Olhar Direto

Sexta-feira, 19 de abril de 2024

Opinião

O ministério da saúde não adverte


Feito para te viciar, é uma forma de ocupar as mãos, deixa pessoas tímidas mais confortáveis, um companheiro para os momentos de solidão que cabe no seu bolso, poderia estar descrevendo um maço de cigarros, mas esse é o seu aparelho celular. 

    Designers são velhos aliados da indústria do tabaco, desenham um produto que pareça elegante, sabores diferentes tornam fumaça mais palatável, versões mais finas e com o rótulo "light" parecem mais seguras. A indústria quer fumantes e continuam pensando em como atrair novos usuários. 

    Da mesma forma, aplicativos de smartphones são milimetricamente desenhados para te viciar. Do outro lado da tela existem centenas de programadores com um único objetivo: captar sua atenção. 

    Uma vibração ou alerta desperta a expectativa de recompensa, um trago que te prende em um fluxo de informações desnecessárias, enquanto capturam seus dados para retroalimentar o ciclo.

Disfarçados de ferramenta útil, aplicativos podem dominar seu tempo e te distanciar de fontes de prazer valorosas. Para quem está preso no ciclo de olhar a tela a cada minuto, se desconectar induz abstinência. Você se torna, literalmente, um usuário. Com login e senha. 

    O tabagismo também é estimulado pela ansiedade social, é um fator que dificulta inclusive os que querem abandonar o fumo. Em festas ou reuniões, fumantes se descrevem desajustados, sem saber o que fazer com as mãos se não tiverem um cigarro ao alcance. 

    Hoje, recorreremos facilmente às telas. Não existe desajuste social em mexer no celular sozinho, assuntos intensos e desconfortáveis são apaziguados em checagens repetidas às notificações. Se todos conversam em uma mesa, você não precisa interagir, abra seu feed que está tudo bem. 

Como uma profecia autocumprida, o desconforto com interações induzem um hábito que mina ainda mais o estabelecimento de vínculo, intimidade e traquejo social. 

Solidão também estimula ambos os vícios, morar sozinho é um fator de risco para diversas dependências. O cigarro é descrito como um companheiro. Um celular conquista com a falsa sensação de conexões reais. 

Crianças que competem demais com as telas dos pais acabam ganhando uma para ficarem no silencioso. Nós levamos celulares para a cama e, como consequência, nunca dormimos tão mal. Assistir um filme completo sem acessar redes sociais parece um sacrifício. Eles estão na mesa de jantar, entre uma garfada e outra, só aquela conferida, por que não?

    Os mais modernos estudos em dependências apontam que o que determina a gravidade e os prejuízos do quadro não é a droga em si, mas a relação estabelecida com ela. 

    Alguém que tenha outras fontes de prazer, consegue, com mais facilidade, se afastar do hábito ou substância. 

    O problema é que pessoas, livros e boas músicas não tem feeds, desenhados especificamente para te agradar, te curtir, nem recebem atualizações semanais para se tornarem mais viciantes. 

Celulares, por sorte, não causam câncer, mas podem te distanciar do que realmente importa para você. Isso o ministério da saúde não adverte. 

Não se deixar levar pelo fluxo viciante e uso compulsivo de celulares é um esforço ativo, exige que você nade contra a maré. 

Criar cômodos sem celulares na casa, horários para se desconectar e silenciar todas as notificações possíveis é um ótimo caminho para começar.

E se você está lendo esse texto em sua tela de bolso, sem neuras, mas modere o uso, se afaste do próximo trago. Pare, olhe ao redor, converse com quem estiver por perto. Faz um dia lindo lá fora


Manoel Vicente de Barros é Psiquiatra em Cuiabá e atua no tratamento de Depressão e Ansiedade, CRM 8273, RQE 4866. Instagram: @dr.manoelvicente
xLuck.bet - Emoção é o nosso jogo!
Sitevip Internet