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Quarta-feira, 24 de abril de 2024

Opinião

E o Prêmio Nobel de Física vai para... os Buracos Negros!


Este ano o prêmio Nobel de Física foi concedido para Roger Penrose, Andrea Ghez e Reinhard Genzel, pela demonstração da existência de singularidades no centro de buracos negros e pela detecção de Sagitarius A, o buraco negro localizado no centro da Via Láctea. Vamos aproveitar essa situação para realizar uma viagem através das ideias, conjecturas e teorias que nos têm permitido compreender a origem, propriedades e comportamento desses objetos maravilhosos.
 
Nossa viagem começa com a teoria da gravitação universal, a qual foi formulada por Isaac Newton em 1687 para explicar a "gravidade". A equação essencial dessa teoria, conhecida como "equação de Poisson", nos indica que, objetos celestes com uma densidade de massa, geram um campo gravitacional que se estende até infinito.
 
Uma solução dessa equação sugere que, se nós lançarmos uma partícula da superfície desse objeto celeste para cima, esta irá diminuindo sua velocidade gradativamente até deter-se por efeito da gravidade, voltando à superfície. Mas existe uma velocidade além da qual a partícula vence a gravidade e escapa para o infinito. Esta velocidade é conhecida como "velocidade de escape".
 
Em 1783, John Michell pensou que se a Luz tem uma velocidade finita, como confirmou o astrônomo, Ole Romer, em 1676, e é formada por partículas, como propôs Newton em 1704, então poderiam haver objetos celestes no Universo com uma massa tão grande e compacta, que sua gravidade seria muito intensa e sua velocidade de escape seria maior que a velocidade da Luz, de maneira que a Luz emitida da superfície desse objeto, não poderia escapar para o infinito e, portanto não poderíamos vê-lo. A esse tipo de objetos chamou de "estrelas escuras" e seriam as precursoras daquilo que posteriormente conheceríamos como buracos negros.
 
Albert Einstein, em 1905, tentando entender a propagação da Luz, desenvolveu a Teoria da Relatividade Especial, que nos revelou três aspectos importantes da Natureza: que o espaço e o tempo estão unidos formando uma entidade física de 4 dimensões, conhecida como espaço-tempo; que a massa é uma forma de energia e que a velocidade da Luz é o limite de velocidade cósmico.
 
Como na teoria da gravitação universal a gravidade se propaga com velocidade infinita, Einstein concluiu que devia ser modificada para que fosse consistente com os princípios da relatividade especial. Em 1915 conseguiu fazer essa modificação, formulando uma nova teoria da gravidade conhecida como Relatividade Geral.
 
As equações fundamentais dessa teoria, conhecidas como "Equações de Einstein", indicam que todos os entes físicos que contêm massa ou energia deformam o espaço-tempo a seu redor, deformação conhecida como "gravidade". Dois meses após Einstein haver formulado a relatividade geral, o físico Karl Schwarzschild, em 1916, encontrou uma solução às equações de Einstein para um objeto massivo esférico.
 
Essa solução sugere que em torno do objeto esférico, forma-se uma região de espaço-tempo, delimitada por uma fronteira chamada "horizonte de eventos". Na região delimitada pelo horizonte de eventos, a deformação do espaço-tempo seria tão intensa que a Luz não poderia escapar para o exterior. Portanto, o horizonte de eventos em torno do objeto define o que em 1967 o físico John Wheeler chamaria "buraco negro", lembrando as estrelas escuras. Os físicos imediatamente se perguntaram, como puderam se formar os buracos negros? Para respondermos a essa pregunta temos que nos concentrar na vida das estrelas. Uma estrela ao longo de sua vida mantêm um equilíbrio entre a pressão da radiação, gerada por processos nucleares em seu interior, e a atração da gravidade gerada por sua massa. Quando o combustível se esgota, a estrela esfria e começa a contrair-se pela ação de sua gravidade.
 
Em 1930, o físico Subrahmanyan Chandrasekhar, usando a mecânica quântica, calculou que, durante o colapso da estrela, podia surgir uma pressão de origem quântica entre os eléctrons, que deteria o colapso se a estrela tivesse uma massa menor que 1.4 massas solares, formando dessa maneira uma anã branca.
 
No ano 1932, o físico Lev Landau, calculou que para uma estrela com uma massa maior que 1.4 massas solares, uma pressão de origem quântico entre os nêutrons poderia deter o colapso se a estrela tivesse uma massa menor que 2.27 massas solares, formando uma estrela de nêutrons. Mas, o que ocorreria com as estrelas com uma massa maior que 2,27 massas solares? A explicação foi dada por Robert Oppenheimer, George Volkoff e Hartland Snyder em dois artigos publicados em 1939. Eles demonstraram que uma estrela esférica e uniforme, com uma massa superior a 2,27 massas solares, continuaria seu colapso até formar um ponto com densidade infinita e curvatura infinita, na qual se romperiam as leis da Natureza. Esse tipo de pontos são chamados "singularidades".
 
