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Notícias / Meio Ambiente

Incidência de queda de raios no campo preocupa produtores de SP

Globo Rural

 Cerca de 50 milhões de raios caem no Brasil por ano, matando mais que enchentes e deslizamentos. Eles atingem, em sua maioria, pessoas na zona rural. Segundo estudo do Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o número de dias com tempestades aumentou quase 80% no último século. Por isso, alguns cuidados são essenciais no campo.

Mesmo com o perigo iminente, tem quem sobreviva a um raio. É o caso da criadora de gado de leite Elizete Nogueira Fonseca, que já resistiu a duas descargas elétricas vindas do céu. O engenheiro eletricista do Inpe, Osmar Pinto Júnior, explica que raios podem sim cair no mesmo lugar: “Em lugares que têm grande incidência de raio, ele cai diversas vezes no mesmo lugar. Um exemplo é o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, de três a quatro vezes por ano”.

Segundo o engenheiro, com o crescimento das cidades, as tempestades vieram juntas. “A urbanização altera o clima e favorece a formação de tempestades e, com mais tempestades, mais raios. Há dois motivos para isso: as grandes cidades, ao substituir a vegetação da superfície por asfalto, fazem com que a superfície aqueça mais e isso aquece o ar. Isso é chamado ilha de calor. Outro motivo é a poluição dos automóveis que aquece o ar nas grandes cidades e joga na atmosfera partículas que facilitam a formação das tempestades”, explica.

Quanto mais alto sobem as nuvens, mais fria é a temperatura. Em certo momento, a água congela e as partículas de gelo batem umas nas outras, ficam carregadas de eletricidade, dando origem ao raio.

A posição do Brasil no globo terrestre é o que favorece a formação de tantas tempestades por aqui. Isso porque grande parte do seu território está na chamada zona tropical, área de calor intenso e alta umidade, a combinação perfeita para colocar o país em primeiro lugar no ranking mundial de ocorrências de raios. Em segundo lugar vem o Congo, com 43,2 milhões de raios por ano e, em terceiro, os Estado Unidos, com 35 milhões por ano.

Na propriedade do criador de gado de leite Ney Carvalhal Scarpa, em Paraibuna, São Paulo, não faltam histórias sobre esse assunto. “Já caíram muitos raios na minha propriedade. Eu não sei dizer o número, alguns maiores outros menores. O maior foi quando eu perdi seis vacas, que estavam dando leite e que realmente causou um prejuízo”, relata.
Depois do susto, Ney resolveu investir em para-raios. Ele colocou um perto da casa da sede, outro próximo à sala de ordenha e ainda pretende instalar mais um terceiro: “Não custa caro colocar, fica na faixa de R$ 4,5 mil, R$ 5 mil”.
A proteção do para-raio tem a ver com a altura em que ele foi instalado. Se a torre tiver 20 metros, por exemplo, a área de segurança será de 40 metros para cada lado. Outra medida que Ney adotou em sua propriedade é o seccionamento das cercas, trabalho de responsabilidade do eletricista José Carlos Benedicto. “Consiste em não deixar que a faísca se expanda pela cerca. Corta a cerca, coloca o isolador, que já tem próprio para vender, e você aterra”, conta.
O isolador deve ser colocado em todas as linhas do arame. Além disso, é fundamental fazer o aterramento da cerca, enterrando uma haste de cobre de, pelo menos, 2,5 metros, para que haja escoamento da descarga elétrica. O recomendado é que o seccionamento, com os isoladores e o aterramento, seja feito a cada cem metros.
Um problema comum nas zonas rurais é que quando começa a chover o gado logo encosta na beira da cerca ou se abriga embaixo das árvores, justamente os dois lugares onde mais costuma cair raio nas propriedades.

O município de Monteiro Lobato, também em São Paulo, é uma região bonita, que chama atenção pelo contorno dos morros que compõem sua paisagem. Foi em cima de um deles que o criador Marcelo Cerqueira perdeu 14 cabeças de gado: “Deu uma chuva forte, daí o gado se encostou embaixo das árvores para se abrigar. Foi onde deu o raio e eles morreram na hora. Perdi em torno de R$ 20 mil”.

O criador Ronaldo Pereira, do município de São Luiz do Paraitinga, diz que nunca havia caído raio na região, mas há cerca de 60 dias uma árvore foi atingida: “Duas bezerras morreram aqui nesta propriedade. Os animais aproveitaram que a porteira estava aberta e vieram se abrigar da chuva aqui dentro. O raio caiu na árvore que fica colada bem rente ao curral”.

As bezerras de Ronaldo foram enterradas na propriedade, com ajuda da Defesa Civil do município, com todos os cuidados para evitar contaminação. “A gente tem mais ocorrência na zona rural, que é desprotegida de para-raio e tem muitas árvores altas, eucalipto, então é mais provável de ser atingido”, explica José Carlos Luzia Rodrigues, coordenador da Defesa Civil de São Luiz do Paraitinga.

O engenheiro eletricista do Inpe, Kleber Naccarato, é um estudioso quando o assunto é raio e explica se é bom ou ruim caírem tantos raios no Brasil: “A natureza definiu assim. Os raios existem no planeta muito antes do homem surgir, então, eu acho que por um ponto de vista é bom você ter muitos raios no Brasil, porque é um laboratório para a pesquisa para se entender esse fenômeno que afeta ricos e pobres. Raio é democrático, mas por afetar tanta gente, acaba sendo ruim, pois o Brasil tendo muito raios acaba tendo muito prejuízo e matam pessoas”.

A cada 50 mortes por raio no mundo, uma acontece no Brasil. São pelo menos 130 óbitos ao ano no país – 60% deles ocorrem na zona rural. Além das vítimas fatais, tem ainda as pessoas que são atingidas pela descarga elétrica e que, mesmo assim, conseguem sobreviver.

A agricultora Amanda Aparecida Pereira dos Santos sobreviveu, mas testemunhou a morte da cunhada, quando as duas subiram o morro atrás de um touro que tinha atravessado a cerca para o lado do vizinho. “Não estava chovendo muito, estava um sereno só. Ela subiu muito rápido, na frente. Daí quando eu cheguei lá em cima, já não estava a alcançando mais. Do nada fechou o tempo e já deu estouro. Eu estava longe dela uns 50 metros”, conta.
Mesmo se alguém for atingido por um raio, é possível fazer a reanimação. O médico Fernando Fonseca, que coordena o resgate de São José dos Campos, reforça a importância dos primeiros socorros. “Nós podemos seguir alguns passos muito simples. Primeiro, verifique a segurança do local e, se tiver seguro, aborde a vítima. Chame pelo nome, se ela não responder, não abrir o olho, não estiver respirando, chame ajuda. Ligue 192 ou 193 e peça ajuda.

O resgate está vindo, comece a fazer a reanimação. Abra a blusa e entre os mamilos coloque a sua mão e inicie a compressão torácica. Fez isso 30 vezes, você vai fazer a respiração boca a boca. Aperta o nariz, levanta a cabeça e sopra dentro da boca até o peito levantar. De novo, duas vezes, e aí vai fazer mais 30. Tem que ser com força suficiente para comprimir o tórax cinco centímetros. Isso deve ser feito até o resgate chegar, se possível, ou até você ficar exausto. Dá para salvar vida. Fiz um estudo no resgate na nossa cidade com 200 paradas cardíacas, não só por raio, mas por qualquer motivo, e a gente teve uma expectativa que poderia salvar 60 vidas se as pessoas tivessem feito esse procedimento”, alerta.
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