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Opinião

As propostas da gestão Bolsonaro e seu impacto nas Instituições Federais de Ensino Superior

Carlos Américo Bertolini

As críticas dos governantes da atual administração atingiram diretamente as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), todas elas públicas. Há uma campanha sórdida de difamação em andamento, os protagonistas que aparecem em vídeos de internet insultam os profissionais que não compartilham de suas crenças partidárias, mas não apresentam evidências dos males atribuídos ao serviço público federal. Minhas considerações abordam a recente disputa entre os funcionários da cúpula do governo federal e aqueles que participam na defesa das suas presentes condições de trabalho, ou seja, as categorias de suas respectivas comunidades acadêmicas.

Acredito que para aqueles que não fazem parte dos grupos de contendores acima mencionados, seja pouco compreensível a aversão manifestada diante do argumento de que os salários altos pagos pelas IFES aos seus funcionários são o motivo principal de sua inviabilidade financeira. A solução apresentada, sem o devido diagnóstico isento, elaborado por investigadores qualificados, é o de que o mercado serviria para regular a situação, ou seja, o modelo para a educação superior viria da simples incorporação das universidades públicas ao espaço mercantil já consolidado. Se os salários fossem reduzidos aos patamares de instituições de ensino com fins lucrativos e os alunos, analogamente, pagassem por seus cursos, a situação estaria sob controle das autoridades de Brasília e não haveria mais questionamentos das políticas educacionais, que seriam geridas por critérios exclusivamente técnicos: quem fizesse greve seria sumariamente demitido, os alunos que se articulassem seriam expulsos, e tudo viraria a almejada paz dos cemitérios, como na época do regime cívico militar (1964-1985).
 
Contudo, ao contrário do que afirmam os correligionários da atual gestão federal, considerar o ensino em instituições comerciais (não incluo as instituições sem fins lucrativos nesta abordagem) como parâmetro para educação nacional é uma falácia: fica patente que o objetivo, já perseguido desde a época do neoliberalismo de Fernando Collor, é o de sucatear as instituições públicas e expô-las à humilhação simbólica de abrir mão dos critérios acadêmicos vigentes para obter a colaboração dos capitalistas do ensino. A questão é mais ampla e complexa do que a troca de um sistema por outro.

Há uma grande corrente de opinião que acha adequado ganhar dinheiro com o medo coletivo, incentivando a proliferação de empresas de segurança particular; há também os que exploram a confiança de leigos no assunto, vendendo ensino universitário de baixa qualidade; como há os planos de saúde privados que se aproveitam de doentes para faturar com a venda dos serviços das categorias que se dedicam a curar as multidões de doentes de nosso país. É difícil de acreditar que o público em geral não perceba o que está evidente, que as distorções provocadas pela concentração de riquezas nas mãos de poucos só leve a novas exigências de sacrifícios alheios para que os privilégios atuais sejam mantidos...

Ao se considerar o cenário esboçado acima, percebemos que as propostas da atual administração federal são voluntaristas e sectárias, pois não pretendem diagnosticar as situações que abordam, bastando asseverar que as reformas propostas são contra os seus adversários partidários, que qualquer desatino ganha foros de opinião abalizada pelos milhares de aderentes de campanhas virtuais. Há, portanto, fortes interesses partidários e ideológicos articulados com a busca do lucro das empresas, sem que pese nenhuma preocupação com ensino superior de qualidade, muito menos com pesquisa científica ou extensão universitária.

As injustificadas atitudes vingativas contra os funcionários públicos e estudantes das IFES são um insulto a história educacional do país. Partindo deste contexto, em que o patriotismo e o bem comum são apenas bandeiras demagógicas de populistas de direita, que tipo concreto de medidas são cogitadas ao se postular que a gestão do ensino superior deva ser pautada pelos interesses dos capitalistas da educação?

Se as IFES fossem geridas por tais critérios, significaria o abandono de algumas diretrizes consideradas fundamentais no setor público. As escolas particulares de ensino superior não remuneram os docentes pela sua titulação acadêmica, mas pelo nível da turma em que o educador atuar, assim especialistas, mestres e doutores recebem o mesmo num curso de graduação, analogamente em cursos de especialização. A remuneração seria calculada considerando-se as horas despendidas em sala de aula, o professor horista seria trabalhador sem descanso semanal remunerado, férias ou décimo terceiro salário. Além disso, o custoso setor de pesquisa científica seria desarticulado, dispensando todos que não atuassem em sala ou cargo administrativo acadêmico. Analogamente, as atividades de extensão, arte e cultura seriam igualmente encerradas em definitivo. A carga horária dedicada a prática profissional, estágios, aulas em laboratórios, e consultas a bibliotecas seriam reduzidas ao mínimo tempo possível, em alguns casos passariam a ser executadas em espaços fora da instituição de ensino, ou até completamente suprimidas.

Vale mencionar que o uso da rede (internet) em atividades didáticas correntes também apresenta problemas. Elas acontecem sem participação de monitores, ou tutores, ou professores-assistentes, e serão feitas sem orientação alguma, com consultas a bibliografias em arquivos digitais e especificação genérica dos objetivos a cumprir, sem avaliação alguma, nem mesmo digital, ou por chat ou com qualquer tipo de correção ou orientação destinada aos clientes, denominada projeto pessoal...

Em suma, as instituições particulares lucrativas não vão substituir as públicas, estas vão para a lata de lixo da história da educação nacional; haverá apenas sumária extinção do patrimônio de décadas de gastos para criar o parco sistema público. As palavras adequadas para descrever tal intenção são descarte, desmanche, sucateamento e desperdício de verbas públicas acumuladas ao longo de décadas a fio.


Carlos Américo Bertolini é Bacharel em Ciências Econômicas (IFCH/UNICAMP/1980); Mestre em Educação (IE/UFMT/2000); Doutor em História (IGHD/UFMT/2016); funcionário público federal, lotado na UFMT (08/1982); e-mail:<cabertolini@gmail.com>.
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