Olhar Direto

Quarta-feira, 24 de abril de 2024

Opinião

O caso Mariana Ferrer e a disfunção midiática

Desde ontem, 03 de novembro de 2020, tanto nas ruas quanto nas redes sociais, não se falou em outra coisa senão no caso em que a blogueira e empresária Mariana Ferrer acusava o empresário André de Camargo Aranha de tê-la estuprado dentro de uma boate em Florianópolis, estado de Santa Catarina.

Após o deslinde da causa, entendeu o Magistrado pela absolvição do Acusado, alicerçando a decisão no art. 386, inciso VII do Código Penal Brasileiro, reconhecendo que não haviam provas suficientes para a condenação, aplicando o consagrado princípio do in dubio pro reo.

Sem querer entrar no mérito da causa, se correta ou não a sentença, até porque não é possível tecer algum comentário sobre essa questão sem ter acesso integral aos autos, um vídeo publicado pelo portal The Intercept Brasil chamou bastante atenção e causou alarde, já que, segundo o mesmo, o Acusado teria praticado “estupro culposo”.

Obviamente, sabe-se que não existe esta figura no direito penal brasileiro, já que o art. 217-A, §1º do Código Penal não prevê a prática daquele delito na modalidade culposa. Reproduzir pelas redes sociais tamanha aberração jurídica é falha indesculpável.
Em todas as cinquenta e uma laudas da sentença, não é possível encontrar a expressão “estupro culposo” uma única vez. Sequer encontra-se menção a esse termo ou ideia.

Mas, se em todo o processo não se fala em “estupro culposo”, porque esse termo foi disseminado pelas redes sociais, chegando ao trending topics do Twitter nacional e sendo manchete nos principais portais de notícias?

Justamente em razão de tal expressão ter sido forjada e evidenciada pelo portal The Intercept, causando comoção e muita revolta, gerando cliques e acessos àquele portal.
Tal manobra é conhecida há muito tempo, principalmente quando a mídia busca influenciar/contestar alguma decisão judicial por meio do sentimento popular, visto que “as pessoas que todos os dias caminham pelas ruas e tomam o ônibus e o metrô tem a visão da questão criminal que é construída nos meios de comunicação, ou seja, se nutrem de uma criminologia midiática.”[1]

Os meios de comunicação, que tem por principal função convencer as massas, tem seu anseio punitivista facilitado quando digital influencers e formadores de opinião difundem a mensagem propalada, moldando a psique de grande parte das pessoas, levando a população a ter uma convicção próxima a unanimidade, no mesmo sentido da “opinião publicada”, conforme ideia defendida por Pierre Bordieu.[2]
Toda essa polêmica resulta em malefícios incalculáveis ao sistema processual penal, acanhando julgadores e atores processuais a remarem no sentido apontado pela grande massa, afim de evitar uma impopularidade não desejada.

Eugenio Raul Zaffaroni, em sua clássica obra “A Questão criminal”, já compartilhava dessa perspectiva, nos alertando que “o poder punitivo não seleciona sem sentido, e sim conforme o que as reclamações da criminologia midiática determinam. O empresário moral de nossos dias não é, por certo, nenhum Savonarola; são a política midiática, os comunicadores, os formadores de opinião”, ou seja, as decisões judiciais tendem a tocar no ritmo imposto por esses personagens, deixando-nos em uma nau sem rumo, à míngua de “estupros culposos” e outras expressões kafkianas.



Renato Henrique Carneiro Assunção Oliveira
Advogado criminalista, sócio-fundador do escritório "Renato Carneiro & Advogados Associados", pós-grad. em Direito e Processo Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitucional e em Direito Eleitoral pelo Damásio Educacional, diretor de prerrogativas da ABRACRIM/MT - Regional Sul e membro do MindJus Criminal.
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