Olhar Direto

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Opinião

O IRDR sobre as Férias dos Professores Estaduais

Entre as novidades trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 em prol da uniformização jurisprudencial há a instituição do incidente de resolução de demandas respetivas - IRDR.

O incidente, que é de competência originária dos Tribunais, se preza a resolver controvérsias de direito que tenham gerado uma grande quantidade de processos (demandas repetitivas), sendo cabível quando, em razão da repetição de processos, haja risco à isonomia e à segurança jurídica (o que ocorre, por exemplo, quando são dadas decisões discrepantes a múltiplos processos sobre a mesma questão de direito).

Entre os IRDRs atualmente correntes no Tribunal de Justiça de Mato Grosso há o IRDR nº 4, que se propõe a decidir a celeuma quanto aos professores estaduais possuírem direito a adicional de 1/3 (um terço) apenas sobre 30 (trinta) dias de férias anuais; ou se também o possuem sobre o período de 15 (quinze) dias de intervalo entre os semestres do calendário escolar.

A discussão existe em razão das disposições da Lei de Carreira dos professores estaduais, qual seja, a Lei Complementar nº 50/1998, que estabelece, em seus artigos 54 e 55, o seguinte:

Art. 54 O professor e os demais profissionais em efetivo exercício do cargo gozarão de férias anuais:
I - de 45 (quarenta e cinco) dias para o professor, a saber:
a) 15 (quinze) dias no término do 1° semestre previsto no calendário escolar;
b) 30 (trinta) dias no encerramento do ano letivo de acordo com o calendário escolar.
(...)
Art. 55 Independente de solicitação, será pago aos Profissionais da Educação Básica, por ocasião das férias, um adicional de 1/3 (um terço) da remuneração, correspondente ao período de férias.





O Estado, porém, nunca realizou o pagamento do adicional sobre 45 dias, mas tão somente sobre 30. Em razão disso, muitos professores ingressaram na Justiça cobrando o pagamento do adicional de 1/3 também sobre o período de 15 dias de intervalo entre os semestres do calendário escolar, dando origem, assim, a uma grande quantidade de processos individuais.

Muito embora o fundamento de todos os processos fossem o mesmo, os resultados foram discrepantes, tendo muitas dessas ações sido julgadas procedentes, enquanto outras foram julgadas improcedentes.

Dada a grande repetição de processos quanto à mesma controvérsia de direito, com emissão de decisões conflitantes, além da inexistência de discussão sobre o tema nas Cortes Superiores, veio bem a calhar a instauração do incidente.

As teses de cada lado estão muito bem elencadas e definidas.

Em prol do pagamento do adicional de 1/3 sobre os 45 dias, há a clara disposição legislativa.

Como se vê da Lei Complementar, é estabelecido, no artigo 54 um período de férias anuais de 45 dias (30 no encerramento do ano letivo e 15 dias no término do 1° semestre); e, logo no artigo seguinte, é determinado o pagamento de adicional de 1/3 sobre o período de férias, sem qualquer distinção.

O Estado, por sua vez, para rebater isso, alega – com base em uma interpretação da lei dita sistemática e teleológica (conectando, por exemplo, as disposições da Lei Complementar 50/98 às disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei Federal nº 9.394/1996) – que o período de 15 dias em comento seria mero recesso escolar, e não férias, razão pela qual indevido o pagamento de adicional de 1/3 sobre ele.

Diz-se que “o termo ‘férias’ foi utilizado de maneira atécnica” pelo legislador (dito assim pelo Estado em sua petição inicial), pugnando-se pela rejeição da tese de que deve se haver o pagamento de adicional de 1/3 sobre 45 dias.

O incidente foi admitido em abril deste ano (2021) e pende agora de decisão.

O Ministério Público, pela sua Procuradoria de Justiça, já se manifestou nos autos, opinando pela rejeição das teses expostas pelo Estado e pela fixação do direito de os professores receberem o adicional por todo o período de férias (45 dias).

Em nossa opinião, as teses do Estado não merecem prosperar.

Afinal, lembrando as boas palavras de Lenio Luiz Streck, “não podemos dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”.

As palavras legislativas têm sentido e, embora tenhamos superado a concepção clássica de resumir a norma ao texto, não se pode, seja qual for o meio de interpretação, fugir de uma disposição tão clara da lei em se conceder uma benesse patrimonial aos professores. Foi uma opção legislativa que precisa ser respeitada.

Mas a nós cabe apenas acompanhar e aguardar o julgamento do incidente. Nossa expectativa e torcida, conforme acima exposto, é pela rejeição das teses do Estado.

Porém, é certo que, seja qual for o resultado, haverá ao menos o benefício do fortalecimento da isonomia jurídica, com a fixação de uma tese a ser aplicada de igual maneira em todos os casos, evitando-se a desconfortável situação de processos iguais (em fundamento) receberem decisões diferentes.




Saulo Niederle Pereira é advogado em Cuiabá/MT.
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