabelecidos. A leguminosa traz um aporte de proteínas para animais e um aporte muito forte de adubação nitrogenada para planta forrageira. Quando temos o consórcio da leguminosa com a gramínea, o que a gente quer ali, mais do que dar proteína ao animal, é fixar nitrogênio para a planta forrageira. Existem leguminosas que podem fixar de 30 kg a até 200 kg de nitrogênio por ano no solo, deixando isso disponível para a gramínea que está em volta. Isto reduz o custo de adubação nitrogenada advinda de petróleo.

É preciso algum cuidado especial com as sementes?

BP: A escolha da semente não é um processo tão complicado. O que é importante é você procurar uma empresa idônea e fazer a compra de uma semente que você conhece e reconhece a qualidade dela. Todo este processo de se ter uma boa analise de solo, uma boa calagem, uma boa correção e um bom estabelecimento pode estar ligado ao insucesso quando se usa uma sementes que não têm boa procedência, que não têm qualidade garantida. O que se espera de uma boa semente é que ela traga seu valor cultural no saco, que ela tenha registro no Ministério da Agricultura e que, quando se plante no campo, tenha-se em torno de 15 a 20 plântulas por m² quando se fala em sementes maiores, como braquiárias, ou entre 35 a 40 plântulas/m² quando se trata de Panicuns.

A reforma da pastagem simplesmente muitas vezes não resolve o problema do produtor. O manejo deve ser feito de maneira diferenciada?
BP: Esse é um ponto crucial, que temos discutido muito dentro do Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), em que há a meta de recuperar dois milhões de hectares de pastagem degrada em Mato Grosso até 2020. Nossa maior preocupação é atingirmos esta meta até 2020, mas já termos outros dois milhões de pastos degradados novamente. Então recuperar é importante, é necessário, mas, mais do que isso, o planejamento da sua propriedade como um todo é de extrema importância. Precisa-se saber como usar a planta. Não adianta plantar uma planta como Panicun, de crescimento muito forte e rápido, que deveria ser pastejado com 90 cm de altura, por exemplo, e deixá-la chegar a 1,5 m ou 2 m, levando à degradação do pasto. Também não se deve deixar de fazer a reposição de nutrientes, deixar de adequar a taxa de lotação, entrar na estação seca sem diminuir o número de animais por hectare, não se preocupar em ter silagem, cana-de-açúcar ou alguma coisa que faça a complementação da alimentação ao longo do ano. Isto sim leva os pastos à degradação e à exaustão.

Falando em Plano ABC, a pastagem degradada é uma grande emissora de gás carbônico. Por que isto acontece?

BP: As pastagens degradadas ou de baixas produtividades são pastagens em que temos poucos animais por hectare emitindo carbono. A expectativa com o Plano ABC é a de se conseguir ter uma pastagem bem formada, com boa cobertura de solo. Isso significa plantas fazendo fotossíntese, assimilando carbono. Em um pasto bem formado, fala-se em 5 a 10 toneladas de raízes na forma de carbono fixado nesse solo. Plantas que produzem de 20 a 40 toneladas de matéria seca por ano e que talvez metade fique no solo em forma de matéria orgânica, uma vez que não conseguimos aproveitar tudo isso. Mas a ideia é ter uma pastagem que incremente o carbono, que se consiga ter mais animais na área. Com o boi tendo mais forragem pra comer e de melhor qualidade, ele ganha mais peso, vive menos no campo e emite menos metano no tempo e espaço. A ideia é sair desse boi que esta morrendo entre 36 e 48 meses e trazer ele para 20, 24 ou 30 meses, isso vai dar ganho na redução do carbono na pecuária.

A recuperação de pastagem faz parte do Plano ABC. Como isto ajuda o produtor que pretende recuperar suas áreas?

BP: O plano ABC tem a meta é recuperar 15 milhões de hectares de pasto no país. Em Mato Grosso são dois milhões. Meio milhão até 2015 e um e meio de 2015 a 2020. A recuperação de pastagem é a maior responsável pela mitigação de carbono, com cerca de 60% da mitigação total do Plano. Hoje existe a linha de crédito do Programa ABC, junto ao Banco do Brasil, com taxas de jutos que chegam até 5%, com períodos de carência de até 12 anos, e cada produtor com limite de até R$ 1 milhão de reais por CPF. Isto, obviamente, é avaliado caso a caso. É uma linha de bom potencial, ela tem o benefício de que se você partir pra uma recuperação de pastagem com uso de árvores, pensando num sistema silvipastoril, sua carência fica ainda maior.

Neste processo de recuperação das pastagens é importante que o produtor seja assistido por um técnico?

BP: Este é um item que pode separar o sucesso do insucesso no processo de recuperação de pastagem. Ter uma boa recomendação de adubação, boa correção de calcário, boa ajuda na escolha da semente, nas técnicas de preparo de solo, de como conduzir essa recuperação. O apoio de um técnico nesse processo é muito importante. Hoje temos alguns programas como a Capacitação de Técnicos da Cadeia do Leite no estado, com cerca de 50 técnicos já treinados. E também já tivemos alguns módulos da capacitação de técnicos do Plano ABC em Querência, Rondonópolis, Campo Novo do Parecis, Sinop e Cuiabá. O Ministério da Agricultura, o governo de Mato Grosso e a Embrapa estão trabalhando na capacitação das pessoas e uma serie de cursos estão sendo realizados para que estes técnicos estejam aptos a ajudar os produtores na reforma das pastagens.
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