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Opinião

Que sociedade é esta? como enfraquecemos tanto?

Julio Cezar Rodrigues

O ano da Graça de Nosso Senhor de 2020 já entrou para os anais da História. Como a humanidade, no seu esplendor material, corolário das revoluções científica e tecnológica, empreendeu seus esforços para combater mais uma variedade dos milhões de germes que nos atacaram ao longo da história? Combatemos o bom combate e guardamos a fé? Comportamo-nos como nossos antepassados diante dos inúmeros problemas que tiveram que resolver e que nos legaram a civilização que temos hoje? Que diriam eles se voltassem aos tempos atuais e acompanhassem nossos governantes determinando que nos encerremos em nossas cabanas até o perigo passar? Eles, que tinham que sair de sol a sol para poderem criar as condições materiais de sobrevivência, sob pena de, inexoravelmente, perecerem de inanição? Trata-se de um experimento mental, mas, pertinente a uma razoável reflexão sobre nosso comportamento. Desenvolvemo-lo.

No prefácio de sua obra “Civilizações”, o historiador britânico Niall Ferguson nos explica a importância do estudo da História, uma vez que há várias interpretações desta, embora exista apenas um passado. Pois bem. Informa-nos que a atual população mundial corresponde a aproximadamente 7% (sete pontos percentuais) de todos os seres humanos que já viveram, ou seja, há muito mais mortos do que vivos e ignoramos a experiência acumulada da maioria da humanidade por nossa conta e risco. Também, continua o historiador, o passado é nossa única fonte de conhecimento confiável sobre o presente efêmero e os vários (sim, VÁRIOS) futuros a nossa frente, sendo que somente um deles irá de fato acontecer. Concluindo: a história não é apenas como estudamos o passado, mas é também como estudamos nosso próprio tempo.

Aonde pretendo chegar? Obviamente, sendo politicamente incorreto (como dever ser) ouso afirmar que a postura adotada pela maioria dos Chefes de Estado e de Governo nesta pandemia foi covarde e irresponsável. A única coisa real nesse evento foi a existência de um vírus e este causou mortes. Todo o restante foi retórico, sofisma, estratégias políticas de manutenção ou enfraquecimento de opositores políticos visando ao poder. A ciência foi utilizada sob as mais tacanhas pretensões políticas. O bom senso e a sabedoria foram desprezados como sinônimos de obscurantismo, negacionismo ou “conservadorismo” retrógrado. A loucura política dos progressistas, avançando todos os sinais da lógica, não perderam tempo em qualificar o Presidente da nossa República como “genocida”. Tais críticas foram também dirigidas ao país origem do germem? Silêncio. À ONU, via OMS? Silêncio. Nesse exato momento em que escrevo essas linhas, muitas das afirmações do Presidente, com relação aos efeitos da economia ser desligada e a contraproducente medida de isolamento total (dos infectados e dos saudáveis) estão confirmando-se, qual a postura da grande mídia? Silêncio e, ironicamente, negacionismo.

Voltando aos nossos antepassados. No início do Século XVII, os primeiros emigrantes britânicos aportavam na costa leste dos Estados Unidos. Em sua obra seminal, Alexis de Tocqueville cita trecho da obra do historiador Nathaniel Morton que é digno de nota. Vou reproduzir parte e peço aos leitores que, enquanto leem, façam uma exercício de imaginação, colocando-se no lugar dessas pessoas: “Haviam eles atravessados o vasto oceano”, narra o historiador, “chegavam ao fim de sua viagem, mas não viam amigos para recebê-los, nenhuma habitação para receber abrigo; era pleno inverno, e aqueles que conhecem nosso clima sabem como os invernos são rigorosos e quão furiosos são os furacões que desolam nossas costas. (...) Ao redor delas só aparecia um deserto horroroso e desolado, cheios de animais de homens selvagens cujo grau de ferocidade e número ignoravam. A terra estava gelada, o solo coberto de florestas e de mato. Tudo tinha um aspecto bárbaro. Atrás deles, o que viram era somente o imenso oceano que os separava do mundo civilizado. Para encontrar um pouco de paz e de segurança, só podiam dirigir seus olhares para o alto”.

