Olhar Direto

Sexta-feira, 19 de abril de 2024

Opinião

Apesar dos pesares, o jornalismo sobrevive

Encontrar fatos relevantes, entrevistar testemunhas, checar todas as informações, construir um recorte de uma realidade que na maioria das vezes não teve acesso, escrever uma versão dessa realidade que passe pelo crivo do editor e do dono da empresa, fazer o que for possível para clicar em “publicar” antes de qualquer concorrente, e, mais recentemente, desmentir boatos e mentiras que circulam como se fossem notícias. Eis a função do jornalista do século XXI.

Com algumas poucas alterações – motivadas  principalmente pelo avanço da civilização no que diz respeito à tecnologia e  conquistas no campo dos Direitos Humanos – o que fazemos é o mesmo que Plutarco e Heródoto faziam na Antiguidade. O papel do “escrevinhador”, no entanto, não é o mesmo. Ainda somos perseguidos pelo que escrevemos, ou assassinados quando ultrapassamos a linha demarcada por algum poderoso, mas estamos cada vez mais engajados na busca pelo bem comum. E temos cada vez mais o apoio daqueles que consomem o que produzimos - apesar de, em grande parte dos casos, esse apoio se dar em razão de uma identificação ideológica.

Quando um jornalista se mete em alguma confusão por ter feito uma pergunta que um político não gostou, eu fico orgulhoso. Quando um repórter leva um soco por ter insistido numa questão espinhosa com algum presidente de Assembleia Legislativa me preocupo, mas me satisfaço. Quando um colega de profissão relata ameaças após ter tornadas públicas as personagens envolvidas em algum esquema de corrupção, tenho receio pela integridade daquele profissional, mas fico feliz.

Porque a função do jornalista nunca foi fazer as perguntas fáceis, ganhar sorrisos simpáticos e tapinhas nas costas. Sua missão existencial é questionar. Do contrário, não serve pra muita coisa. Um repórter que não incomoda um poderoso sequer por conta daquilo que escreve, provavelmente não está fazendo o seu trabalho direito.

Algumas pessoas ficam preocupadas com repórteres ativistas. Eu tenho medo é dos que alegam isenção. Geralmente quem fica em cima do muro, em nome de uma suposta imparcialidade, acaba escolhendo o caminho mais fácil ou o que lhe trará mais benefícios. Esses caminhos, infelizmente, nem sempre são os melhores para a nossa luta conjunta e cotidiana pelo bem que há de vir. Às vezes, nos levam na direção oposta.

O jornalismo útil faz pensar, desconstrói ideias pré-concebidas, gera desconforto. Quando leio uma matéria que me coloca no lugar de quem eu desprezo por qualquer motivo (porque sejamos honestos, somos seres maniqueístas: amamos e odiamos na mesma intensidade) eu fico mal. Eu me vejo numa situação de confronto com as crenças que carregava comigo até aquele momento. Eu odeio perceber que estava errado, que agi como um boboca. Mas é isso que nos faz evoluir, no fim das contas.

Hoje temos acesso a milhares de informações inúteis. Algumas, é verdade, produzidas por jornalistas profissionais. Mas, permita-me assumir a posição de advogado do diabo: todos nós precisamos pagar as nossas contas no fim do mês. O mundaréu de manchetes e chamadas e “clique aqui” ou “saiba mais” parece que nos deixa entorpecidos. É tanta novidade sendo publicada ao mesmo tempo, tanta coisa viralizando nas redes sociais, que um escândalo em algum governo é só mais um. Quando o próximo vier ninguém vai mais lembrar desse. Isso porque nem quero falar do tal jornalismo declaratório, que de jornalismo tem muito pouco.

O jornalismo útil não se deixa abalar. Apesar de todos os pesares. Ele não pode se deixar abalar. Se está ruim agora, imagine se ninguém estivesse lá para incomodar aqueles que têm as canetas e os nossos futuros nas mãos. Prefiro nem imaginar.


Aparecido S. Carmo é graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail para contato: aparecido.jor@gmail.com

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