Olhar Direto

Quinta-feira, 18 de abril de 2024

Opinião

A política do fim e o fim da política


Se o leitor estiver na faixa etária deste que escreve (53 anos) então, por certo, viveu sua adolescência durante os vinte e um anos do Governo Militar. Ao término do regime dos generais em 1985, deve ter aguçado sua curiosidade sobre o mundo das coisas políticas. Os anos oitenta, os quais atualmente até nos acalenta certa nostalgia, prenunciava um clima de esperança por dias melhores. A tal “Carta Cidadã” promulgada no final de 1988 refundava a Nação sob os auspícios de uma República cujo poder emanaria do povo. Direitos e mais direitos foram criados sem termos a certeza de que haveria caixa para pagar a conta. Bem, mas esta história é conhecida nossa e sabemos seu final hoje em dia: um país, administrativamente, ingovernável; politicamente, sem legitimidade; juridicamente, reino da impunidade; educacionalmente, analfabeto funcional e economicamente, falido em modelos econômicos de matriz socialista. A pergunta que não quer calar é: podemos afirmar que a República Democrática estabelecida em 1.889 foi um sucesso? Ou, ao contrário, fracassamos miseravelmente?

Obviamente, não tenho a pretensão em responder, até porque a pergunta pode estar mal formulada ou exigir um tratado para solucioná-la. Em política, talvez até mais importante do que localizar soluções, é necessário formular corretamente as perguntas, as dúvidas que orientarão na busca de correções. A “proclamação” da nossa república foi fruto de um golpe civil-militar, não orgânico (não emergiu do “seio” da sociedade), antes, foi arquitetado e efetivado pela elite intelectual da época, sobretudo com a participação dos militares fortemente influenciados pelo positivismo de Augusto Conte (1.798/1857), tendo à frente um Comandante militar monarquista (ironias da história). Curiosamente, a memória coletiva atual não rememora este evento histórico como um golpe de estado, conquanto, o movimento civil-militar que depôs o Presidente Goulart em 1964 é massificado, sobretudo pela esquerda, como um “golpe” de estado contra o regime democrático e a instauração de uma ditadura militar. Haveria, então, “golpes” legítimos e “golpes” injustificáveis?

É evidente que só pensamos sobre “política” pelo fato de efetivarmos nossa existência em aglomerados humanos chamados pelos antigos gregos de “polis”. Assim, qualquer busca pelos primeiros estudos sobre política, no sentido que atualmente atribuímos (embora sua natureza tenha se modificado), devem ser encontrados em Atenas, afinal de contas, não vem dessa polis as raízes da nossa tão decantada em prosa e verso democracia? Se trouxéssemos o filósofo grego Aristóteles (Estagira, 384 a.C. — Atenas, 322 a.C) à vida, hoje, para analisar nossa democracia, talvez ele ficasse surpreso (para não dizer estarrecido) com as mudanças de sentido que essa forma de governo sofreu ao longo dos séculos. Para este pensador, a política era, por assim dizer, corolária de uma ordem cósmica que possuía um “télos”, um propósito, uma finalidade. Ora, se o cosmos tem uma ordem, não sendo, portanto, caótico, poderíamos descobrir o nosso propósito, afinal, como seres humanos e pertencendo a essa ordem, haveremos de possuir um propósito também. Como fazê-lo? Com o uso da razão, investigar o mundo que nos cerca e no qual existimos. Para quê? Para a construção dos melhores sistemas de organização social e constituição das polis. Dessa forma, os gregos nos legaram a lei natural, a ciência e os alicerces do que seria um governo bom. O leitor, atento como é, já deve estar se perguntando: mas, e se o cosmos não possuir uma ordem e, tampouco, um propósito? Nesse caso, tudo muda e adentramos ao admirável mundo novo da mentalidade revolucionária, corolária do mundo moderno (fim da idade média, renascimento e iluminismo).

Quando você percebe com o senso comum o fato insofismável de que nosso sistema político perdeu a natureza de ser uma “paideia”, ou seja, um instrumento para formar o cidadão da “polis”, uma vez que é na polis que o ser humano se realiza como tal (para Aristóteles, fora da polis só existiriam os deuses ou animais) e transformou-se na busca de poder pelo poder (ou, simplesmente, de um emprego público) você não está errado. Nicolau Maquiavel (1.469 / 1.527) ainda influencia muitos agentes políticos (mesmo que eles o desconheçam). Se para Aristóteles, a ação política estava associada à virtude, Maquiavel postulou ser essa a maior mentira da humanidade. Para ele, a virtude aristotélica deu lugar à “virtú”, uma forma de abandonar a ética e substituí-la pelo pragmatismo: ao príncipe (governante) não há restrições, ou não deve importar-se em incorrer na infâmia religiosa dos vícios necessários para o seu governo, ou, nas palavras do própria Maquiavel, “daí ser necessário a um príncipe, se quiser manter-se, aprender a poder não ser bom e a valer-se ou não disto segundo a necessidade”. Qualquer semelhança com as imposturas políticas dos nossos representantes atualmente, não é mera coincidência.

Perceba, então, em que pese a complexidade do assunto, que os gregos já anteciparam o problema político: uma relação tensa entre indivíduo-sociedade. É percebendo as implicações dessa relação que vão surgir os inúmeros modelos, formas e sistemas de organização política, notadamente (e não menos importante) a função do Estado e do Governo. Para enfrentar essa questão, grandes mentes se mobilizaram ao longo dos últimos dois mil anos. Mas, foi a partir do século XV, com a entrada da humanidade na era moderna, que a discussão ficou acirrada e ainda debatemos em cima desses gigantes que propuseram as mais variadas “soluções” para o eterno problema de como havemos de equacionar o dilema do ser, dever-ser e ordem: qual é, de fato a natureza humana? Há uma natureza humana? Se há, pode ser transformada? Há uma lei natural? Dela emana um direito natural? Se não há, como legitimar o Estado e o Governo? Há uma ordem que nos antecede? Se há, pode ser transformada? Se não há, podemos construí-la? Se sim, como legitimá-la?

Tal são as inquietações que devem consumir muitas mentes ainda. O fato é que, o “pneu” deve ser trocado com o “carro” em movimento.
 
Julio Cezar Rodrigues é advogado e economista (rodriguesadv193@gmail.com)
 
 
 
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