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Terça-feira, 19 de março de 2024

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sem agrotóxicos

Sem 'crise de abastecimento', assentados da reforma agrária vendem produtos orgânicos em Cuiabá

Foto: Rogério Florentino Pereira/Olhar Direto

Cesar Ferreira da Costa

Cesar Ferreira da Costa

Cesar Ferreira da Costa mudou-se há vinte anos, com a família, para um assentamento próximo à Tangará da Serra. Na época, tinha apenas sete anos de vida, e o local, chamado ‘Antônio Conselheiro’ havia sido conquistado há cerca de um ano. O que antes era uma terra improdutiva, chamada fazenda Tapirapuã – que já foi até de Marechal Rondon - hoje é casa de mais de mil famílias, que produzem banana, mandioca, abóbora, maxixe, quiabo, jiló, além de derivados do leite, tirado das vacas leiteiras, e criam gado de corte e suínos. Alguns destes produtos ficam expostos até aquarta-feira (30), na feirinha da Jornada Universitária da Reforma Agrária (JURA).

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“Foi o processo de luta, organizado pelo MST. As pessoas acamparam e lutaram pelos seus direitos pra adquirir aquela parcela de terra. Era uma terra improdutiva, que não cumpria com suas funções”, conta Cesar, que vive até hoje no assentamento, com seu pai, sua mãe e seu irmão de dezoito anos. Os produtos que vende em sua barraca na feirinha, são todos oriundos da produção da cooperativa existente dentro do Antônio Conselheiro.

“A importância é que não é apenas o alimento, tem outras coisas associadas. Uma delas é a distribuição das terras, e mais coisas como casas, moradias, ou seja, uma melhoria de oportunidade de sobreviver melhor. Os alimentos que são trazidos aqui são produtos naturais, não gostamos de trabalhar com insumos químicos, então isso é mais que um produto, tem um valor agregado mais do que econômico”, completa. Segundo ele, a vida dessas mais de mil famílias mudou drasticamente ao alcançarem o direito à terra. “Principalmente a questão financeira, você consegue dosar as coisas pra ter uma vida e não dar tempo somente pro trabalho, pode dosar entre lazer, trabalho e atividades do movimento. Ao invés de ficar naquela rotina, você constrói sua rotina”, comemora.

Quem também tem uma história parecida é Adriano Ribeiro dos Santos, que vive há quatro anos no assentamento Egidio Bruneto, em Juscimeira. Ele, no entanto, participou ativamente da luta pela terra. “O processo vem desde 2009, a luta dos trabalhadores. Aí no final de 2015 a gente foi pra área lá. É uma luta que foi feita dos trabalhadores não só pelas famílias que estão assentadas lá, mas de outras famílias que também participaram da luta.  A gente tinha um acampamento em Dom Aquino, e esse acampamento que originou o assentamento hoje”, lembra.

Adriano (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Atualmente, vivem em Egidio Bruneto cerca de 72 famílias, que criam galinhas, porcos, cultivam horta, mandioca e abacaxi. Como ainda se trata de um assentamento muito novo, a produção vai toda para seu próprio abastecimento, e não para venda. Por este motivo, Adriano levou ao JUCA produtos de fora de Mato Grosso.

“A maioria dos produtos é do Rio Grande do Sul, só o café é de Minas Gerais, e tem doce de leite com castanhas e a castanha que são de uma cooperativa de Sinop, do assentamento 12 de outubro. Mas são todas de assentamento”, explica. Um dos produtos, inclusive, o ‘Arroz Terra Livre’, vem de um assentamento e é feito de forma cooperada há cerca de dez anos. A cooperativa responsável já recebeu o título da que produz o maior número de toneladas de arroz agroecológico da América Latina.  



Toda essa produção é resultado de anos e anos de luta, que está em discussão no JURA. A jornada começou na última segunda-feira (28) na UMFT, e segue até quarta-feira (30). Segundo Miriam Toshiko Sewo, que faz parte da comissão de organização do evento, esta é a primeira vez, em cinco anos, que a universidade recebe o evento. Para isso, foi necessário o trabalho de um grupo de 23 professores atuando, além de alunos de graduação pós-graduação da UFMT, com participação de professores do IFMT, da faculdade católica e movimentos sociais.

