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Opinião

O exemplo do Flamengo

Luiz Henrique Lima

O destaque esportivo de 2019 no Brasil foi o extraordinário desempenho do Flamengo, disso não há qualquer dúvida. Campeão estadual, campeão brasileiro e campeão da América, quebrando inúmeros recordes, além de conquistas nas categorias de base, no futebol feminino e em diversas modalidades esportivas. Campeão absoluto de renda, de audiência e de engajamento de sua apaixonada torcida, não apenas a maior do Brasil, mas a única que ultrapassou todas as fronteiras regionais e lotou estádios em qualquer lugar do país e até do mundo, como vimos recentemente em Lima e em Doha.

O contraste é imenso com outros clubes de grande tradição, que há pouco tempo acumulavam títulos importantes e hoje amargam dívidas estratosféricas e desempenhos pífios em que o único objetivo, nem sempre alcançado, é fugir do rebaixamento.

Penso que o fenômeno Flamengo deve ser analisado muito além da discussão tática do que ocorre dentro de campo. Estudar essa trajetória vitoriosa pode proporcionar exemplos bastante úteis para aplicação em diversas esferas além da esportiva, como na definição de políticas públicas e no planejamento estratégico de gestão.

Quem analisa o sucesso do Flamengo em 2019 é unânime ao reconhecer que o esforço de recuperação do clube começou em 2013. Eis a primeira lição. Não há milagres no curto prazo. É necessário planejamento estratégico e disciplina para alcançar os objetivos.

Em 2013, o Flamengo vivia uma situação de grave crise financeira, semelhante a que hoje sofrem diversos estados e municípios: elevado endividamento, insustentável custo da folha salarial, baixa realização do potencial de arrecadação, contratos superfaturados, déficits financeiros, voluntarismo na política de contratação de atletas e treinadores.

Aos poucos, a situação foi revertida. A gestão foi entregue a profissionais experientes. A responsabilidade fiscal foi assumida como regra de ouro. A credibilidade foi recuperada. A dívida foi renegociada e reduzida. Novos contratos de patrocínio foram celebrados. Os programas de sócio-torcedor foram ampliados. Atletas formados na base do clube foram vendidos para clubes europeus em condições vantajosas. Os valores foram investidos de forma sustentável na infraestrutura do clube e na formação de um elenco competitivo.

Aos poucos, os resultados esportivos começaram a aparecer. Em 2017, retornou à Copa Libertadores para não mais sair, foi vice-campeão da Copa do Brasil e da Sul-Americana. Em 2018, vice-campeão brasileiro. E em 2019, as grandes conquistas, que culminaram no jogo épico com o Liverpool na final do Mundial de Clubes, decidida apenas na prorrogação.

Importante registrar que nesse período houve mudança de comando, com alternância dos grupos dirigentes, mas sem alteração do compromisso com a responsabilidade financeira e a profissionalização da gestão.

Um ponto de destaque foi a coragem de buscar a inovação, com a contratação de um treinador europeu que trouxe nova metodologia de trabalho, com exigência de maior disciplina e comprometimento de toda a equipe. As alterações promovidas no estilo de treinar e de jogar fizeram o Flamengo alcançar outro patamar e sacudiram a mesmice burocrática defensivista que contaminou o futebol brasileiro desde a derrota de 7 x 1 na Copa de 2014 ou, segundo alguns analistas, desde a derrota de 3 x 2 para a Itália na Copa da Espanha. No segundo semestre de 2019, o Flamengo apresentou um futebol bonito de se ver, com foco permanentemente ofensivo, impressionante sucessão de vitórias, muitos gols e pouca violência, com raríssimas expulsões motivadas por faltas.

Claro que nada é perfeito e problemas existem, como em todas as organizações humanas. Mas o que o Flamengo fez, outros clubes podem e devem fazer. O que o Flamengo fez, muitos gestores públicos podem e devem fazer.

Recapitulando: implantar planejamento estratégico, priorizar responsabilidade fiscal, escolher gestores qualificados, vender ativos patrimoniais, conter o endividamento, recuperar receita, controlar a folha de pagamento, investir na infraestrutura, resistir às tentações do curto prazo, não desconstruir o bom trabalho de antecessores, buscar a inovação e valorizar a qualidade. Com isso, e um pouco de paciência, as vitórias virão e muitas taças serão erguidas.

Quem dera ver lideranças, métodos semelhantes sendo aplicados e melhores resultados alcançados na educação e na saúde em nosso país!
 

Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.
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