Olhar Direto

Quinta-feira, 25 de abril de 2024

Opinião

Prisão civil do devedor de alimentos, estigmatização e alternativas


A pensão alimentícia se estabelece quando preenchidos os pressupostos de existência de companheirismo; vínculo de parentesco ou conjugal entre as partes; a necessidade do alimentando e a possibilidade econômica do alimentante. Esta trilogia há de se fazer presente em todas as imposições de prestar alimentos de modo a surgir não só uma obrigação alimentar, mas a aplicação prática dos princípios da dignidade humana e da solidariedade familiar.

Superada a ação de conhecimento em que se entabula o montante dos alimentos devidos ao alimentando, seja por determinação judicial ou homologação de acordo, nasce ao credor o direito de pleitear, judicialmente, a mora, promovendo a ação de execução de alimentos. Podem os alimentos, nesse caso, ser exigidos coercitivamente por meio de execução por quantia certa contra devedor solvente, inscrição do nome do devedor contumaz de alimentos ou através da prisão civil.

Com posicionamento isolado, Marinoni é contundente ao afirmar que o credor deve preferir impreterivelmente a expropriação, e apenas quando restar infrutífera a prisão será cabível, sob a custódia do princípio da intangibilidade física e atrelado ao argumento de que “o meio executivo a ser utilizado necessariamente deve ser aquele que traz a menor restrição possível ao executado.”

Por sua vez, o autor Luís Flávio Gomes elucida que no caso de alimentos, bens jurídicos muito relevantes, acham-se por detrás da prisão: vida, integridade física, desenvolvimento da personalidade da pessoa, entre outros e esses bens jurídicos justificam a privação da liberdade.

A prisão civil do devedor de alimentos encontra previsão no artigo 5º, LXVI da Carta Maior e classifica-se como meio coercitivo para forçar o alimentante relapso a cumprir com suas obrigações. Ao contrário do que o senso comum  pensa ser, o cerceamento da liberdade frente ao alimentante em mora não é punição, prova disso é que o devedor preso será prontamente posto em liberdade quando adimplir sua dívida, por tal fato seu tratamento não se iguala a pena criminal.

Contudo, a forma de coerção que já foi a esperança das famílias que sofrem no judiciário a espera de um respaldo financeiro, não se verifica mais em massa atualmente. Nas palavras de Maia o otimismo inicial desapareceu e, atualmente, predomina uma certa atitude pessimista, não há muitas esperanças sobre os resultados que se possam conseguir com a prisão tradicional. A crítica tem sido tão persistente que se pode afirmar, sem exagero, que a prisão está em crise.

Grande parte dos doutrinadores e julgadores brasileiros defendem a ineficácia do procedimento em que sua punição recai sobre o homem, emergindo a indagação se há proporcionalidade em cercear a liberdade, tirar o cidadão de sua labuta e dificultar ainda mais o recebimento da mora, estigmatizá-lo e nem sempre se obter o almejado, ou seja, ponderação entre a carga de restrição e o resultado.

A prisão civil por dívida alimentar, do ponto de vista teórico, sempre foi visto como uma sanção justa e proporcional que atende aos interesses do alimentado e garante a tão desejada efetividade processual. Contudo, essas conclusões tão sedimentadas devem ser relidas de um prisma diferente da efetividade e do interesse do menor, para que a utilização indiscriminada desse expediente não se volte contra o próprio interessado.

A crítica se inicia da premissa que, mesmo sendo uma prisão civil, em que o devedor de alimentos não fica no mesmo ambiente do preso penal, as consequências penalógicas se atribuem de igual modo, pois independentemente da adjetivação ou qualificação que lhe queiram emprestar, vale dizer, civil, criminal, penal, processual, disciplinar etc., estará sempre o seu destinatário sujeito aos mesmos malefícios psíquicos, além da mesma restrição do direito universal, liberdade, assim como a estigmatização decorrente da prisão.

O fato da prisão civil acontecer diante do pedido da parte, ou seja, não permitir ao juiz de direito que a determine de ofício, se dá, também, em virtude da estigmatização que essa pode causar, pois nem sempre a mora alimentar implica àquele alimentante que não possui convivência e não proporciona afeto, assim, pode causar a crianças um grande trauma ao ver o seu pai, por exemplo, atrás das grades.

Nesse cenário, o ministro Cézar Peluso explanou que a continuidade da prisão civil no Brasil consiste em um “retorno e retrocesso ao tempo em que o corpo humano era corpus vilis, que, como tal, podia ser objeto de qualquer medida do Estado, ainda que aviltante, para constranger o devedor a saldar sua dívida”.

Ante a demonstrada crescente ineficácia, sugere-se outras medidas coercitivas a gerar menor estigmatização do devedor de alimentos e igualmente constrangê-lo a cumprir com seu débito. Desta forma, recomenda-se que, assim como fez a Lei Argentina existam mais medidas que obstaculizem a vida civil do devedor contumaz, tais como: Impossibilidade de abrir conta bancária, bem como adquirir empréstimo, salvo para quitar o próprio débito alimentar, aponta-se ainda a impossibilidade de renovação de habilitação, impossibilidade de assumir concursos públicos e participar de licitações, assim como, de locar imóveis, influenciando na vida cotidiana do devedor de alimentos, causando-lhe, contudo, uma estigmatização de cunho civil e não penal, como indubitavelmente ocorre com a prisão do devedor de alimentos.
 
Bibliografia:
 
 
ARGENTINA, Constitucion de la Nación Argentina. Disponível em <http://www.oas.org/juridico/mla/sp/arg/sp_arg-int-text-const.html>. Acesso em: 14 jun. 2021.
 
BRASIL, República Federativa do. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Co nstituicao.htm> Acessado em: 14 de Jun. de 2021
 
CORDEIRO, Maurício. Prisão civil por dívida e sua proscrição definitiva. In: MAIA, Roberto Serra da Silva. Prisão civil do devedor de alimentos: abolição. São Paulo: LTr, 2013.
 
GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas à prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
 
MAIA, Roberto Serra da Silva. Prisão civil do devedor de alimentos – Abolição. São Paulo: Editora LTr, 2013.
 
MARINONI, Luiz Gruilherme. ARENHART, Sergio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. São Paulo. Revista dos Tribunais. 4ª Ed. 2018.
 
 
Autora: Lisandra Mansor Gaona, advogada, formada na Universidade Federal de Mato Grosso e pós graduada em direito constitucional. Membro da Comissão de direito de família da Associação Brasileira de Advogados - ABA-MT
 

 
 
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