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Terça-feira, 19 de março de 2024

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Onda de imigração em Cuiabá influencia e transforma música, artes e gastronomia

Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto

Onda de imigração em Cuiabá influencia e transforma música, artes e gastronomia
Música, gastronomia, artes visuais, artes cênicas, costumes. Quando uma pessoa sai de seu país, carrega consigo suas referências culturais. Em um momento de crescimento da xenofobia, mudar a perspectiva do sofrimento e enxergar o que há de bom na migração pode ser um desafio, mas nos últimos anos, o Olhar Conceito se dedicou, diversas vezes, a contar a história de pessoas que deixaram sua terra natal e escolheram Cuiabá ou Várzea Grande para morar, e a riqueza cultural que isso trouxeram junto com elas.

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Para a historiadora e especialista em migrações climáticas da Universidade Federal de Mato Grosso Michèle Sato, o momento atual é sem precedentes na história mundial. Nunca se migrou tanto e, por isso, não é simples fazer uma previsão de quanto tempo leva para os imigrantes impactarem a cultura do país que chegam. “Hoje em dia você já vê [as mudanças] mais rápido, porque são muitas. Você vai ao shopping, por exemplo, na classe média rica, e vê aquelas lojinhas com exposição de indianos, venezuelanos, senegalenses. Na rua tem muitos trabalhos de uberização, então é mais rápido”, afirma.

No entanto, mesmo quando era muito mais difícil conseguir se deslocar, a imigração já alterava as realidades. “Esse momento não é um parâmetro correspondente aos anteriores. É alguma coisa absolutamente nova. E doravante agravada. [Mas muda] em tudo, né. Desde a agricultura, como o Japão fez, introduziu diversas formas e espécies de alimentação... na indústria e o jeito de falar, por exemplo”.

E a arte vem junto. Vem diluída na roupa, na moda, e em diferentes expressões artísticas. É o caso, por exemplo, da assistente social Diela Tambanhaque. Natural de Guiné-Bissau, ela veio para Cuiabá fazer intercâmbio e, depois de idas e vindas, se instalou de vez em Várzea Grande, e hoje encanta as brasileiras com suas tranças e as roupas feitas em tecido africano que desenha e comercializa.

Diela (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Mesmo quem saiu bem cedo de sua casa, como o turco Yusuf Dogan, 56, que vive há 20 anos em Cuiabá, também transmite o que aprendeu com os antepassados. Em seu caso, realiza esculturas em rochas, trabalhando somente com pedras de Chapada dos Guimarães.

Yusuf Dogan (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Na música, a influência pode ser percebida, por exemplo, com o rapper haitiano Esdras Altidor, mais conhecido como Asid Adult-Man. Ele deixou seu país em 2012, viveu no Chile, e chegou a Cuiabá, onde continuou fazendo rimas tanto sobre seu dia a dia quanto para falar das mazelas sociais.

Para a pesquisadora Michèle Sato, a música é uma das experiências culturais mais difíceis de serem absorvidas no Brasil. “Porque a música brasileira é forte. Acho que a gente tem muito dessa ginga, e a gente também é um pouco imperialista. Você não conhece as músicas latinoamericanas dos nossos vizinhos. A gente tem muito dessa postura imperialista em relação à América Latina, à África... aos continentes pobres, aos países pobres de uma forma geral, a gente tem esse desdém”, lamenta.

Tentando mudar essa realidade está a venezuelana Rossbeli Margarida, que todos os dias, às 18 horas, comanda o programa de rádio ‘Noches Calientes’, na rádio comunitária Metrópole FM. O programa tem músicas de toda a América Latina – ou até mesmo de além-mar, e conquistou não só os imigrantes, mas também muitos brasileiros, que ligam para ela para pedir suas faixas preferidas.

Rossbeli (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Na gastronomia, não há o que se questionar. Mesmo antes da chegada dos imigrantes em Cuiabá, até mesmo os brasileiros gostavam de trazer pratos novos e diferentes e, com isso, conquistar sua clientela. Em 2017, o casal sudanês Limia Ali e Motaz Mobara inaugurou seu ‘Mobi’, com a tradicional culinária árabe, e em homenagem ao filho Mobarak, que faleceu em decorrência de um câncer aos doze anos, em abril de 2016.

O restaurante tem um cardápio extenso, com doces tradicionais, kibes e esfihas, pratos como a kafta na bandeja, machawi de carneiro, kibe cru, shawarma, falafel e mais.

Quem também fez questão de trazer as delícias de casa para Mato Grosso foi o português Simão Morant. Por aqui, inclusive, ele criou seu ‘sorvete de pastel de Belém’, além de preparar pratos tradicionais, como as ‘coxinhas de bacalhau’, que já estavam também no cardápio de Dom João VI.

Domingos Rafael (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

A francesa Isabelle Lebon veio para Mato Grosso no final dos anos 80, trabalhar como guia de turismo, onde conheceu o cuiabano Celso de Oliveira. Os dois chegaram a se mudar para a França, mas voltaram em 2014, já com cinco filhos, e montaram uma tradicional creperia na Morada do Ouro.

A ‘La Gourmandise’, ao contrário das creperias brasileiras, usa trigo sarraceno no preparo, o que torna a massa mais leve. A família também oferece recheios não tão comuns em terras tupiniquins.

Crepe na Gourmandise (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

“Nada é isolado. Quanto tempo leva para a absorção da cultura? Se for uma cultura russa, vai ser mais difícil. Mas se for uma coisa que o Brasil já está no movimento, em dinâmica, já pulsa... aí é rápido”, explica Michèle Sato. Talvez seja por isso que foi um grande desafio para o médico haitiano Jean Richard Ileus, 35, criar seu restaurante de comida caribenha. O foco dele é a mudança de hábitos. Assim, todos os alimentos são saudáveis, feitos com gordura animal e leite de coco, e sem nenhum produto industrializado.

A conclusão, para Michèle, é a absorção da cultura depende. Depende do contexto, da expressão, do valor, de cada coisa. A realidade, no entanto, é que essa miscelânea só tende a aumentar nos próximos anos, e Cuiabá deve se tornar uma cidade cada vez mais diversa.

Michèle Sato (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)
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