Olhar Direto

Terça-feira, 23 de abril de 2024

Opinião

Tributação e gênero

Em um Estado Democrático de Direito não é admissível que existam diferenças de tratamento entre homens e mulheres.

O princípio da isonomia deve prevalecer e a igualdade de tratamento deve ser buscada incessantemente. Isso vale para todos os segmentos do Direito.
No entanto, ainda hoje, existem formas de discriminação tributária pelo motivo de gênero.

Segundo o Direito moderno, há dois tipos de discriminação tributária: a explícita, caracterizada por ser uma lei com viés claramente discriminatório; e a implícita, formada por costumes discriminatórios, mas sem registro legal.

Diferente de alguns países, como a Dinamarca e Alemanha, que taxam produtos de uso exclusivo das mulheres a percentuais que ultrapassam 20%, a legislação brasileira não possui viés explícito na sua tributação. Em nosso país, há um viés implícito, como por exemplo, na Declaração de Imposto de Renda (DIR).

E esse viés implícito, aparece no preenchimento dos dados no site da Receita: nele, as despesas com saúde, dependentes e educação são declaradas na modalidade “declaração completa” e podem ter seus valores deduzidos do imposto a ser pago para o Estado. Essa declaração, na maioria das vezes, é feita pelo cônjuge, por estar na condição de detentor de maior fonte de renda.

Um levantamento realizado pelo IBGE (PNAD Contínua), apurou que em 2019, o rendimento médio dos homens foi 28,7% superior que o das mulheres. Portanto, esse dado evidencia um exemplo de discriminação tributária que ocorre anualmente e muitos nem sequer percebem.

Desse modo, constata-se que ainda nos dias de hoje, a forma como ocorre o abatimento do imposto de renda beneficia os homens.

Se os dependentes comuns pudessem constar na Declaração de Imposto de Renda dos dois genitores, o valor da dedução seria divido de forma igualitária e ambos se beneficiariam.

Assim, o fato de os homens terem um rendimento médio maior que o das mulheres, sendo estes os que “normalmente” declaram o imposto de renda e inserem seus dependentes e respectivas despesas, já pode ser considerada uma afronta ao Estado Democrático de Direito.

As recentes discussões sobre a Reforma Tributária não têm focado na tributação de gênero, apenas na tributação de forma geral.

É notório que precisamos corrigir desigualdades na tributação de gênero, tanto no consumo quanto na tributação individual. É inconcebível que tal pauta não seja abordada em uma reforma tributária.

A tributação deve ser isonômica, de forma que, para que isso ocorra são necessárias políticas públicas que visem a igualdade tributária entre gêneros.

O sistema tributário não deve atuar potencializando as desigualdades de gêneros já existentes, e sim, quebrando essa corrente de desequilíbrio tributário ainda presente atualmente.          
 
Uma iniciativa que tenta trazer mais igualdade na tributação foi apresentada pelo Projeto de Lei 3.085/19, que propõe a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) do absorvente feminino. Hoje, a isenção do produto ocorre apenas por decreto, medida legal que pode ser suspensa a qualquer momento.

O motivo para Isenção de IPI do produto é simples: trata-se de elemento considerado “de suma importância para a higiene das mulheres com ciclo menstrual ativo.” O próprio texto do Projeto de Lei informa isso.

Existem países que consideram os produtos de higiene menstrual, como itens não essenciais e de luxo. Em alguns países da Europa a taxação desses produtos pode chegar a 25% do seu valor.

Os produtos de higiene menstrual são de uso essencial e não opcional, por isso, faz-se necessário políticas públicas tributárias para equilibrar essa relação. Zerar a tributação é necessário, pois somente a mulher o utiliza e o faz em razão de sua natureza e não por escolha própria.

Isso demonstra que o Brasil está no caminho certo, muito embora, ainda haja uma longa e árdua estrada a percorrer para que se possa alcançar a isonomia de gênero no campo tributário.

Diante do exposto, tem-se como FUNDAMENTAL os estudos e debates a respeito da tributação de gênero e a repercussão da desigualdade tributária como fator que prejudica a concretização do pleno desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, pois somente assim é que poderão surgir políticas públicas que sirvam para equiparar referida tributação.
 
Autor: Carlos Henrique Ghiorzi, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Tributário da ABA-Cuiabá (Associação Brasileira de Advogados)
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