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Quinta-feira, 28 de março de 2024

Opinião

As 'soluções' da esquerda e o modelo da China

Você já percebeu como a esquerda (ou progressistas, marxistas, comunistas, sociais-democratas, bolcheviques ou mencheviques como queira) tem solução para tudo? Pandemia chinesa? Lockdown! Economia recessiva? Mais Estado? Gravidez indesejada? Aborto! Criminalidade em alta? Redução de pena e fim da prisão em segunda instância! Bem, a lista é infinita e a demagogia e hipocrisia, ilimitada.
Por mais que governos marxistas, quando no poder, intentem reescrever a História para torna-la compatível com suas utopias, há casos que surpreendem, tanto em sua complexidade, como em obviedade (paradoxo?) vejamos algumas passagens da historiografia recente da, agora, segunda potência mundial, China.

Em 09 de setembro de 1976 morria o “grande timoneiro” da República Popular da China (sim, porque temos a República da China em Taiwan) Mao Tsé-tung. Tem-se início a uma disputa fratricida pelo poder no politburo chinês, capitaneado pela viúva, Jiang Qing. Após uma tentativa de golpe de Estado, os veteranos da liderança política se convenceram que o melhor seria entregar o comando a Deng Xiaoping. Há época com 73 anos, Deng obtivera conhecimentos sobre o modo de vida ocidental quando estudou na França, revestindo-o de certa compreensão do modo de produção capitalista, embora já houvesse se transformado em agitador comunista.

A China que Deng Xiaoping assumiu era o resultado do “grande saldo para a frente” de 1958 a 1963 que mergulhou a China em uma das maiores tragédias humanitárias, um completo desastre econômico que resultou na morte milhões de chineses de fome (o livro “ A grande fome de Mao” conta a história dessa tragédia: “o país virou palco de um dos assassinatos em massa mais cruéis de todos os tempos: pelo menos 45 milhões de pessoas morreram de exaustão, fome ou vítimas de abusos mortais das autoridade”). Não contente, Mao implantou a “revolução cultural”, um programa de engenharia social de proporções inimagináveis, enfiando goela a baixo de milhões de pessoas o dogmatismo marxista adaptado às suas reflexões e transformando a doutrina em uma religião cujo líder supremo era ele mesmo. Mao, em sua completa insanidade, prometia com a revolução cultural um mundo novo, sem desigualdade de classes, o qual emergiria, tal como fênix, das cinzas do aniquilamento completo da antiga sociedade. Dificilmente a esquerda atual vai lembrar você de tais eventos provocados pelas adaptações da teoria marxista, contudo, não deixa olvidar, acertamente, como o nazi-fascismo foi outra tragédia humanitária. Embora tais sistemas tenham sido, em muitos graus, inferiores na capacidade de destruição do ser humano do que o comunismo, ninguém ousa defendê-los. Estranhamente, o comunismo, portador de características metastáticas, como uma neoplasia maligna, ainda terá uma longa sobrevida, mesmo depois do desaparecimento da última sociedade comunista.

Voltando à China, quando Mao morreu a participação do seu PIB no mercado global estava no mesmo patamar de quando ele assumiu, ou seja, menos de 4%, ao tempo em que a população da China representava 23% da população mundial, ou seja, a China não era apenas pobre, era miserável. Sua renda per capita era de menos de 40 dólares e a quantidade de grãos disponíveis era menor que em 1957. Esse é realmente um problema colossal para qualquer governante que assuma uma nação com esse cenário socio-econômico. Qual foi a solução proposta por Deng Xiaoping? Insistir com o processo de comunização dos meios de produção e coletivização agrária? Não! Nada disso. Deng era um realista prático. Sabia que a pobreza não iria ser resolvida, a não ser com um modo de produção que gerasse riqueza. Qual a saída? Os MERCADOS, a prática mais antiga das civilizações, as trocas voluntárias de mercadorias; eu troco com você aquilo em que sou mais apto a produzir, mantendo assim, vantagens competitivas. Não é um jogo de soma zero. Dessa forma, a China abriu as portas para a força econômica que é hoje.

Deng foi sábio para perceber aquilo que Mao, preso ao seu idealismo romântico, não conseguia fazer. Preso a uma leitura incorreta da realidade e da natureza humana, obstruindo a capacidade cognitiva de depreender qual o verdadeiro nexo de causalidade entre a pobreza endêmica da China e seu modo de organizar a produção de bens e serviços, Mao não conseguiu eliminar a miséria e aumentar o nível de conforto material da sociedade. Deng, ao contrário, instituiu uma gestão econômica descentralizada e o planejamento flexível de longo prazo para buscar crescimento econômico contínuo, criando uma espécie de “capitalismo com estado forte” ou o “socialismo com características chinesas”, seja como for. O fato é que, sem abrir mão do modelo marxista de organização política monopartidária e controle social da população, liberou as forças de mercado para a geração de riqueza. “Ser rico é glorioso. Pobreza não é socialismo”, vaticinava.

