Olhar Direto

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Opinião

As quase 300 mil mortes no Brasil não são obras de Deus


Alguns irão dizer que: – Que blasfêmia esse artigo. Porém, asseguro para os crédulos que todas estas mortes podem até ter sido permitidas por ele (Deus), mas não são obras suas.

A frase “não cai uma folha da árvore se Deus não permitir” nestes momentos difíceis em que estamos perdendo familiares, amigos, amores, nos traz consolo, acalenta nossos corações, acalma as nossas dores.

Entretanto, essa mesma família que utilizará da fé para seguir, sabe o que viveu.

A impossibilidade de ficar em casa, em isolamento, a dificuldade para fazer o teste, em realizar os exames para fechar o diagnóstico, de conseguir todas as medicações necessárias, um leito no hospital e no agravamento do quadro, a busca dolorosa e angustiante por uma UTI e em algumas situações como no estado do Amazonas, nem o oxigênio, item essencial para garantir a vida.

Todo esse caos não é natural, assim como a pobreza, a desigualdade social, a violência contra as minorias (negros, mulheres, crianças, idosos, LGBTQIA+ etc.).

Naturalizar tudo isso, transferir a responsabilidade para outros, nesse caso, para uma questão espiritual, é uma estratégia utilizada há muito tempo para impedir que o povo questione.

Por que tantas mortes? Por que a vacinação está tão devagar? Por que faltou oxigênio? Por que as pessoas não respeitam o distanciamento, o isolamento, o uso das máscaras?

E a resposta não é porque Deus assim o quis.

Quando a sociedade instituiu um ente denominado Estado e aqui vamos entendê-lo enquanto governos federal, estaduais, municipais, Poder Judiciário, Legislativo, Ministério Público, Defensoria Pública, que autorizaram por meio de um contrato social, que ele, o Estado, garantisse a vida, a propriedade privada e a liberdade, ainda que restrita, segundo os clássicos.

Aqui no Brasil o nosso atual Contrato Social é a Constituição Federal de 1988 e lá está garantido, entre tantos direitos, o direito à saúde enquanto um dever do Estado, garantido por meio de políticas sociais e econômicas.

E, para que o contrato seja cumprido, é preciso tomar decisões, definir prioridades, elaborar ações, executar e prestar contas à sociedade.

Então, se temos aproximadamente 300 mil mortes, além dos órfãos da pandemia, os que precisarão de reabilitação, alguém deixou de cumprir sua parte no Contrato Social.

E não foi Deus.

Algumas pistas podem nos mostrar quem falhou, quem foi omisso ou negligente.

O Tribunal de Contas da União apresentou no quinto relatório de Acompanhamento da atuação do governo federal no combate à COVID-19 vários questionamentos sobre a relação direta das ações com os objetivos, a falta de ação coordenada entre os Ministérios e a necessidade de estabelecer ações de impactos para questões importantes.

Em um momento de pactuação mundial, o governo brasileiro assumiu posições frente a outros países, como China e Índia, que podem ter trazido prejuízos no avanço da vacinação no Brasil, a demora em receber os insumos necessários para a fabricação da vacina pelas instituições brasileiras ou a demora em fechar acordos para a compra direta junto aos laboratórios fabricantes das vacinas.

O auxílio emergencial destinado à população em situação de vulnerabilidade, a princípio, com uma proposta de R$ 200, só aumentou para R$ 600 em virtude de pressão da Câmara dos Deputados. Hoje a proposta do governo são R$ 150, em um cenário de alta dos preços. Como sobreviver?

O exemplo dado à população pelas autoridades máximas do governo federal ao não usar máscara, não manter o distanciamento ou isolamento, ao criticar as iniciativas estaduais e municipais de fechamentos e restrições, contribuiu para um comportamento quase suicida por parte da população.

Se de um lado a corda já arrebentou faz tempo, do outro, o Estado continua garantido os privilégios, o pagamento da dívida pública que consumiu em 2020 1 trilhão de reais, o que equivalente a 920 vezes o prémio do Big Brother, e garante a riqueza de uma elite, assim como outros setores que recebem incentivos fiscais, pagam menos impostos, aumentando assim seus lucros. Aos pequenos e médios empresários, restam as dificuldades de chegar ao crédito anunciado pelo governo federal.

Portanto, “a César o que é de Cesar”, que o Estado cumpra com as suas responsabilidades para com todas e todos e garanta para além da saúde, a vida da população brasileira.

Lucineia Soares

Economista, Mestra em Política Social e Doutora em Sociologia.
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