Olhar Direto

Sexta-feira, 19 de abril de 2024

Opinião

Homem não chora

    Não chorar, não sofrer, não reclamar. Não se abracem, não se beijem, demonstrar afeto é impensável. Seja provedor. O trabalho te edifica. Engula o choro.  

Se precisar de ajuda é atestado de fracasso, procurar ajuda é impensável. Regras rígidas e pensamento inflexível.

 Com ares de tragédia edipiana, essas normas são ensinadas de pai para filho. Um roteiro triste e solitário com os papéis atribuídos na infância, mas fazem parte da socialização e desenvolvimento masculino até hoje. 

O aumento no número de suicídios, nossa epidemia silenciosa, é liderado majoritariamente por homens. Segundo o Ministério da Saúde, eles têm quatro vezes mais chances de tirarem a própria vida do que as mulheres. 

É um fato que se esconde em plena vista. Temos os números há décadas, mas não falamos a respeito, não existem ações coordenadas direcionadas e não estamos tocando na ferida: porque os homens estão se matando tanto? 

Oficialmente, a depressão acomete duas vezes mais as mulheres. Assim temos um paradoxo estatístico, já que o suicidio acontece basicamente em pessoas deprimidas. Na saúde mental, onde tudo é mais espinhoso, a interface entre o biológico e o social influencia as estatísticas. 

Iludidos por sua suposta invulnerabilidade, homens utilizam menos o sistema de saúde, esperam o agravamento de doenças em estágios iniciais para recorrer a um profissional e são avessos à prevenção e ao autocuidado. 

Marcar uma consulta, seguir orientações e lembrar nome de medicações parece algo distante para eles. Mulheres, por outro lado, buscam cuidados ginecológicos, se ficam grávidas são acompanhadas por enfermeiras e obstetras. Mães faltam ao trabalho para levar o filho ao médico, algo totalmente anormal para um pai. 

Com isso, muitos homens adultos precisam que suas esposas marquem os atendimentos e  que suas mães descrevam os sintomas. Eles nunca aprenderam a usar esses locais de cuidado. As mulheres escolhem os profissionais e tomam as decisões, assim eles não se responsabilizam pela própria saúde. 

O papel de gênero atribuído à masculinidade se relaciona com força, coragem, racionalidade e poder, essa fantasia é diametralmente oposta à imagem de senso comum que existe de uma pessoa deprimida. 

Mentem até para si próprios que tudo está bem ou enfrentam sofrimentos complexos de término de relacionamentos, de um luto ou uma tristeza sem explicação em uma noite com amigos. Conversas rasas regadas a álcool, que mais entorpecem do que engrandecem.  São mecanismos pobres de negação e distração do problema.

O alcoolismo e uso de substância são marcantes na depressão masculina.  A irritabilidade também. Explosões, impulsividade, xingamentos. Como regra em consultório sempre fico atento, um homem irritado pode ser um homem deprimido. 

Esses fenômenos distraem a todos, se trata o alcoolismo, mas não se fala da tristeza. O humor irritável incomoda, afasta a família, termina casamentos ao invés de suscitar tratamento. 

Com o distanciamento afetivo de uma família cansada, sem amigos que consigam falar sobre sentimentos e sem saber como ou onde buscar apoio profissional, temos essas alarmantes taxas de suicídios, pelo menos em parte, explicadas.

Assim como o Novembro Azul estimula a detecção precoce do câncer de próstata, quero estimular a detecção precoce de sofrimento mental no "sexo forte".

Homem pode chorar, sofrer, deprimir, falar sobre sentimentos e, com tratamento, se libertar. 


Manoel Vicente de Barros é Psiquiatra em Cuiabá e atua no tratamento de Depressão e Ansiedade, CRM 8273, RQE 4866.

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