Olhar Direto

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Opinião

A “Taxação” da Energia Solar

                        
Um tema cada vez mais em comento, quiçá em razão do contínuo crescimento dos preços das faturas de energia elétrica, é a instalação de placas solares por consumidores para geração de energia.
           
Como já se é bem difundido, é possível, hoje em dia, o consumidor de energia elétrica instalar, em sua(s) propriedade(s), pequeno(s) (micro/mini) sistema(s) de geração de energia elétrica, de modo a injetar energia na rede e, assim, diminuir o valor devido à concessionária pelo consumo.
           
A isso dá-se o nome de sistema de compensação: o consumidor produz e injeta energia elétrica na rede, de maneira a cedê-la à concessionária e, com isso, abater, por compensação, o valor devido em razão de seu consumo.
           
Ao lado disso, se fala muito também em uma tal de “taxação” da energia produzida em tais micro/mini sistemas de geração energia. Soa o boato de que o Estado estaria cobrando ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre o valor da energia produzida nesses sistemas.
           
Mas ocorre mesmo uma “taxação” dessa energia produzida e injetada na rede? Ou isso é apenas uma impropriedade cada vez mais repetida?
           
Para bem esclarecer as coisas, comecemos do início, com a composição da fatura de energia elétrica.
             
A fatura em si de energia (ou seja, deixando-se de lado encargos setoriais e impostos) é composta por dois componentes: a tarifa de energia (TE) e a tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSD). A TE é a que representa o valor da energia efetivamente consumida; e a TUSD, como o próprio nome esclarece, é o valor devido pelo uso do sistema de distribuição, o “caminho” que a energia percorre até o consumo final.
           
Além de outros encargos e tributos, é necessário se pagar ICMS sobre o valor da fatura de energia elétrica. Sendo a fatura composta pela TE +TUSD, o valor do imposto é calculado sobre o resultado dessa soma.
           
Agora, quanto à energia produzida em micro/mini sistema de geração de energia e injetada na rede, frise-se desde logo: não há incidência de ICMS.
           
Não há (e nem poderia haver) essa cobrança, posto que o ICMS referente à energia elétrica incide sobre o consumo da energia. Quando alguém gera energia elétrica e a injeta na rede, não há consumo de energia, mas apenas um empréstimo gratuito para fins de posterior compensação, como bem esclarece a Resolução Normativa nº 482/2012-ANEEL (que trata da micro/mini geração de energia, do sistema de compensação, entre outros assuntos) em seu artigo 2º.
           
Ou seja, é uma impropriedade se dizer que há taxação/tributação da energia solar.
           
Para além de não haver incidência de ICMS, o que ocorre, na verdade, quando um consumidor produz energia elétrica e a injeta na rede, é a concessão de uma isenção parcial do ICMS devido pelo seu consumo de energia elétrica.
           
Explica-se: O Estado de Mato Grosso, em atenção ao firmado no Convênio ICMS 16/2015, do CONFAZ, publicou a Lei Complementar nº 631/2019, que estabeleceu, em seu artigo 37, isenção de ICMS – até 31/12/2027 – para as operações de circulação de energia elétrica, sujeitas a faturamento sob o Sistema de Compensação de Energia Elétrica de que trata a Resolução Normativa nº 482/2012-ANEEL.
           
Os termos da Lei são bem entendidos quando lidos em atenção ao Convênio, que estabelece a possibilidade de nosso Estado conceder isenção do ICMS incidente sobre a energia elétrica fornecida pela distribuidora à unidade consumidora, na quantidade correspondente à soma da energia elétrica injetada na rede de distribuição pela mesma unidade consumidora, ressaltando, porém, que isso não se aplica ao custo de disponibilidade, à energia reativa, à demanda de potência, aos encargos de conexão ou uso do sistema de distribuição, e a quaisquer outros valores cobrados pela distribuidora.
           
Ou seja (e repetindo-se): não se tem uma cobrança de ICMS sobre a energia produzida em sistemas de micro/mini geração e injetada na rede para compensação. O que se tem, ao invés disso, é a concessão de isenção parcial do ICMS devido sobre a fatura de energia do consumidor. Parcial por se restringir ao ICMS devido sobre a tarifa de energia (um dos dois componentes da fatura, ao lado da tarifa do uso de sistema de distribuição).
           
Para ilustrar, pensemos na hipótese de alguém, em determinado mês, consumir, 100kWh, e, por meio de sistema de compensação, injetar 100kWh na rede.
           
Esse consumo de 100kWh irá gerar uma fatura de energia composta (entre outras coisas) por uma tarifa de energia (TE) e por uma tarifa de uso do sistema de distribuição (TUSD).
           
E, com base nisso, se cobrará ICMS, que incidirá sobre a soma do valor da tarifa de energia e do valor da tarifa de uso do sistema de distribuição.
           
Em decorrência dos 100kWh injetados, haverá isenção do ICMS, mas somente sobre a parcela decorrente da TE. O ICMS decorrente da TUSD, pois, continuará sendo cobrado, o que não significa, de qualquer maneira, que se está taxando a energia injetada.
           
E vale perceber, ainda, que, em razão de a isenção se limitar à parcela da TE, não haveria alteração no ICMS devido se, neste caso hipotético, ao invés de 100kWh, fossem injetados 200kWh, 300kWh, 400kWh etc. Injetando-se uma quantia igual ao consumo, já se alcança a maior possível isenção.
           
O tributo, pois, frise-se, é devido em razão do consumo e não em razão da injeção de energia na rede; e a diferença é notável tanto por razões jurídicas quanto práticas, não sendo adequado continuar a se repetir o bordão de que a “energia solar está sendo taxada”.
           
Em prol da síntese, encerra-se por aqui este texto, com a esperança de que, com ele, possamos ter contribuído para o esclarecimento do tema, de maneira a fortalecer as discussões e debates.
 
Saulo Niederle Pereira é advogado em Cuiabá/MT.
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