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Opinião

É preciso colocar um fim a uma sociedade com filhos órfãos de pais vivos

Adriana Cardoso Sales de Oliveira

Em uma certa manhã chegou ao meu escritório um jovem rapaz com um olhar triste para uma consulta, logo após as apresentações o jovem iniciou sua fala com certa amargura, perguntando se poderia pedir indenização, por ter sido abandonado por seu pai durante toda sua infância. Logo começou a contar como foi a separação de seus pais, até então não me surpreendi em ouvir sobre mais um caso de litigio em meio a um divórcio, porem algo me chamou a atenção, pois não tinha magoas pela separação, mas sim pela ausência de seu pai, que ele chamava de saudades sem fim.
Esse é uma de muitas histórias de pais que se afastam de seus filhos, privando-os de sua companhia e de seu afeto. Recentemente o debate em torno do abandono afetivo e suas consequências psicológicas e jurídicas tem ocupado a cena no âmbito do Direito. 

Atualmente o conceito de família é centrado no afeto, exigindo dos pais o dever de criar, educar os filhos, porém sem negligenciar o carinho necessário para sua formação plena. A omissão no cumprimento dessas funções pode caracterizar o abandono afetivo, o pai ou a mãe que se omite a ter o filho em sua companhia viola direito fundamental, qual seja a convivência familiar esculpida no artigo 227 da Constituição Federal de 1988

Quando falamos em criação e cuidados com os filhos menores em casos de pais separados, não nos referimos somente em alimentar ou realizar visitas esporádicas aos filhos. O pagamento da pensão alimentícia não encerra as obrigações de pai ou mãe, a convivência e assistência afetiva são obrigações de ambos os pais, não importa a distância, os pais tem o dever de manter a guarda, e de ter o filho em sua companhia, desempenhando a função familiar mais importante para a formação da personalidade da criança: o afeto.

As figuras parentais e a relação estabelecida com estas são fundamentais para o desenvolvimento psíquico da criança e para a qualidade das relações estabelecidas que posteriormente serão desempenhadas em sociedade.  

A criança depende do amor e afeto dos pais para se desenvolver saudavelmente, os mesmos são espelhos para a criança, e quando ela se vê sem a convivência com um deles, se sente perdida. Somente com o apoio, intervenção e amor dos pais, a criança pode se tornar um adulto capaz de também cumprir com suas obrigações de forma natural em sociedade.

O sofrimento da criança abandonada pode ocasionar deficiências no seu comportamento mental e social para o resto da vida, a criança pode se isolar do convívio de outras pessoas, apresentar problemas escolares, depressão, tristeza, baixa autoestima, além de problemas de saúde.

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu ar. 3º diz que as crianças e os adolescentes usufruem de todos os direitos fundamentais assegurados à pessoa humana, para garantir-lhes o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social. Portanto, são detentores de direitos e garantias fundamentais, é passível se chegar à conclusão de que os pais possuem um compromisso natural de afeto.

A falta de afetividade na criação dos filhos revela-se como um preocupante fator no desenvolvimento da personalidade do indivíduo e consequentemente no desenvolvimento das capacidades sociais dessa mesma pessoa. E assim tem sido o entendimento de decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo possível em alguns casos a configuração de responsabilização civil e indenização por danos morais sofridos por conta do abandono afetivo nas relações parentais, já que as relações familiares e a tutela do Estado sobre elas baseiam-se no princípio da solidariedade e da dignidade da pessoa humana.

É muito difícil materializar os danos do abandono afetivo, uma vez que é permeado de subjetividade. A questão de “compensar” o abandono afetivo é polêmica e dividem diversas opiniões, é algo delicado e deve ser analisado com cautela.

A indenização moral não tem por objetivo tentar retornar qualquer situação anterior, o que seria descabidamente impossível, mas apenas servir de instrumento reparatório, de compensação por anos de abandono e desvalorização da pessoa justamente por aqueles que mais deveriam estar presentes em sua vida.

A saudade e a ausência dos pais podem nunca passar mesmo após a reparação do dano sofrido, porem pode se ter ao menos um sentimento de reparação. É preciso colocar um fim a uma sociedade com filhos órfãos de pais vivos.
 

Adriana Cardoso Sales de Oliveira , advogada , professora , membro do IBDFAM e da ABA-comissão de direito de família e da mulher .
 
 

 
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