Para que o leitor tenha uma noção da revolução econômica produzida por Deng, subscrevo alguns dados disponíveis na obra “O Poder da China” de Ricardo Geromel: em 1990, a participação da China no comércio global era de 4%, em 2010 havia aumenta para 20%; em 2000, a China era o primeiro ou o segundo maior parceiro comercial de apenas 13 países, representando 15% do PIB global, em 2010, a China já era o primeiro ou segundo maior parceiro comercial de 78 países, representando por volta de 55% do PIB mundial; em 2000, a China correspondia a 2% do total do comércio africano, em 2011, representava 14%; em 2000, a China foi o 12º parceiro comercial do BRASIL, em 2009 e, atualmente, tornou-se o primeiro.

Diante de tais números, e são ainda mais surpreendentes quando esmiuçados, fica a grande pergunta: o mundo vai mudar o sistema da China ou a China vai mudar o sistema do mundo? O legado de Deng, hoje está sob o comando de Xi Jinping. Sem abandonar o marxismo (para Xi, Marx foi o maior pensador dos últimos mil anos) a China segue firme em seu propósito de tornar-se a primeira potência mundial até 2050, via uma nova ideologia que tem sido chamada de “O Pensamento de Xi Jinping”. O ocidente deveria procurar compreendê-la.

Não é objetivo dessa missiva, analisar o mérito do modelo Chinês de crescimento econômico sem liberdade política. Fiz essa pequena explanação para que nossos dirigentes políticos, sobretudo aqueles auto-proclamados progressistas, anti-reacionários ou anti-conservadores (seja lá o que isso possa significar), que acusam o presidente atual de ser ultra-conservador ou de extrema direita, ou neo-liberal (seja lá o que querem dizer com tais expressões), abandonem a demagogia e a hipocrisia com que pautam a oposição política nesse país e pensem que as soluções que estão a propor não ineptas, porquanto ainda eivadas de um anticapitalismo decadente, decrépito e imoral.

O que podemos aprender com a China? Ora, penso que se uma nação organizada sob as premissas de  uma doutrina como a marxista, responsável pelos modelos de estados totalitários mais cruéis já arquitetados pelo homem; que tem na eliminação da propriedade privada e a busca pela igualdade radical de resultados (utopias quiméricas) seus fundamentos, e, mesmo assim, optou por liberar as forças de mercado organizada sob o modo de produção capitalista, objeto principal da crítica marxista, por que não o Brasil, que já tem uma democracia liberal bem estabelecida, não abre sua economia e libera as forças produtivas necessárias para gerar crescimento econômico sustentável? Essa é a pergunta que deve ser enfrentada e sua resposta pode ser a chave para sairmos desse marasmo econômico e derrubarmos de vez o paradigma implantado pelos governos de esquerda que acreditam ser possível criar e manter um estado de bem estar social sem o necessário arranjo econômico que gere a riqueza necessária para bancar a conta. É nesse ciclo miserável que estamos presos.

Meu argumento não tem a intenção de glorificar o modelo chinês. Muito pelo contrário. Não acredito que abrir mão da liberdade política em função da liberdade econômica seja o melhor caminho. Mas, no contexto da China, organizada desde 1949 sob os auspícios da revolução comunista, a aquisição da liberdade econômica, mesmo que mitigada na questão da propriedade da terra, foi um avanço considerável. Como lembra Milton Friedman, a liberdade econômica é uma condição essencial para a liberdade política. A combinação de poder econômico e político nas mesmas mãos é uma receita segura para a tirania. O povo chinês dificilmente aceitará um regresso ao antigo arranjo econômico. Ou seja, se algum dia houver liberdade política na China, pode ser debitado à abertura econômica promovida por Deng.

Esse é, na minha opinião, o ensinamento que devemos colher daquela grande nação. Determinadas soluções não devem ser sopesadas à luz de ideologias. Se o Brasil quer aumentar sua influência no mercado global, necessariamente, precisa aproximar-se das leis do mercado livre. Economia é uma ciência praxeológica. Mises já alertava para a incapacidade do modelo comunista em gerar riqueza ainda no início da década de 1920.

Portanto, cabe a nós, como Nação, decidir que caminho iremos adotar: seguir na direção de aumento e concentração de poder nas mãos de governos (independente da matiz ideológica) ou desconcentrar esse poder assumindo a responsabilidade pelas nossas escolhas e pela nossa existência.
 

Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com)
 
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