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DIRETO DA GUERRA DO PARAGUAI

Com quase 150 anos, rasqueado ainda consegue resistir ao tempo na noite cuiabana

17 Ago 2019 - 08:47

Da Redação - José Lucas Salvani e Thaís Favaro

Foto: André Romeu/SEC

Com quase 150 anos, rasqueado ainda consegue resistir ao tempo na noite cuiabana
Nascido após o fim da Guerra do Paraguai, o rasqueado está há quase 150 anos enraizado nas vidas do povo cuiabano e mato-grossense, conseguindo resistir ao tempo, mesmo com o surgimento de novos gêneros musicais. Na noite cuiabana ainda se ouve bastante sucessos de nomes consagrados do ritmo, mas pouco se ouve nas rádios da cidade, conforme apontado por Milton Pereira, o Guapo, e João Eloy ao Olhar Conceito

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“As rádios não tocam nossas músicas, é uma injustiça muito grande. Quem sabe essa perda [Bolinha] sirva de alerta para os programadores das rádios que estão fissurados no sertanejo universitário. Hoje estão de costas para a nossa música”, desabafa João Eloy ao Olhar Conceito.

Em vigor desde 1998, a Lei 7.070 determina que as emissoras de rádio AM e FM de Mato Grosso devem reservar 20% de suas programações para divulgar os trabalhos de artistas regionais. Entretanto, Guapo e João Eloy alegam que isso não é feito. Guapo aponta, inclusive, que apenas rádios menores tocam suas músicas e de colegas.

Francisco Vuolo, afirma que faz o fomento da forma que pode como secretário do Município de Cultura, Esporte e Turismo, mas acredita que o gênero está estagnado, apesar de reconhecer a contribuição dos cantores consagrados para a longevidade da música. “A renovação quando se trata de música não depende só de uma ação do poder público. Não depende só da gente fomentar e trabalhar isso. É necessário que se crie e se forme novos talentos”, pede.

“Ao longo dos anos, houve uma estagnação na renovação destes ícones que construíram o rasqueado ao longo dos anos. Nós temos na memória grandes expoentes na cultura que fizeram letras e melodia da forma correta, e conseguiram destacar o rasqueado durante um grande período”, afima o secretário.

Um dos principais nomes do gênero em Mato Grosso, Guapo aponta que esses novos nomes existem e muitos, inclusive, estão presentes em eventos como a Rua do Rasqueado, idealizado e criado por ele próprio, mas a comunidade se sente desmotivada a gravar novas canções porque não há uma “continuidade” na obra visto que não vão para as rádios da forma desejada. 

No fim, as novas músicas são cantadas somente em shows. É um investimento financeiro que não tem retorno. O próprio Guapo revelou que tem várias canções que ainda não foram gravadas porque hoje em dia não compensa mais investir na produção de discos.
 

“Tem música, tem composições que as pessoas tocam [nos shows] mas que não foram gravadas pelo mesmo problema. Você vai gravar disco? Serve para alguma coisa? Não é mais viável gravar porque custa caro e te rende nada. Ninguém quer saber mais de CD. (...) É fazer uma coisa que não precisa e não vai para frente”, explica o cantor. 

Herança paraguaia e a mistura com Mato Grosso

O rasqueado cuiabano surgiu após a Guerra do Paraguai, que chegou ao fim em março de 1870. Com a prisão de paraguaios em Várzea Grande, não demorou muito para que a polca paraguaia se misturasse com o siriri e cururu. A partir desta mistura, o rasqueado se divide em dois, fronteira e cuiabano, de acordo com Guapo em seu livro “Romedeia co que tem”.

O rasqueado de fronteira se caracteriza pelo pouco uso de instrumentos, como acordeão e violão, tendo influência por ritmos platinos, como a própria polca, valsa, tango e chamamé. Já o rasqueado cuiabano, com instrumentos de sopro, piano e violino, tem influência do samba, chorinho, marcha dobrado e outros.

Sua popularização começou por conta da proclamação da República. Com a necessidade de serem eleitos, políticos traziam cantores do gênero em eventos que ficariam conhecidos mais tarde como “showmícios”. O gênero musical se tornou tão importante para o estado que é considerado rítmo símbolo musical de Mato Grosso, por meio da Lei 8.203/2004. 

O rasqueado, todavia, era visto pela elite cuiabana com olho torto. Foi preciso que alguns músicos recorrentes dos saraus cuiabanos, Mestre Ignácio, Honório Simaringo e outros, trouxessem o ritmo para estas noites.

A década de 1990 foi uma época onde houve uma explosão do rasqueado em Cuiabá por conta do projeto Rasqueart. O evento reuniu mais de 30 mil pessoas apaixonadas pelo gênero. Atualmente, o principal projeto ligado diretamente ao ritmo musical é a Rua do Rasqueado, também iniciado nesta década.

“É uma das principais expressões culturais que nós temos. É uma expressão ligada a música e, quando se fala de música, existem alguns viveis e, entre eles o econômico. O rasqueado está hoje em nossa raiz e tradição. Quando você realiza um evento, você participa de uma festa ou alguma atividade específica e coloca o rasqueado não há como ficar parado”, destaca o secretário.

Entre alguns dos principais nomes do rasqueado em Cuiabá há João Eloy, conhecido como o Doutor do Rasqueado, Guapo, Pescuma e Bolinha. Este último faleceu na segunda-feira (5), aos 78 anos, após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) no sábado (3). Membro da banda Lenha, Brasa e Bronca, o saxofonista João Batista de Jesus é filho do Mestre Albertino e Dona Enedina Fernandes da Silva.
 

“Os poderes deveriam prestar uma homenagem contundente para o Bolinha, parece que estão querendo negar a nossa história, estão querendo esquecer de onde que nós viemos, para onde nós vamos e quem nós somos”, pediu João Eloy na terça-feira (6) subsequente à morte de Bolinha.

Ainda em agosto

A Rua do Rasqueado já soma 26 anos entre idas e vindas. A primeira edição do projeto foi realizada em 1993, mas foi interrompido logo no ano seguinte. Sua volta aconteceu somente dez anos depois, porém foi suspenso em 2005, voltando mais tarde em 2012. Já em 2015 e 2017 foram realizadas duas edições com o apoio da Secretaria de Estado de Cultura de Mato Grosso (SEC-MT), na gestão do ex-governador Pedro Taques.

Em 2019, o projeto terá início no dia 22 de agosto, se estendendo até o dia 7 de novembro. Ao todo, serão 12 dias de shows, sempre às quintas-feiras, como já é tradição. É previsto que o evento seja realizado na Praça Caetano de Albuquerque.

A volta da “Rua do Rasqueado” não deve ser o único evento ou ação voltada ao rasqueado em Cuiabá promovido e apoiado pela Prefeitura. “Esses são os instrumentos que nós usamos para poder fomentar, trabalhar e atuar. Vai ser uma das ações voltadas para o rasqueado, haverão outras também. A Prefeitura procura valorizar nesse sentido”, esclarece o secretário.
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