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Opinião

A escola sem partido é censura prévia e mordaça na educação

Miguel Rodrigues Netto


Todos nós que somos jornalistas sabemos da importância que tem para nossa classe profissional e para a sociedade como um todo a manutenção da liberdade de expressão. Muitos colegas jornalistas foram perseguidos, exilados ou mortos defendendo esse direito fundamental da imprensa livre. Muita gente tentou e ainda tenta atacar a imprensa, sobretudo quando ela não é convergente com suas ideias.
 
Pois bem, a liberdade de imprensa não faz dos jornalistas pessoas acima da lei e que podem usar do seu ofício profissional para dizer e maldizer coisas sem fundamento e sem arcar com as consequências disso. Por que então algumas pessoas acham que na educação o caminho é a mordaça? Com base em que evidência científica pensam que impor censura prévia aos profissionais da educação irá melhorar a qualidade ou mesmo formar pessoas mais conscientes?
 
A escola é em qualquer sociedade democrática um espaço de construção da alteridade (respeito ao outro) e da identidade. É um local onde as percepções de mundo, as diferenças culturais e por vezes sociais, políticas e econômicas se manifestam. É ali que a criança, o adolescente e o jovem aprendem não apenas conteúdos de escolarização, mas os elementos de sua formação cidadã.
 
Em Mato Grosso o debate é acalorado quando o tema é a privação do livre pensar e da manifestação deste pensamento em ambientes escolares. Esses preceitos que são inclusive constitucionais estão sob ameaça por projeto apresentado na Assembleia Legislativa. A tal neutralidade ideológica, política e religiosa do Estado apregoada nunca de fato ocorreu no Brasil e sequer parece estar próxima de ocorrer.
 
O parlamentar propositor do projeto de lei deve ter se esquecido, por exemplo, que embora o Estado seja laico, se comemoram diversos feriados católicos, e que esta mesma neutralidade não foi levada em conta na perseguição de comunistas no período da ditadura. Mas talvez o nobre deputado tenha faltado esta aula de história, ou talvez seu professor fosse adepto da escola sem partido e não lhe ensinou este triste capítulo da história brasileira.
 
Como sabemos a sociedade brasileira é repleta de anacronismos, de heranças culturais e onde predomina ainda hoje a desigualdade de oportunidades seja pela condição social, a etnia, ou o gênero, ou será que é normal a nossa casa de leis ter praticamente todos seus deputados homens e brancos, independente de seus partidos ou convicções políticas.
 
A questão que parece ser o pano de fundo aí é muito mais de foro pessoal que institucional. A censura prévia nada mais é que uma forma de legitimar a perseguição institucional contra alguns que por ventura não professarem os ideais de quem esteja no poder. Essa medida visa acabar com o senso crítico, o pensamento autônomo e enfraquecer por consequência até a luta sindical que se trava nas escolas e universidades país afora.
 
É preciso ter bem claro que não existe possibilidade de ter uma nação que cultive bons valores de tolerância onde só exista o pensamento único, seja ele de esquerda ou de direita. E a escola não pode se tornar refém de vontades ideológicas de qualquer ordem. Estamos vivendo o reflexo da excessiva polarização ocorrida no país nos últimos anos onde a truculência e o debate raso têm dado o tom e em nada temos avançado.
 
E parafraseando Chico Anysio um dos maiores brasileiros de todos os tempos e que tinha o dom de nos fazer rir com sua Escolinha do Professor Raimundo: “vamos à escola, toda hora é hora; vamos à escola, lá se aprende a viver”.
 
 
Miguel Rodrigues Netto – Jornalista. Licenciado em Letras. Mestre em Política Social (UFMT) e Doutor em Ciências Sociais (PUC/SP). Professor efetivo na Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT.
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