Depois começou a segunda guerra mundial e grande parte dos físicos começaram a trabalhar em física nuclear e atômica, esquecendo os estudos sobre colapso estelar. Mas o interesse pelo colapso estelar e os buracos negros surgiu novamente com a descoberta repentina do primeiro quasar (um obeto quase estelar) em 1963, conhecido atualmente como 3C273. O espectro óptico desse quasar tem um desvio para o vermelho muito alto, portanto somente podia ser explicado por um efeito Doppler cosmológico, o que quer dizer que estava muito distante da Terra. Sua luminosidade, que é muito alta, não podia ser explicada pelos processos nucleares, porque estes convertem uma parte muito pequena da massa da estrela em energia, de maneira que a única explicação viável era a energia gravitacional liberada durante um colapso gravitacional.
 
Já era conhecido desde 1939 que uma estrela esférica e uniforme colapsaria em um ponto conhecido como singularidade, mas uma estrela que não fosse esférica e uniforme, colapsaria formando uma singularidade? Roger Penrose, em 1965, usando métodos topológicos e considerando unicamente a Natureza atrativa da gravidade, demonstrou que o colapso estelar conduziria inevitavelmente a uma singularidade no centro do buraco negro.
 
Inspirados por essa descoberta, Werner Israel, Brandon Carter, Stephen Hawking e David Robinson, entre os anos 1967 e 1973, demonstraram que quando uma estrela colapsa e surge um buraco negro, este se estabiliza rapidamente em um estado estacionário que se carateriza unicamente pela massa, o momento angular e a carga eléctrica da estrela que colapsou. O que equivale dizer que o buraco negro não preserva outro detalhe da estrela que colapsou. Este resultado implicou que um buraco negro com essas três propriedades determinadas poderia haver-se formado pela contração de uma grande quantidade de estrelas diferentes. Esse resultado John Wheeler o chamou "teorema sem cabelo".
 
Em termodinâmica, definimos entropia como uma medida dos diferentes modos de arranjar os constituintes do sistema sem modificar sua aparência básica, enquanto a segunda lei da termodinâmica afirma que a entropia de um sistema isolado sempre aumenta com o tempo. Considerando o teorema sem cabelo e a termodinâmica, Robert Geroch sugeriu em 1970, que durante a contração gravitacional se perderia uma grande quantidade de informação sobre a estrela que sofreu o colapso, o que implicaria que a segunda lei da termodinâmica seria violada pelos buraco negros.
 
Stephen Hawking, em 1971, demonstrou que em processos clássicos, como a queda de matéria e radiação num buraco negro, a área de seu horizonte de eventos aumentaria com o tempo. Da mesma forma, na fusão de dois buracos negros, a área do horizonte de eventos do buraco negro resultante seria maior que a soma das áreas do horizonte de eventos dos buracos negros originais, aumentando também com o tempo. Esse resultado é conhecido como "teorema da área" dos buracos negros e levou a Jacob Bekenstein a conjeturar em 1972 uma conexão entre a área do horizonte de eventos de um buraco negro e a entropia.
 
Ele pensou que, além das três propriedades que caracterizariam o buraco negro, a informação perdida da estrela que colapsou, poderia ser interpretada como a entropia do buraco negro, que permaneceria oculta pelo horizonte de eventos. No entanto, se houvesse uma conexão entre a entropia e a área do horizonte de eventos, então a entropia estaria codificada no horizonte de eventos, que mediante o teorema da área, garantiria a validez da segunda lei da termodinâmica.
 
O problema dessa conexão era que, se um buraco negro teria entropia, deveria ter uma temperatura, e portanto deveria emitir radiação térmica, o qual não poderia ser certo, porque de um buraco negro não pode escapar nada. Perante esse problema, Stephen Hawking, em 1974, decidiu demonstrar que essa conexão entre a área do horizonte de eventos e a entropia não podia estar correta. Com esse propósito, teve a originalidade de aplicar a teoria quântica de campos nas proximidades do horizonte de eventos do buraco negro. Para sua surpresa, descobriu que o horizonte de eventos do buraco negro emitiria radiação térmica com o mesmo espectro de distribuição de um corpo negro, resultado que o convenceu de que a conjetura realizada por Bekentein era correta. Essa radiação térmica é conhecida atualmente como "radiação Hawking" e está sendo procurada pelo Telescópio Espacial Fermi da NASA desde 2008.
 
Alberto Sanoja é  doutor em Física, professor Adjunto I da UFMT com experiência na área de Física, com ênfase em Cosmologia
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