Olhar Direto

Sexta-feira, 29 de março de 2024

Opinião

Está liberado só achar

Foram pelo menos quatro anos aprendendo que o embasamento técnico e teórico é fundamental para falar sobre qualquer coisa. Até quando se trata de opinião, é preciso utilizar dados consistentes e que possuam credibilidade para sustentar os argumentos. Achismo é como um castelo de cartas, qualquer corrente de ar derruba, ou basta mexer um pouquinho na estrutura. São só devaneios sendo disseminados sem qualquer cuidado ou preocupação.

Depois de formados, nós, comunicadores, passamos a colocar isso em prática. Alguns, como é o meu caso, iniciam ainda na faculdade. É uma sensação boa ver essa “mágica” acontecer. E só é possível graças à ciência, aos cientistas, sejam eles de exatas ou de humanas. É triste ver o conhecimento sendo desqualificado, de forma desrespeitosa e violenta. Aliás, truculência é a arma que os negacionistas encontram para tentar atacar a imprensa e a ciência. É a única possível, já que argumentos lhes faltam.

É tanta contradição que nem sei por onde começar. Nunca pensei que chegaria à conclusão de que realmente há uma inversão de valores. A vida, agora, perdeu completamente o valor – embora antes da pandemia do coronavírus a cotação já estivesse bem baixa. Aqueles que defendem o retorno a uma vida normal dizem que os dados de contaminações e mortes são superestimados. Mas a realidade é que eles estão subnotificados, por uma série de fatores, como falta de estrutura para fazer testes e pelo fato de vários casos serem assintomáticos, por exemplo.

Segundo um estudo do Observatório Covid-19 BR, o Brasil pode ter ao menos o dobro de mortes por coronavírus em comparação com o número oficial divulgado pelo Governo Federal, no dia 15 de abril, que foi de 1.736 óbitos. Isso levando em consideração um cenário conservador, o que corresponde a 3.689 mortes. Já no cenário pessimista, o número pode ser até nove vezes o dado oficial, ou seja, 15.648. O Observatório é formado por pesquisadores de universidades brasileiras e estrangeiras.

Os pesquisadores levaram em conta a demora entre as ocorrências das mortes e a entrada delas nas estatísticas do governo (sem contar os casos que nem chegam a ser testados). O cenário conservador considera o atraso de 10 dias para confirmação, enquanto o mais pessimista, 20 dias. Quem acha 1.736 mortes pouca coisa deveria se atentar também ao número de casos confirmados nesta mesma data, que eram 28.320. No boletim divulgado no dia 25 de abril, o Ministério da Saúde registrou 58.509 casos confirmados, mais que o dobro em relação a 15 de abril, e 4.016 mortes.

Esta é apenas uma amostra da importância de estudos técnicos, baseados em conhecimento científico para a tomada de decisões e norteamento de políticas públicas de saúde e sociais. O resto são convicções políticas e/ou religiosas. Enquanto deveríamos cobrar a realização de mais testes, pagamento do auxílio financeiro às pessoas que precisam, transparência na divulgação dos dados oficiais, zelo pela transparência, travamos uma guerra de combate às fake news sem precedentes.

O ataque à imprensa feito pelo Governo Federal e com reflexos em contextos locais por todo o Brasil nos afeta, enquanto jornalistas, sem dúvida. Mas representa uma ameaça muito maior frente a uma democracia já fragilizada. Com todos os defeitos, principalmente o monopólio de grandes grupos, a imprensa é fundamental para a garantia do acesso à informação e exercício da cidadania. É o canal pelo qual obtém-se conhecimento sobre o trabalho científico como um todo.

E isso é tão ameaçador para um governo eleito com base em correntes de whatsapp que assim eles seguem, compartilhando mentiras, invenções insanas, disseminando o ódio e teorias no mínimo bizarras. Está liberado só achar. O importante é não admitir o erro, e negar o conhecimento até o fim. E se alguém diz o contrário, basta chamar de comunista e mandar morar na China, a nova Cuba.


Nara Assis é jornalista e servidora pública estadual
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