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Opinião

​O homem-massa

Sérgio Cintra

Posso ser jurássico, mas se tivesse que escolher qual país não desejaria conhecer de modo algum, seria os Estados Unidos da América. Posto isso, também reconheço que os EUA são a maior e a segunda mais longeva democracia burguesa do planeta. Há um equilíbrio incontestável entre os poderes. A derrota de Trump – por mais absurdo que possa parecer – põe em cheque um regime político conseguido às duras penas, inclusive com uma guerra civil(1861 – 1865).

Assim como o topetudo estadunidense e seus títeres, o “capetão” prepara o terreno para tentar um golpe; ao afirmar "se tivermos voto eletrônico (em 2022) vai ser a mesma coisa". Como explicar tais atentados contra a Democracia? Para explicarmos tanto a invasão do Capitólio quanto as diversas declarações antidemocráticas  de Bolsonaro, precisamos revisitar o polêmico  madrileno  José Ortega y Gasset (1883 – 1955), cujas ideias criaram o conceito de “homem-massa”, que tanto pode pertencer ao topo como à base da pirâmide socioeconômica de qualquer sociedade. Resumidamente, homem-massa caracteriza-se por instigar a ignorância (dilapidar o sistema educacional); pregar a violência (praticar o racismo, a homofobia, a misoginia etc.); por relativizar a história e a ciência (não houve o Holocausto e a terra é plana) e por negar os princípios da civilidade (afrontar os Direitos Humanos).

De acordo com Ortega y Gasset, o homem-massa opõe-se ao “homem-inseguro”, aquele que está sempre relativizando dialeticamente o seu tempo e buscando respostas, mesmo que essas o levem a novos questionamentos. Sinteticamente; o não pensar versus o pensar. A imbecilidade versus o conhecimento.

Em boa parte do mundo e no Brasil contemporâneo, tem-se, ainda que momentaneamente, a superlativização dessa horda de imbecis – isso potencializado pela internet. Se antes, os homens-massa, assim como os homens-inseguro, estavam restritos a determinados espaços; hoje, por conta das redes sociais, os massa têm as mesmas possibilidades de difundirem “suas” ideias quanto os intelectuais mais respeitados do mundo.

Não carecemos de mais exemplos, o triste cotidiano do país é marcado, infelizmente, por toda sorte de estupidez e de imbecilidade, sempre capitaneada pelo “capetão”. Cabe ao homem-inseguro tentar “ler” esse momento, para tanto recorro a Drummond, em um trecho de “Um boi vê os homens”: “vazio interior que os torna tão pobres e carecidos/ de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme/ (que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no campo/ como pedras aflitas e queimam a erva e a água,/ e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade”.


Sérgio Cintra é professor de Linguagens e de Redação.
sergiocintraprof@gmail.com
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