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Opinião

Ainda falta conscientização

Itallo Leite

No dia de ontem, circulou pelas mídias sociais uma notícia triste e lamentável, que, a ser verdadeira, bem atesta a presença latente e perversa do racismo no dia a dia dos nossos cidadãos, especialmente dos negros e pardos. Um casal teria destratado o gerente de uma loja de um certo shopping, dizendo: "É inadmissível que um negro gerencie uma loja tão grande como esta!". Inadmissível é que esse fato deplorável ocorra em pleno Século XXI, a demonstrar como, ainda hoje, falta humanidade e consciência à sociedade dita moderna.

Nessa perspectiva, devo dizer que, no Brasil e em Mato Grosso, existe todo um arcabouço legislativo que busca promover a igualdade racial, combater o racismo e a discriminação e reparar os prejuízos causados à população negra decorrentes do perverso sistema de colonização e exploração experimentado pelo país. Essa legislação encontra fundamento constitucional já no artigo 3º da Magna Carta, que estabelece a obrigatoriedade de promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Todavia, é evidente que falta conhecimento e conscientização da sociedade brasileira acerca dessa legislação. 

Assim, diante de um tema tão desafiador, que se coloca em pauta em face do Dia da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de novembro, peço vênia a todos que se preocupam com esse assunto e/ou que sofrem os seus efeitos, para expressar a minha modesta opinião, como operador do Direito, sobre essas questões nevrálgicas - racismo, discriminação, políticas afirmativas – que afetam profundamente a população negra brasileira. 

Certamente, para falar sobre esse tema, nunca teremos a mesma propriedade daqueles que sofrem na pele os seus efeitos e malefícios, mas, enquanto advogado, por dever de ofício e responsabilidade social e cidadã, sinto-me obrigado a tratar do assunto e a manifestar a minha convicção da necessidade de que a legislação pertinente seja devidamente aplicada e observada, sob pena de manutenção de uma injustiça tricentenária e claramente afrontosa à Constituição – a desvalorização do ser humano por sua raça, por sua cor.

É bem verdade que o aparato legal de que dispõe a sociedade brasileira para reverter essa visível e descabida desigualdade racial é muito amplo e diversificado. Entretanto, de nada adianta essa prodigalidade legislativa, se esta não se faz devidamente aplicada, divulgada e conhecida. A grande maioria da população até pode saber que o racismo é crime e que existe política de cotas nas universidades. Esses são assuntos comuns na mídia. Desconhece-se, porém, a diversidade de leis, suas aplicabilidades e, principalmente, seus propósitos. Falta-se trazer esses atos legislativos à vida concreta do povo, a fim de que, cada um, no seu cotidiano, possa ir se familiarizando, se conscientizando dos direitos e deveres de uns e de outros e da desumanidade da discriminação e do preconceito racial.

Cito o próprio Estatuto da Igualdade Racial, instituído por meio da Lei 12.288/2010, cujo conjunto de diretrizes visa a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Mas, pergunto: quantas pessoas conhecem esse Estatuto? Quantos dos seus potenciais beneficiários – negros e pardos –  já se valeram dessas leis para defender ou reivindicar seus direitos? Há rigor e adequação na aplicação dessa Lei pelo nosso Judiciário?

Aqui em Mato Grosso, por exemplo, desde 2015, a Lei 10.308/2015, exige que as Escolas  incluam o conteúdo programático de História, Geografia e Cultura Afro-Brasileira nos currículos educacionais escolares de Ensino Fundamental e do Ensino Médio, de modo a destacar o papel relevante dos negros na construção da História de nosso país. Você sabia disso? Já ouviu seu filho comentar sobre a cultura negra brasileira ou sobre as lideranças intelectuais e políticas que fizeram parte de nossa História?

O exercício de nossos direitos, enquanto cidadãos, passa diretamente pela necessidade da divulgação, debate e conscientização sobre esse relevante tema. Enquanto advogado, acredito ser meu dever lutar por uma sociedade juridicamente mais inclusiva e justa, capaz de levar a todos o conhecimento de suas leis e de trabalhar por sua efetiva aplicação e cumprimento. 

Nesta semana, em que se comemora o Dia da Consciência Negra, gostaria de propor essa reflexão, de conhecer e fazer valer o direito de todos, sobretudo daqueles que ainda não possuem as mesmas oportunidades e lutam por espaços em condições desiguais. Criar mecanismos em busca de equidade não representa ameaça, mas Justiça. Nesse propósito, entendo que a OAB, que muito já faz, ainda tem muito a contribuir e me disponho a trabalhar para que essa luta ganhe mais espaço em nossa atuação institucional em defesa de uma sociedade justa e igualitária.


Itallo Leite é advogado especialista em Direito Público (com ênfase em Constitucional, Administrativo e Tributário) pela UVA/RJ, tem MBA Executivo de Direito em Gestão e Business Law pela FGV/RJ, Diretor Nacional da CONCAD, Presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de MT e participa semanalmente do podcast Direito em ação.
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