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Opinião

Não há vácuo, ministra!

Euclides Ribeiro

Em novembro de 2019, após 11 anos de debate desde o primeiro pedido de recuperação judicial de produtor rural, o STJ decidiu que produtor rural é empresário e pode fazer recuperação judicial,( RESP 1.800.032/MT), independente de tecnicalidades burocráticas que vinham sendo utilizadas para impedir a renegociação de dívidas dos produtores de todo país.

Permitiu o STJ, nossa maior Corte de legislação federal, que produtor seja tratado como é de fato e de direito, como empresário, e dos bons, como são as construtoras, como são as usinas, as telefônicas, as transportadoras, as indústrias, e todas empresas que se sujeitam aos riscos do mercado.
 
Mais de 8 mil empresas e mais de 5 milhões de empregos foram salvos graças a esse instituto. Os únicos que parecem não ter entendido isso até hoje são as tradings, que continuam usando argumentos terroristas para pedir ajuda justamente ao governo, alegando que o mercado deve ser regulado, clamando para que intervenha e crie uma forma de recuperação judicial especial ao produtor rural.
 
Nada mais anti-mercado. Um punhado de empresas que se unem para pedir ao Governo que protejam esse clube contra milhões de produtores rurais. Cômico se não fosse trágico, e arrepia a espinha ouvir a ministra declarar que o Governo vai buscar consenso por ter um vácuo na lei.
 
NÃO HÁ VÁCUO ALGUM! A lei é clara, interpretada e didaticamente explicada pelos Ministros do STJ.
 
Segue a decisão colegiada. "Após obter o registro e passar ao regime empresarial, adquire o produtor rural a condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial, bastando que comprove, no momento do pedido, que explora regularmente a atividade rural há mais de 2 (dois) anos. Pode, portanto, para perfazer o tempo exigido por lei, computar aquele período anterior ao registro". (RESP 1800032/MT), nessas exatas palavras, mais claro que isso, impossível.
 
Não há ingênuos nessa história, financiam porque querem e porque é lucrativo para todos. Muitas tradings captam a 3% e emprestam aqui a 20% ou mais.  Em conjunto com as multinacionais exercem o papel de bancos, fomentadores de insumo e tomadores finais do produto, em três cadeias com poucos players, e muito poder na formação do preço dos insumos, dos juros (que chegam a beirar os 30% ao ano em alguns casos, sem qualquer controle do Banco Central) e dos produtos finais.
 
Governo que protege essa cadeia é o golpe final contra o produtor  e  a favor do sistema.
 
Somos, nós brasileiros, produtores (o nome já diz) de grãos, físico, e não temos controle de mais nada além do know-how de fazer o grão germinar, e na prática nem isso, pois os fatores são biológicos, químico-físicos, tanto ou mais do que humanos, portanto, cada um que administre sua parte do risco e assim continuamos produzindo. Às tradings o que é das tradings, o que já é muito, sem precisar intervenção do governo.  E aos produtores o que é dos produtores como decidido pelo STJ.
 
Confiar no mercado é o melhor remédio. Ameaças de que não vai ter financiamento são um arriscado call de perde-perde, call este que produtor rural sabe pagar, pois ninguém – ninguém vai deixar de plantar por falta de financiamento. E produtor rural sabe disso!  Se tradings não quiserem, bancos públicos aparecem, ou privados, com juros hoje de 5% ao ano, family offices, private equities, FDICs, fundos soberanos, ou quaisquer outros aparecerão, talvez até para melhorar as posições das tradings, que poderão concentrar-se no seu negócio e parar de se arriscar onde, ao que parece, não têm apetite para o risco.
 
Pode apostar Ministra, não há vácuo na lei, os trabalhadores são produtores. E nunca faltará dinheiro para plantar, café em Minas, soja, milho e algodão no Centro-Oeste, arroz no Sul, cana em São Paulo. Eles sempre vão produzir. Agora, só precisamos saber equilibrar o jogo. E o STJ está aí para cumprir seu papel, ser justo.
 
Devemos confiar na Justiça máxima do nosso país.
 

Euclides Ribeiro é Advogado de Empresários Rurais no Brasil
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