Olhar Direto

Sábado, 20 de abril de 2024

Opinião

O Supremo Tribunal Federal e os limites da liberdade de expressão

Em decisão que ocasionou a polêmica da semana, o Ministro do STF, Alexandre de Moraes (autor de inúmeras obras na área do Direito Constitucional) determinou, segunda-feira (15/04/2019) a “imediata” retirada do ar de uma reportagem de capa publicada pela revista digital Crusoé, cujo título era “o amigo do amigo do meu pai”.

Não satisfeito, ainda determinou que os responsáveis pela publicação da reportagem “prestem depoimentos no prazo de 72 horas”. Pronto, estava armada a celeuma que mobilizou mídia, políticos, articulistas, comentaristas os quais, praticamente em caráter unânime, condenaram e criticaram fortemente o caráter dessa decisão, sobretudo por deixar transparecer ser uma espécie de “censura prévia” ao trabalho investigativo da imprensa nacional.

Como essa história começou? Bem, a decisão de Alexandre de Moraes foi tomada no bojo de um inquérito instaurado em 14/03/2019, à pedido do Presidente do STF, Ministro Dias Tóffoli, tendo como condutor o Ministro Alexandre de Moraes e cujo objeto era a apuração de suposta “existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e asegurança do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão”.

Na sexta-feira (13/04/2019), a Revista Crusoé publica a matéria de capa acima mencionada. Sentindo-se duramente atingido pela matéria publicada, o Ministro Dias Toffoli “autoriza” uma investigação sobre a reportagem, encaminhando mensagem para Alexandre de Moraes e reproduzida no site “o antagonista”: “ExmoSr Ministro Alexandre de Moraes, Permita-me o uso desse meio para uma formalização, haja vista estar fora do Brasil. Diante de mentiras e ataques e da nota ora divulgada pela PGR que encaminho abaixo, requeiro a V. Exa. Autorizando transformar em termo esta mensagem, adevida apuração das mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras.” Mas, o que revelou a revista para causar tamanha indignação no Presidente do STF? Teria a reportagem extrapolado os limites constitucionais da liberdade de imprensa? A intimidade, a vida privada, a honra e imagem do Ministro Toffoli foram maculadas? O STF foi atingido? Uma resposta negativa para as questões apontadas, revelarão que a decisão do Ministro Alexandre foi teratológica (absurda).

O que exatamente diz a reportagem, de autoria de Rodrigo Rangel e Mateus Coutinho? A “nitro-glicerina” que está prestes a explodir diz respeito a um documento encaminhado por Marcelo Odebrecht à pedido de investigadores da Polícia Federal em uma das fases da já emblemática “operação lava-jato”. Um dos documentos apreendidos está uma troca de e-mails em que Marcelo Odebrecht pergunta para dois de seus altos executivos (estamos em julho de 2007): “Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo do meu pai?”. A resposta foi “em curso”. Muito bem, como todos hoje sabemos, a Odebrecht mantinha um chamado “setor de operações estruturadas”, cuja finalidade era operar o pagamento das propinas aos políticos do PT e “tuti quanti” naquela que ficou conhecida como a maior quadrilha ao erário já organizada e levada à cabo em nossa República. Claro, os beneficiários da propina eram identificados na planilha da empresa por apelidos. Muitos já foram identificados em virtude das delações premiadas. O tal “amigo” por exemplo, era o ex-presidente e atual presidiário Lula. A polícia queria então saber de Marcelo Odebrecht quem era o “amigo do amigo do meu pai”. A revista revela o documento encaminhado por Marcelo em resposta ao questionamento da PF e publicado como segue pela Crusoé: “(A mensagem) Refere-se a tratativas que Adriano Maia tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do Rio Madeira. ‘Amigo do amigo de meu pai’ se refere a José Antonio Dias Toffoli”.

Em seguida a matéria faz algumas considerações ligando determinados fatos à afirmação de Marcelo Odebrecht que podem levar a um juízo sobre a veracidade de sua resposta. Contudo, a mesma reportagem também deixa claro que: “Quanto à menção de Marcelo Odebrecht a Dias Toffoli, não se sabe, até aqui, se a Procuradoria-Geral da República pedirá algum tipo de esclarecimento ao ministro antes de decidir o que fazer.

Como advogado-geral da União, Toffoli tinha a atribuição de lidar com o tema. Até por isso, não é possível, apenas com base na menção a ele, dizer se havia algo de ilegal na relação com a empreiteira. Mas explicações, vale dizer, são sempre bem-vindas”. Nesse aspecto, vê-se que os jornalistas tiveram a preocupação e a responsabilidade de não emitir juízo de nexo de causalidade entre o fato de Dias Toffoli ser o “amigo do amigo de meu pai” e ter usado, quando no cargo de Advogado-Geral da União, praticado atos ilícitos em favor da “quadrilha” instalada no Planalto.

