Olhar Direto

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Opinião

Do nada ao todo, a mente existe no corpo

Falta de ar, dor no peito, angústia, desespero, mal estar insuportável. Ajuda. Pronto socorro. Triagem, pressão normal, respiração normal, sem febre. Exames, espera, todos normais. Não foi um infarto, não era um derrame, não tem pneumonia, ufa. A senhora não tem nada, teve uma crise de nada causada por coisa alguma. Pode voltar para casa e até amanhã. 

    Crises de ansiedade, episódios depressivos e outros diagnósticos psiquiátricos ainda são enxergados como "nada". Um sintoma inventado, fruto de quem pensou errado, está fazendo corpo mole ou tem a "mente fraca". 

    Na Grécia Antiga, Platão já estruturava modelos que separavam o corpo físico das funções cognitivas e comportamentais do ser humano, na modernidade, René Descartes reforçou o dualismo corpo e mente. Essa visão ainda tem profundo impacto na forma que nos enxergamos e influencia o entendimento das doenças psiquiátricas. 

    A mente é entendida como entidade separada do corpo, a figura ativa, o piloto das maquinarias anatômicas. A mente passa a existir em um plano metafísico, intangível, relacionado mais a regras de caráter, índole, fé e força de vontade do que às leis químicas e alterações biológicas do físico.    

Se não pode ser enxergada, suas manifestações não são nada. 

    O corpo, por outro lado, é entidade passiva, despida de vontade, portanto um adoecimento que envolva braços, pulmões ou intestinos, é reconhecido, respeitado e o doente tratado como tal. Você não tem culpa do que acontece com seu corpo, mas é o responsável direto pelo funcionamento da sua mente. 

    Ocorre que tal visão, apesar de intuitiva à nós, ocidentais, não tem nenhuma sustentação na ciência contemporânea. A mente é um dos produtos do nosso corpo. Como tudo que é difícil de entender, parece mágica, e pode até ser, mas esse milagre diário ocorre a partir do nosso funcionamento cerebral e fisiológico.

    O próprio uso do termo "doenças mentais" é bastante problemático. 

Quadros infecciosos, ginecológicos, cardiológicos, e todos os outros estão protegidos no guarda chuva das "doenças físicas", que você, sua mãe e seus filhos eventualmente podem ter. Do lado oposto, exposto às intempéries da subjetividade, estão as doenças mentais, que você e sua família, pessoas corretas e virtuosas, certamente nunca sofrerão. 

A mudança do termo "doença mental", para doença psiquiátrica, ou mesmo doença cerebral psiquiátrica parece ser um passo razoável na direção de integrar as alterações de humor e comportamento ao universo mais neutro da saúde como um todo. 

Uma visão mais biológica em hipótese alguma se contrapõe às correntes revolucionárias de humanização, abordagem multidisciplinar e inserção social que são altamente efetivas e transformadoras. Quem estuda o corpo humano a fundo percebe que interações sociais, alimentação saudável e psicoterapia, por exemplo, alteram objetivamente nossa fisiologia no caminho do bem estar. 

Com esse tom, entendo que ficamos mais próximos de mudanças efetivas. Trazemos a distante saúde mental mais próxima da saúde. 

Que as doenças psiquiátricas sejam estudadas nas escolas como se estuda dengue e infecções sexualmente transmissíveis. A negligência por serviços de emergência em atender uma crise suicida deve gerar a mesma responsabilização legal que negar atendimento a uma crise de asma. 

O diagnóstico médico de "você não tem nada" não pode ser normalizado pela ignorância na compreensão de um dos sistemas mais importantes do organismo. De batimentos cardíacos ao ciclo menstrual, a regulação emocional influencia seu corpo inteiro. 

Menos dualismo, mais integração. Você é a sua mente, você é o seu corpo, você é o todo e ninguém sofre por nada.




Manoel Vicente de Barros é Psiquiatra em Cuiabá e atua no tratamento de Depressão e Ansiedade, CRM 8273, RQE 4866.
xLuck.bet - Emoção é o nosso jogo!
Sitevip Internet