“A Jornada já acontece há cinco anos, em âmbito nacional, em mais de 50 universidades e institutos federais. E esse é o primeiro ano que a UFMT realiza a jornada. O objetivo é colocar em pauta a discussão da reforma agrária, e os temas que circundam essa temática da reforma agrária. Então a gente, além da reforma agrária, está discutindo a reforma agrária popular, a criminalização dos movimentos sociais, o golpe de 2016, a educação no campo, os 50 anos de pedagogia do oprimido de Paulo Freire, com mesas redondas, palestras, oficinas, discutindo também a saúde no campo, e varias temáticas que estão programadas pra hoje. Ontem começou, e amanhã tem a vinda da Anita Prestes, que vai lançar o livro da Olga a noite”, explica.

Miriam Toshiko Sewo (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Segundo Miriam, a importância de discutir o assunto está em explicar o que é e para que serve a reforma agrária. “[Ela] faz parte de toda uma problemática não só do nosso estado, mas também do nosso país, que é um país que tem dimensões continentais e também tem latifúndios continentais, e um monte de gente vivendo em situações precárias, as vezes sem ter o que comer”, critica. “É justamente isso de você colocar outra proposta de produção. Se o agronegócio produz com veneno, e o veneno a gente sabe que faz mal pra nossa saúde, a gente tem outra proposta de produção, que é a agricultura saudável, cultivar sem veneno e respeitando o meio ambiente”.

Julio Cesar, 24, militante do Movimento Sem Terra (MST) e morador do acampamento Padre José Ten Cate, em Jaciara, também é um dos participantes do JURA, e comanda no local uma barraquinha de venda de livros da editora ‘Expressão Popular’, que vende clássicos a preços módicos, de R$1 a R$60, mais acessível para a classe trabalhadora.

Julio Cesar (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Ele conta que o acampamento se instalou há dois anos e em uma fazenda em Jaciara. “Mas houve um despejo com 30 dias, inclusive com forte aparato judicial”, lembra. “E depois desse despejo as famílias se realocaram pra uma área da prefeitura que fica aos fundos da Gazin. Hoje é um acampamento produtivo, tem produção de mais de cem hectares plantados, o pessoal planta mandioca, abóbora, então é um acampamento bem produtivo. Antes era uma terra que foi usada pra plantação de cana pra fazer açúcar”.

Para ele, é muito importante trazer a discussão sobre a reforma para dentro da academia. “Porque através da academia a gente consegue juntar a ciência e tecnologia com a agricultura familiar, e a gente poder fazer o estudo, por exemplo, da agroecologia. Como é que a gente traz a agroecologia, que é você plantar de forma saudável, sem uso de agrotóxicos, sem veneno, em convívio comum e legal com a natureza, de forma que você também consiga fazer uma produção mais avançada?”, questiona. “Acho que precisa de um investimento maior do estado na agricultura familiar, no programa de cooperativas, pra poder a gente produzir mais e melhor pra poder atender toda a população. O conceito de soberania alimentar perpassa por isso, o investimento do estado pra que a gente possa produzir pra gente, não como o agronegócio, que produz pra exportação”, sugere.

A questão vem a tona, inclusive, em um momento em que as cidades sofrem com desabastecimento, em decorrência da greve dos caminhoneiros. “Esse momento do desabastecimento, de a gente entender também o processo da industrialização das coisas, por exemplo, a maioria dos produtos não são produtos reais, são industrializados, que são feitos nas fábricas, e que acabam levando para uma alimentação não saudável. Então o momento traz o debate, inclusive, da soberania alimentar, [de] como a gente consegue produzir pra gente, local, seja no município, seja no estado, pra poder conseguir uma alimentação adequada e que alimente, porque a seguridade alimentar não está suprindo a necessidade da classe, na verdade das pessoas”, finaliza.

Serviço

Jornada Universitária em defesa da Reforma Agrária (JURA) 
Local: Centro Cultural da UFMT
Data: Até 30 de maio (quarta-feira)
Veja a programação completa AQUI
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