Minha opinião é que esta reportagem não tem nada de bombástico e está no mesmo nível informativo e de técnica redacional jornalística que as inúmeras outras matérias publicadas pelas maiores revistas semanais do país sobre temas envolvendo agentes públicos, políticos e empreiteiras em negociatas de toda espécie. Dezenas de reportagens foram veiculadas tendo como fonte informações depositadas nos depoimentos de delações premiadas, nem por isso receberam o tratamento jurídico destinado à Crusoé como este. Por quê?

Em sua decisão, Alexandre de Moraes classifica a reportagem no ponto em que dá publicidade ao documento encaminhado por Marcelo Odebrecht e constante dos autos de um inquérito como em “típico exemplo de ‘fakenews’ – o que exige a intervenção do Poder Judiciário, pois, repita-se, a plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não constitui cláusula de isenção de eventual responsabilidade por publicações injuriosas e difamatórias, que, contudo, deverão ser analisadas sempre a posteriori, jamais como restrição prévia e genérica à liberdade de manifestação.”

Interessante perceber que, em prevalecendo a teoria aplicada ao caso concreto pelo Ministro, ter-se-á instaurado de fato a odiosa “censura prévia” no Brasil. Ora, como trabalharão os jornalistas na difusão das informações colhidas no processo de investigação, muitas delas obtidas por fontes que possuem o abrigo da lei para serem preservadas? Como analisar o caráter subjetivo sobre o que seria matéria “injuriosa” ou “difamatória” quando da publicação? Deverão os jornalistas, doravante, dar conhecimento ao judiciário de suas matérias antes da publicação? Quantas pessoas comuns tem seus nomes e imagens diariamente expostas na mídia quando suspeitas ou investigadas por qualquer delito e as respectivas mídias não são amordaçadas? O judiciário silenciará a mídia quando os assuntos respingarem em suas togas?

Em seu livro “Direito Constitucional” (XXII Edição), Alexandre de Moraes, ao tratar da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º, IX, CF/88), afirma que o “texto constitucional repele frontalmente a possibilidade de censura prévia”. No que concordamos. Sobre a inviolabilidade à intimidade, vida privada, honra e imagem, o Ministro na mesma obra tece importante consideração no que concerne a essa proteção constitucional no sentido de que “em relação àqueles que exercem atividade política ou ainda em relação aos artistas em geral deve ser interpretada de uma forma mais restrita, havendo necessidade de uma maior tolerância ao se interpretar o ferimento das inviolabilidades à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, pois os PRIMEIROS ESTÃO SUJEITOS A UMA FORMA ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO PELO POVO E PELA MÍDIA”. No que também concordamos. Lamentavelmente, parece que o Respeitável Ministro deixou de seguir os ensinamentos de sua própria obra.

O cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal deve ser ocupado por integrantes da sociedade com “notável saber jurídico” e “reputação ilibada” (art. 101, CF/88). Os adjetivos que qualificam os atributos para tão importante cargo na República não deixam margem a dúvidas quanto ao que o legislador constituinte originário pretendeu ao estabelecer os requisitos para ingresso no STF. É sabido que o Ministro Dias Toffoli não obteve aprovação em dois concursos para magistratura e os fatos levantados pela Polícia Federal e apenas “divulgados” por um mensageiro (no caso a Revista Crusoé) depõe contra o requisito da “reputação ilibada”. Essa é a natureza que deve ser levada em conta quando da apreciação sobre o teor da matéria jornalística. A população, detentora do poder na democracia e única financiadora de todas as instituições públicas integrantes do aparato estatal tem o direito de ser informada acerca de tudo o que diz respeito a seus agentes públicos. Não há que se falar em democracia sem este aspecto. Isso não é desrespeitar a “instituição STF”, muito pelo contrário, espera-se de seus integrantes que hajam em harmonia com os princípios que regem a administração pública, especialmente os valores que orientam o exercício da magistratura.

Precisamos confiar na justiça e, sobretudo no “guardião da constituição”. Esperamos que o Plenário da Corte retifique urgentemente a equivocada decisão do Ministro Alexandre de Moraes e restabeleçao caminho que o STF deve seguir para reconquistar a credibilidade junto à população, mais uma vez obstruído por manifestações contraproducentes e em total descompasso com os anseios de uma gente que clama por “justiça”.
 

Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com).
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