A História está repleta de tais exemplos de coragem, determinação, fé e disposição em lutar pela existência custe o que custar. Podemos lembrar dos primeiros cristãos, que morreram em nome de sua fé; dos guerreiros que desembarcaram nas praias da Normandia no dia “D”; dos nossos Pracinhas que combateram o nazi-fascimo (estes sim, anti-fascistas); dos emigrantes europeus que aportaram em nosso País no início do Século XX para aqui construírem suas famílias e sua história, alavancando nosso progresso; por que não, lembrarmos dos pioneiros do sul que aportaram as terras do Mato Grosso e transformaram o cerrado em uma “fábrica” de grãos admirável. Enfim, são inúmeros os exemplos de pessoas que lutaram pela sobrevivência em sentido literal, enfrentando os rigores do clima, doenças, violência, absoluta falta de meios e de qualquer tipo de proteção social estatal, mas que não desistiram, mesmo quando assistiam, impotentes, a morte dos entes queridos, muitos em tenra idade. Aquilo que entendemos por Ocidente e todas as suas garantias e conforto material é fruto da perseverança e resiliência desses nossos antecessores. Foram esses homens e mulheres fortes que tornaram nosso tempo fácil. Miseravelmente, tais tempos fáceis estão a forjar pessoas fracas.

Aceitamos passivamente uma ética que justifica alguns saíres de suas casas para proporcionar as condições da nossa existência, enquanto os demais devem ficar trancados em suas residências. Discute-se vacinação obrigatória, antes mesmo de haver tal antígeno. Alardeiam-se picos da doença em inúmeras datas e prazos e, não satisfeitos, vaticina-se uma “segunda onda” antes mesmo de sabermos se a “primeira” já terminou seu trabalho. Via redes sociais, prolifera-se uma forma de “vírus” digital que contamina e corrompe a capacidade de raciocínio e ponderação sobre o problema. Em nome de uma “ciência” preceitua-se determinadas condutas, enquanto outra “ciência” prescreve o contrário. Resultado: reina a mais absoluta falta de confiança uns aos outros e em relação às autoridades.

São tempos sombrios sob um sol de prosperidade nunca antes visto na história da civilização. É passado o tempo de refletir seriamente sobre os acontecimentos, posto tratar-se apenas de um “ensaio” sobre a capacidade de contenção da liberdade civil pelos governos. Não pensem que tudo não está sendo muito bem catalogado e estudado. É possível sim controlar, como rebanho, uma massa de milhões de pessoas, as quais vão passivamente ao local indicado pelas “autoridades” imbuídas da iluminação intelectual para guiar a todos. Estranhamente, essa história já é nossa velha conhecida. A crença de que uma vanguarda intelectual, dotada de uma razão possuidora da verdade deve conduzir a massa de ignóbeis é a gnose da revolução que germinou no século XVIII e culminou com os governos totalitários do Século XX. Não pensem que a ideologia morreu. Seus profetas continuam entre nós.

O que está em jogo é a liberdade. Mas não é qualquer liberdade, como pretendem os progressistas. Estes postulam a liberdade para destruir o que existe e, depois, impor uma ordem existente apenas em suas cabeças. É o afastamento do real em função do utópico. Você não percebe, mas se prestar atenção nas políticas defendidas pelos progressistas verá que nunca partem da realidade, mas de um “deveria ser assim”, ou seja, a ideia prevalece sobre a realidade e não o contrário.

Liberdade sem virtude é um mal. Os “pais fundadores” dos EUA já o sabiam. Gertrude Himmelfarb, em sua obra “Os caminhos para a modernidade”, cita Madison: “Eu sigo esse grande princípio, que reza que o povo terá virtude e inteligência para selecionar homens de virtude e sabedoria (...) Não existe virtude entre nós? Se não existe, estamos então em uma situação miserável”. Ou então a definição de liberdade dada por Winthrop, nessa mesma época, para quem “há uma espécie de liberdade corrompida, cujo uso é comum aos animais e ao homem, e que consiste em se fazer tudo o que agrada. Essa liberdade é inimiga de qualquer autoridade. (...) Mas há uma liberdade civil e moral que encontra sua força na união e que é missão do próprio poder protegê-la: a liberdade de se fazer, sem temor, tudo o que é justo e bom”. Qual destas liberdades devemos lutar para ser garantida? São governos que nos ditarão é que é o justo e bom ou nossos valores religiosos e tradicionais? Ao se permitir que Estado e Governo avancem sobre tais valores, tem-se o começo do fim do homem como indivíduo, o qual converter-se-á, inexoravelmente, em uma parcela inseparável de uma entidade, o Estado. Isso já aconteceu e relutamos em aprender.

Foi fundamentado na concepção de liberdade com virtude que os EUA legaram a mais promissora República democrática que o mundo já testemunhou. De um jeito ou de outro, comenta Himmelfarb, eles tentavam reconciliar o que muitos acreditavam ser irreconciliável: a soberania do Estado e a liberdade dos indivíduos. Estou convicto que, lamentavelmente, tal concepção de liberdade e do papel do governo, vem sendo minadas ao longo de sucessivos governos “progressistas” (inclusive no Brasil), cujas crenças revolucionárias, raízes do totalitarismo e causa do declínio ocidental, soerguem da “lata de lixo” da história.

Engenharia social, e disto que estamos falando.
 

Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com)
 
 
 
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